Guerra militar e económica

A escalada bélica dos governos continua. A 16 de Março, pela primeira vez, um país membro da NATO, a Polónia, anunciou uma próxima entrega de bombardeiros à  Ucrânia.

A 17 de Março, a Eslováquia anuncia que irá entregar 13 bombardeiros ao exército de Zelensky.

A 18 de Março, Putin, chefe dos oligarcas russos, viaja de helicóptero a Mariupol na Ucrânia.

Há uma semana atrás, a Rheinmetall, o fabricante alemão de armas, anunciou que o preço das suas acções tinha crescido exponencialmente num ano, passando de 100 euros para 250 euros, e que os seus lucros tinham aumentado em 61%.

Menos divulgada, a guerra económica grassa entre países imperialistas.

O grupo belga Solvay, a empresa química que é líder mundial, em Janeiro anunciou em Davos que se iria deslocalizar para os Estados Unidos da América. O seu chefe declarou: “Iremos para os Estados Unidos. Iremos levantar o cheque da Lei de Redução da Inflação (IRA), e isso é normal!” (segundo o jornal Le Monde).

O IRA é uma ajuda massiva ao investimento, aos milhares de milhões, que o Governo norte-americano concede aos industriais que que pretendem instalar-se nos EUA. Este esquema é combinado, acima de tudo, com o custo da energia, que se tornou 3 a 5 vezes mais barato do que nos países europeus desde a eclosão da guerra, uma vez que – muito  convenientemente para o imperialismo norte-americano – o gasoduto Nord Stream 2, que transportava o gás russo para a Europa, foi sabotado.

A empresa química alemã BASF também ameaça deslocalizar-se para os EUA, tal como o gigante Volkswagen. E o CEO da Saint-Gobain estima que, a este ritmo, em cinco anos, “10 a 30% da indústria europeia terá desaparecido”.

Não é esta a força motriz da escalada militar? Não será esta a razão do empenho do governo dos EUA, juntamente com a NATO, numa guerra cada vez mais fortemente armada, cada vez mais mortífera para o povo ucraniano e os jovens russos enviados para a frente?

Uma guerra de predadores, liderada por governos que não se preocupam com os mortos, sejam eles ucranianos ou russos, militares ou civis. Uma guerra de destruição de vidas, mas também da indústria na Europa, ameaçando todas as actividades, todas as conquistas sociais.

Mais do que nunca, a luta urgente contra a guerra, para um cessar-fogo imediato, é uma luta contra os governos beligerantes, contra Macron, Putin, Biden, Scholz, de Croo, Meloni… Mais do que nunca esta luta vital para o movimento operário cruza-se com a luta pela derrota dos governos e a sua pretensão de destruírem as conquistas sociais.

Crónica da autoria de Bruno Rique, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 749, de 23 de Março de 2023, do Partido Operário Independente de França.

“Basta de mentiras”

Se Pink Floyd não tem o mesmo significado para todas as gerações, ele continua a ser o nome de uma banda musical mítica com uma reputação mundial. É por isso que saudamos a corajosa declaração feita – em 6 de Fevereiro, pelo seu co-fundador, Roger Waters – em resposta ao pedido de uma jovem ucraniana que lhe pediu para falar sobre a guerra no seu país.

Ele escolheu recentemente o TikTok – uma rede social entre as mais populares – para ampliar a sua audiência. Aí ele declarou estar farto das mentiras sobre a guerra na Ucrânia e também o seu desejo de contribuir para uma solução. Ele não poupou Putin, nem Biden, nem Zelensky, nem a NATO, contextualizando os elementos que nos ajudam a compreender como chegámos a esta situação. De passagem, ele não deixou de acusar os pequenos capangas do imperialismo norte-americano – os Macron, Johnson, Schroeder e consortes – de cumplicidade na escalada da guerra.

“Estou enojado com a invasão da Ucrânia por [o presidente russo Vladimir] Putin; é um erro criminoso, na minha opinião, o acto de um gangster”, escreve Roger Waters. “Deve haver um cessar-fogo imediato. Lamento que os governos ocidentais estejam a adicionar combustível ao incêndio que destruirá o seu belo país despejando armas na Ucrânia, em vez de se envolverem na diplomacia que será necessária para parar o massacre.

Farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar a pôr fim a esta guerra horrível no seu país, tudo menos acenar com uma bandeira para encorajar a matança. É isso que os gangsters querem, eles querem que acenemos bandeiras. É assim que eles nos dividem e nos controlam, para criar uma cortina de fumo que nos cegue em relação à nossa capacidade inata de empatizarmos uns com os outros, enquanto pilham e violam o nosso frágil planeta. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar a devolver a paz a si, à sua família e ao seu belo país.

A Rússia é um paraíso de gangsters capitalistas neoliberais puros e duros, decalcado do modelo dos Estados Unidos da América.”

Roger Waters retoma, assim, a tradição que levou gerações de intelectuais e de artistas, de ambos os lados do Atlântico, a manifestarem-se contra as guerras imperialistas e coloniais.

Como verdadeira expressão da consciência dos povos, eles usaram a sua notoriedade para se dizerem, alto e bom tom, o que milhões estão a pensar, aqueles milhões que não têm voz.  Este foi o caso de centenas de artistas e intelectuais norte-americanos durante a Guerra do Vietname. Foi o caso de Jane Fonda e de outros grandes actores de Hollywood que, durante a segunda guerra do Iraque, tomaram a seu cargo a petição – lançada por familiares de vítimas do bombardeamento do World Trade Center – que negava a Bush o direito de falar em nome do povo norte-americano para lançar o seu assalto assassino ao Iraque, usando mentiras tão grandes como as que estamos a ouvir agora.

Foi, num tempo mais distante, em França, o caso dos 120 intelectuais que se pronunciaram contra a guerra na Argélia, e de Boris Vian que escreveu a canção Le Déserteur (O Desertor) contra as mobilizações dos soldados pelo Estado francês, para a Indochina e depois para a Argélia (1), e cujos famosos versos ainda continuam actuais: “Se é preciso derramar sangue, ide lá derramar o vosso, senhores bons apóstolos, senhores a quem chamam grandes”.

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(1) É de notar que os apóstolos da guerra já existiam nessa altura, pois foi um Parlamento presidido por Guy Mollet, da SFIO (antepassado do PS), que votou a favor de poderes especiais, uma proposta apoiada pelos deputados da PCF, para que o Governo desencadeasse a guerra na Argélia. Dois anos mais tarde, de Gaulle tomou o poder, amplificando uma guerra que custou a vida de mais de um milhão de Argelinos e de Argelinas e de 200.000 soldados e civis franceses.

Crónica da autoria de Lucien Gauthier, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 747, de 8 de Março de 2023, do Partido Operário Independente de França.

A luta dos professores

Numa altura em que a luta dos professores está ao rubro em defesa das suas reivindicações, Carmelinda Pereira – militante socialista de longa data, fundadora e dirigente da secção portuguesa da 4ª Internacional (Política Operária de Unidade Socialista – POUS) – foi “amalgamada” com André Pestana, dirigente do sindicato STOP (de que é fundador) e também dirigente do partido político MAS, num artigo do jornal i de 21 de Fevereiro.

Divulgamos o “esclarecimento” que Carmelinda Pereira enviou à direcção desse jornal, a 24 de Fevereiro, ao qual – a nosso conhecimento – o jornal ainda não deu qualquer divulgação.

Esclarecimento

Num artigo sobre a liderança da luta dos professores e o protagonismo do dirigente do STOP (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação), André Pestana, publicado no vosso jornal, no passado dia 21 de fevereiro, com a assinatura jornalista Joana Mourão Carvalho, é comparado o meu percurso – de militante socialista de longa data, fundadora e dirigente da secção portuguesa da 4ª Internacional (Política Operária de Unidade Socialista – POUS) – com o percurso político de André Pestana, como dirigente do STOP (de que é fundador) e dirigente do MAS.

Não ponho em dúvida o profissionalismo da senhora jornalista ao elaborar este texto, apoiando-se em citações de comentadores televisivos que procuram formatar a opinião de milhões telespectadores, como é o caso de Luís Marques Mendes e de José Miguel Júdice. Estes falarão certamente como consideram ser mais adequado aos seus objectivos, não hesitando em fazer comparações abusivas, ou mesmo falsas.

Não é pretensão da minha parte concorrer com tais comentadores, movidos pelo objectivo de alimentar a linha de pensamento dominante, antagónica à orientação política de militantes que jamais abandonaram a luta pela defesa das conquistas sociais e do caminho aberto pela Revolução do 25 de Abril.

No entanto, a consideração que tenho pelos milhares de leitores – e, em particular, de professores – que procuram uma saída positiva para a grave situação em que todos nos encontramos, leva-me a dirigir à direcção do vosso jornal um esclarecimento sobre algumas das afirmações abusivas em relação ao meu percurso como militante pelo Socialismo. Sobre o conjunto do artigo, onde são explicados alguns passos da luta dos professores, não me cabe polemizar nem considero que tal assunto seja neste momento relevante.

Assim, em defesa da minha identidade política, gostaria de poder esclarecer os leitores do jornal i que sou uma professora aposentada da vida activa, mas nunca aposentada do combate. Combate levado a cabo por milhares de professores e de educadores para exigir o fim da precariedade; o respeito pela graduação profissional e pelo tempo de serviço, na lista graduada a nível nacional, como únicas condições na sua colocação em qualquer escola; a contagem integral do tempo de serviço; o fim das quotas e das vagas para a progressão na carreira; condições específicas para a aposentação; bem como, o direito a uma colocação tendo em conta as limitações de milhares de colegas com doenças incapacitantes.

São estas as reivindicações que unem todos os docentes, cuja satisfação exige a unidade de todos os sindicatos, da base ao topo, sem guerrilhas nem competições, inimigas da frente única de todas as organizações, já conseguida em alguns momentos, e que, na minha opinião, coloca na ordem do dia o apoio directo das duas Centrais sindicais. Trata-se da defesa de uma Escola Pública de qualidade e democrática, para todas as crianças e os jovens do nosso país.

Luto por estes objectivos, como membro do maior sindicato da FENPROF – o SPGL, uma organização que nunca desligou o combate pelas reivindicações dos docentes da defesa do restabelecimento da gestão democrática nas escolas, nem da luta pela paz.

Lembro que, no recente Congresso do SPGL (de 9 e 10 de Fevereiro), foi aprovada – por larga maioria – uma moção defendendo a paz imediata, o fim das despesas em armamento e a canalização da riqueza produzida no país para assegurar as conquistas da civilização (de que faz parte a Escola Pública).

Nunca – como militante sindical, nem como militante do Partido Operário de Unidade Socialista (1) – defendi os métodos de guerrilha entre sindicatos e, muito menos, o apelo à construção de sindicatos alternativos como saída para a luta da classe trabalhadora.

Bem pelo contrário, ao mesmo tempo que aposto na defesa da independência das organizações sindicais – face ao Estado, ao Patronato, aos partidos políticos ou a qualquer confissão religiosa – intervenho, no seio da minha organização sindical, pela construção da frente única de todas as outras organizações sindicais, no quadro da democracia.

Uma frente única que – na situação política e social em que nos encontramos – coloca como questão premente a mobilização do conjunto das classes trabalhadoras, pelo aumento dos salários, pela defesa de todos os serviços públicos, onde a luta dos professores é hoje a ponta avançada.

Uma luta contra a “guerra social” que, para muitos militantes – incluindo os da POUS – é a outra face da luta contra a guerra a que o Governo português e toda a Direita se submetem, guerra imposta, por um lado, pela NATO e pelo imperialismo dos EUA, e, por outro, pelos oligarcas da Rússia. Um ano após o início da guerra militar, esta luta exprime-se de forma especial em todos os países europeus.

Neste sentido, considero um abuso comentadores políticos misturarem o meu percurso com o de André Pestana e do seu partido.

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(1) Antecessor da associação Política Operária de Unidade Socialista.

Carmelinda Pereira

24 de Fevereiro de 2023