
A morte de Giscard deu origem a um concerto de louvores, em todos os meios de Comunicação social. Macron fez um discurso de homenagem e declarou um dia nacional de luto em sua honra. Mas um facto é obscurecido ou quase não mencionado no “pedigree” de Giscard.
Ele foi o presidente da Convenção responsável pela elaboração do projecto de Constituição Europeia, submetido a referendo em França, em 2005. O seu projecto era apoiado pelos principais partidos institucionais – tanto de esquerda, bem como de direita – e pelos meios de Comunicação social, todos fazendo campanha pelo “sim” à Constituição.
E no Congresso da CES (Confederação Europeia dos Sindicatos) – realizado em 2003, em Praga – Giscard tinha sido recebido como convidado-vedeta para fazer a promoção do seu projecto. Mas o facto de Bernard Thibault (1) ter ficado em minoria no Conselho Confederal Nacional da CGT, em Fevereiro de 2005, foi um elemento crucial no movimento de rejeição da Constituição Europeia. Porque, apesar de todo o apoio dado nessa altura a Giscard, a 29 de Maio de 2005, 55% dos Franceses votou “não” no referendo, com uma taxa de participação muito elevada (seguido, a 1 de Junho de 2005, de um resultado análogo na Holanda).
O que fizeram eles desse voto “não”? Assim que foi eleito, em 2007, Sarkozy comprometeu-se com a Chanceler alemã Merkel a voltar a pôr na ordem do dia esse projecto de Constituição Europeia. E, a 13 de Dezembro de 2007, todos os Chefes de Estado e de Governo dos países-membros da União Europeia adoptaram o “Tratado de Lisboa”, desprezando o voto soberano do povo.
No Journal du Dimanche, de 6 de Dezembro, Alain Lamassoure – antigo ministro-delegado para os Assuntos Europeus, de França – confessa que “o Tratado de Lisboa, assinado em 2007, retomou 95% do projecto da Convenção”.
O cinismo de Giscard, nessa fase de elaboração do Tratado de Lisboa, é demonstrado por duas declarações sucessivas. Em 26 de Junho de 2006, na London School of Economics, Giscard declarou: “A rejeição da Constituição foi um erro, que deve ser corrigido.” E, um ano depois (a 1 de Julho de 2007), declarou ao Sunday Telegraph: “Todas as nossas propostas estarão no novo texto, mas escondidas ou disfarçadas.”
Que duplicidade da parte de Giscard, exaltado hoje por Macron!
No entanto, foram eles bem-sucedidos, na sua negação da democracia, com este Tratado de Lisboa?
Não, porque o resultado do referendo de 2005 foi um poderoso acelerador da crise de desmoronamento da União Europeia, que continua a amplificar-se. Isto porque o voto “não” à “Constituição europeia” enfraqueceu, consideravelmente, o poder das instituições da União Europeia, como pode ser visto com o bloqueio actual do “Plano de retoma”.
Tal como deu um grande impulso ao fenómeno da abstenção – que, desde então, se tem desenvolvido em todas as eleições – e reforçou o movimento de rejeição das instituições, de que o movimento dos Coletes Amarelos foi uma expressão espectacular.
Macron pode bem reivindicar-se de Giscard, mas o voto “não” à sua Constituição Europeia – mesmo que traído – verifica esta passagem de Marx, no seu livro O 18 de Brumário de Louis Bonaparte: “A Revolução vai até ao fundo das coisas (…). Aperfeiçoa o poder executivo, redu-lo à sua expressão mais simples, isola-o, dirige contra ele todas as culpas, para que possa concentrar todas as suas forças de destruição sobre ele. E, quando tiver completado a segunda metade do seu trabalho de preparação, a Europa vai saltar do seu lugar e regozijar-se: «Bem escavado, velha toupeira!».”
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(1) Thibault foi Secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT) de França, entre 1999 e 2013.
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Nota de Daniel Shapira, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 634, de 9 de Dezembro de 2020, do Partido Operário Independente de França.