
Em menos de quatro anos, o Peru já teve quatro presidentes. O actual, Francisco Sagasti (antigo funcionário do Banco Mundial), nomeado pelo Congresso (Parlamento) a 17 de Novembro, sucedeu a Manuel Merino, cuja permanência no cargo durou apenas uma semana. Merino teve de renunciar, perante a explosão da juventude e a dura repressão às suas manifestações – com dois mortos, 14 desaparecidos e mais de 100 feridos – contra o desemprego e a situação crítica nos sectores da Saúde e da Educação.
E os jovens não estão sozinhos, sendo esta é a questão-chave: a classe trabalhadora das cidades e dos campos mobilizou-se, incessantemente, contra todos os governos que se sucederam ao governo ditatorial e repressivo de Fujimori (1990-2000). Ela ripostou em conjunto com os seus sindicatos.
Assim, a Central Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP) impulsionou jornadas de luta justas e massivas, como a de 5 de Novembro, a fim de exigir a revogação das medidas anti-operárias e das medidas do “estado de emergência” – decretado, sob pretexto da Covid-19, para colocar tropas nas ruas – e apelando à convocação de uma Assembleia Constituinte, e nomeadamente à adopção de uma nova Constituição, para substituir a Constituição (ainda em vigor) imposta fraudulentamente por Fujimori, em 1993.
O que se passou no Chile (luta pela Constituinte) e na Bolívia (derrota dos golpistas) alimentou esta onda de mobilizações no Peru, a qual coloca directamente a questão da soberania popular como saída para o buraco sem fundo da crise mundial do capitalismo, agravada – e acelerada pela pandemia – nos países dominados pelo imperialismo.
O pesado fardo da crise capitalista e a incapacidade da classe burguesa (pró-imperialista) em garantir um rumo para o país levaram a um período de confrontação aguda entre as classes. Esta situação teve como resultado o desmoronamento dos partidos burgueses e da chamada “esquerda” moderada. Porque, por causa da pandemia (o Peru é dos países que tem mais mortes por milhão de habitantes) e da sujeição ao imperialismo, temos vivido a dura realidade da fome, do fecho de fábricas, dos despedimentos e do afundamento dos serviços públicos de Saúde e de Educação.
Foram estas mobilizações quotidianas e populares que furaram o “estado de emergência”. A 18 de Novembro teve lugar uma jornada nacional de luta da CGTP, com o apoio da Assembleia Popular dos Povos (que reúne movimentos populares e indígenas). Isto resultou de um acordo realizado a 14 de Novembro, na presença de mais de 200 representantes de todo o país. Enquanto o novo Presidente do Peru prestava juramento num tom conciliador, rapidamente os sectores em luta proclamavam em conjunto a sua rejeição.
As mobilizações tornaram as suas posições mais precisas e orientam-se agora – com a CGTP e a Assembleia Popular dos Povos – para uma solução política baseada na satisfação das reivindicações sociais, económicas e políticas, que a luta por uma Assembleia Constituinte livre e soberana faz suas. Ainda ontem, manifestantes nas ruas de Lima (a capital do Peru) proclamavam: “O povo exige uma Assembleia Constituinte”; “O povo não se rende!”; “Viva a luta do povo peruano”; “Quem lutará sempre, é ele”.
Depoimento de um correspondente do Peru, datado de 18 de Novembro e publicado no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 632, de 25 de Novembro de 2020, do Partido Operário Independente de França.