O Estado da União

O Estado de Direito já é uma questão ideológica!

Reproduzimos o artigo de Carlos Matos Gomes, in Medium.com, publicado a 14/09/2022

O facto de estar de pensionato, mas não por motivos de saúde ou de justiça, em quarto com televisão, permitiu-me assistir ao discurso da querida líder da União Europeia, Ursula Von der Leyen sobre o estado da União, no magnífico auditório do Parlamento Europeu, muito composto de público.

A senhora Von der Leyen vestia um espampanante conjunto de saia e casaco com as cores gloriosas do azul da União e as Estrelas amarelas dos estados europeus. Assistiu à cerimónia, em lugar de destaque, a jovem e elegante esposa do chefe de Estado da Ucrânia, que segundo os jornais ingleses de há dias oferecera uma mansão à excelsa companheira no valor de 14 milhões de libras a título de ajuda à economia britânica, afetada pelo contributo do Reino Unido para a guerra da Ucrânia e respetivo Brexit. O Brexit, percebe-se agora ter sido uma manobra preparatória para colocar a União Europeia na posição em que a senhora Der Leyen e o senhor Joe Biden a querem: pela trela.

A esposa do generoso e divertido oligarca ucraniano, convidada de honra, manteve uma atitude de grande dignidade, enquanto Ursula von der Leyen fazia o seu bravo discurso anual sobre o Estado da UE em Estrasburgo, destacando a guerra na Ucrânia e a crise de energia (o euro, pelos vistos, está de excelente saúde).

Os eurodeputados, serenos e compostos, debateram o discurso em que Von der Leyen afirmou que a UE “não está completa” sem a Moldávia, a Geórgia, a Ucrânia e os Balcãs Ocidentais (parece ter esquecido que o Kosovo e a Sérvia, são ao lado e tão democráticos como a Ucrânia, ou mais) e reconheceu que “o Verão de 2022 ficará na memória das pessoas” devido às ondas de calor e à seca (há que melhorar o sistema de meteorologia da UE, presume-se).

Afirmou a querida líder, com a solenidade requerida, que as preocupações com a crise energética e a guerra transmitiram a sensação de que a Europa está mais unida e mais forte. (Uma versão europeia do portuguesíssimo aforisma: o que não mata engorda). Admitiu que as contas de energia se tornaram “insuportáveis” para muitos, mas desviou as críticas, acrescentando: “Envie essas contas para Moscou, é onde elas pertencem”. Uma tirada de grande efeito: os europeus já sabem a quem enviar as faturas do gás e eletricidade: ao Kremelin! Estamos todos mais descansados. Falta apenas o código postal.

Ursula Van der Leyen admitiu que a desaceleração económica não se deve apenas à guerra na Ucrânia, mas é também uma crise do “sistema”. Quanto ao dito “sistema” há falhas, mas ela não as indicou. Aliás, não há sistemas sem falhas, até o sistema solar sofre de eclipses! Também apontou os “superlucros das grandes empresas multinacionais” e pediu aumento da tributação sobre todos aqueles que “beneficiaram da crise”. Mas não se lembrou que os superlucros das multinacionais nunca foram tributados. A Google, a Mac Donald, a Coca Cola, o Facebook e a Microsoft, entre tantas outras, não pagam impostos correspondentes nos países onde obtêm os superlucros. Transitam os seus lucros por paraísos fiscais — Holanda e Luxemburgo, Inglaterra (p. ex.) — e por offshores. Sobre offshores nem uma palavra da líder da UE. Tabu. Silêncio absoluto. O offshore é o sacrário do sistema!

Apenas os hereges concluem que a tributação dos superlucros é areia para os olhos dos europeus. E os crentes europeus acenam que sim com a cabeça.

Porque ninguém levantou, nem levanta a questão das offshores? Não se mata a galinha dos ovos de ouro do dito sistema, claro.

Sobre os preços da energia, Von der Leyen disse que um teto para o gás deve ser estabelecido nos níveis pré-crise. O pequeno problema é que o vendedor, a Rússia, não aceita vender ao preço que a senhora Van der Leyen quer estabelecer. É ela que dita o preço à cabeleireira que a penteia e esculpe o cabelo com laca? A Rússia, claro, não aceita ser tratada abaixo da cabeleireira da senhora Leyen!

Uma outra questão muito significativa do Estado da União — tão entusiasticamente defendido pela senhora equipada pela seleção dos recém-democratas ucranianos — foi colocada por uma deputada dos conservadores europeus — Raffaele Fitto, presidente do grupo parlamentar do grupo parlamentar da senhora Leyen e do PPD/PSD português — que pediu um teto para os preços do gás e a dissociação dos preços do gás dos preços da energia em geral e considerou que o Estado de Direito é importante, mas o debate de como comprar e vender gás e petróleo não pode ser “contaminado por questões ideológicas”. De facto, se a UE não hesita em comprar os preciosos combustíveis fosseis à Arábia Saudita, ao Qatar, à Nigéria… porque havia de misturar o Estado de Direito nestas trocas comerciais?

Enfim, na União Europeia, farol da cultura ocidental, o Estado de Direito — uma herança grega e romana, e também francesa — passou a ser uma questão ideológica que não pode atrapalhar negócios nem apoios a oligarcas mais ou menos corruptos. Adivinha-se o dia em que haverá na UE democracias que se regem pelas normas do Estado de Direito e outras pelas normas da conveniência. Digamos que o Estado de Direito passou à categoria de um acordeão, que estica e encolhe à vontade do músico.

A guerra da Ucrânia também veio revelar quão podres estão os pilares dos princípios da União Europeia. Que a senhora Van der Leyen tenha exposto esse apodrecimento, vestida de amarelo e azul, é significativo: passam a ser as cores da hipocrisia europeia, da ausência de princípios; e, recordo, a atitude da UE para com Julius Assange, ou os escravos do Qatar, ou os Curdos!

Aguardemos que, daqui a uns tempos, os que não acreditam nos sermões milagreiros da senhora Van der Leyen não tenham de andar vestidos de fato-macaco laranja, que tenham sobrado dos prisioneiros de Guantanamo. É que para esses, os não-seres às mãos de Washington, o Estado de Direito dos EUA já passou à condição de anátema ideológico!

Espanha: Não à guerra!

A decisão do Governo espanhol de enviar aviões e navios para reforçar o dispositivo da NATO contra a Rússia não só é absolutamente inaceitável como também é contrária aos interesses dos trabalhadores e dos povos de Espanha.

Com efeito, a Administração dos EUA pretende mergulhar os povos da Europa numa guerra. Exige que os governos, através da NATO, embarquem numa nova aventura belicista, com consequências imprevisíveis, fornecedora de carne para canhão. As instituições da União Europeia têm demonstrado a sua solidariedade para com esta Aliança militar.

Todos os dias, os principais órgãos de Comunicação social incitam o povo a mergulhar na guerra que Biden e outros governos estão a preparar.

O interesse dos trabalhadores e dos povos da Europa é estabelecer uma cooperação, fraterna e solidária, com todos os povos do continente europeu, a fim de avançar juntos na defesa e recuperação dos direitos sociais e democráticos conquistados.

É normal que os porta-vozes da Monarquia e do PP aplaudam a decisão belicista do governo do PSOE / Unidas Podemos. Este – depois de ter duplicado o Orçamento para a Defesa, em detrimento das despesas sociais – alinhou-se, precipitada e inquestionavelmente, atrás do imperialismo norte-americano.      

É por isso que consideramos necessário retomar as mobilizações contra a entrada do Estado Espanhol na NATO, na década de 1980, e contra a guerra no Iraque, em 2002-2003, mobilização que levou à retirada de todas as tropas espanholas daquele país em Março de 2004, e para o encerramento das bases militares dos EUA em território espanhol.     

Hoje, o prioritário a fazer é:

– Retirada dos navios, aviões e todas as tropas espanholas oferecidas para a guerra da NATO!

– Retirada das tropas da NATO e de outras forças mobilizadas à volta da Ucrânia!         

– Retirada do Orçamento armamentista espanhol para 2022!           

CATP, 21 de Janeiro de 2022

Comunicado do Comité para a Aliança dos Trabalhadores e do Povos (CATP), em que participam membros do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI), Secção espanhola da 4ª Internacional.

O Militante Socialista 156

Dada a  continuação da situação criada pela pandemia de Coronavírus e, também, da instauração do Estado de emergência que tornam muito mais difícil o contacto pessoal – e o correspondente acesso ao MS em papel – a Redacção desta publicação, que é da responsabilidade da Associação Política Operária de Unidade Socialista – POUS, decidiu colocar à disposição de todos a versão integral do MS (ver aqui MS_156), em vez de tornar público apenas o seu Editorial.