Espanha: PAREM COM O DESMANTELAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICA!

Em muitos municípios do Estado espanhol estão a ser encerrados Postos de atendimento continuado, consultas, Centros de saúde, e as marcações em cuidados primários têm, em geral, uma demora de 15 dias; as consultas médicas são, em regra, por via telefónica; os oncologistas afirmam que deixaram de ser diagnosticados 25% dos cancros precoces e, pelo menos desde Março, tem havido um excesso de mortalidade que não se justifica; os lares para idosos converteram-se em alojamentos de contágio e de morte. Os gestores hospitalares substituem a falta de pessoal por contratos precários que têm os dias contados; recorreu-se ao Exército para suprir a falta de rastreadores e de pessoal auxiliar, e para dirigir o “estado de alarme”; é imposta a mobilidade funcional e geográfica a médicos e enfermeiros, o pessoal sanitário está exausto e todos os direitos dos trabalhadores da Saúde são espezinhados, incluindo o direito de reunião e os direitos sindicais.

Tudo em nome do combate à pandemia por SARS-CoV-2. E, perante a indignação e a ira dos profissionais, o Governo central e os governos autónomos regionais pretendem compensá-los com um pagamento que não chega para todos, criando mais desorganização e mal-estar entre os trabalhadores do sector da Saúde. Melhor seria devolverem já os 8% do poder de compra perdido nestes últimos anos.

A população está a mobilizar-se em defesa da sua saúde

A população resiste, organiza-se em plataformas e colectivos para se opor a esta situação, com concentrações em frente aos Centros de saúde, em Bilbau ou em Sevilha, em Barcelona ou em Madrid, com manifestações como a do dia 29 de Novembro, no caso de Madrid, que também foi convocada pelos sindicatos (Ver sobre estes aspectos os últimos números das edições do periódico Información Obrera).

Recolheram-se cento e cinquenta mil assinaturas contra a assistência telefónica, como resultado da morte por cancro do cólon de uma mulher de 48 anos, numa aldeia em Burgos; durante meses, ela não conseguiu uma consulta presencial. A sua irmã denunciou assim o que aconteceu: “No papel, ela morreu devido ao cancro, mas eu sinto que o que a matou mais foi a desculpa do COVID (…); o COVID tornou-se na desculpa perfeita para as Administrações instalarem as consultas telefónicas no nosso sistema de Saúde pública. Na prática, isto significa que os cidadãos perderam um dos direitos fundamentais: o direito aos cuidados de saúde de qualidade e com dignidade (…). Exijo soluções AGORA, para que nenhuma outra família tenha de sentir que perdeu um ente querido por quem muito mais podia ser feito e não foi feito porque «eram tempos de COVID». Não, o COVID não justifica tudo”.

Soluções, já

É esta a questão, as soluções são necessárias já, elas são urgentes e a pandemia não pode justificar nenhum ataque, nenhum atropelo. Aos cortes na Saúde pública destes doze últimos anos (estamos a falar em cerca de 30 mil milhões de euros, desde 2008 até agora), é agora acrescentada uma ofensiva para desmantelar a Saúde pública, uma ofensiva que se centrou em primeiro lugar nos cuidados primários de saúde, os quais são sobrecarregados de tarefas e a que se retiram meios, afectando todo o Sistema, o qual constitui uma conquista histórica: o direito aos cuidados de saúde, como serviço público gratuito e de qualidade.

A Junta  da Andaluzia escuda-se na pandemia para encerrar consultas de pediatria em bairros operários e serviços de urgência em algumas localidades, e envia centenas de pacientes para clínicas privadas, cujos trabalhadores denunciam a saturação, enquanto que em Madrid acaba de ser inaugurado o hospital Isabel Zendal – hospital monográfico para o COVID-19 – com um custo de 100 milhões de euros e que se pretende dotar de pessoal mobilizando profissionais de outros Centros sanitários. Todos os colectivos profissionais e sindicais dos cuidados de saúde têm resistido a esta situação, aos quais o Governo regional responde com propaganda falsa e outros meios que vão desde a pressão à coacção. A verdade é que é se trata de uma ofensiva geral de desmantelamento e privatização que, de acordo com o Governo central, toda a gente deveria aceitar em nome do “interesse comum” da luta contra o coronavírus; trata-se do conhecido recurso ao inimigo externo, e da política de “união sagrada”, de “unidade nacional” para o combater. Como dizem as Notas editoriais de “A Verdade” (a revista teórica da 4ª Internacional), no seu nº 106 de Setembro de 2002, “eles precisavam de uma ocasião…”, e encontraram-na com a pandemia do COVID.

O sistema capitalista contra o direito à saúde

Alguns perguntarão como é possível que um Governo que se autodenomina progressista encabece este ataque à Saúde pública, em colaboração com os governos autónomos regionais, dirigidos por partidos de todas as cores políticas. A menos que se entenda que esta é uma das actuações impostas a todos os governos que não têm mais nenhuma perspectiva política do que servir um Sistema, o imperialista, imerso numa crise de decomposição e que só pode sobreviver destruindo tudo o que a humanidade e a luta da classe operária conquistou.

O FMI aborda esta situação no seu Relatório da Missão da Consulta do Artigo IV para Espanha, de 30 de Setembro de 2020. Extraímos algumas frases para mostrar o conteúdo dessa Declaração Final da Missão de Consulta do FMI: “O impacto da pandemia do COVID-19 foi particularmente grave em Espanha. (…)

A curto prazo, uma nova retoma da actividade dependerá, em grande medida, de contenção da crise sanitária. (…)

Uma falha no controlo de novos surtos, um progresso mais lento do que o esperado em matéria de vacinas e de tratamentos (…) poderiam travar ainda mais as perspectivas futuras.

As medidas fiscais têm que continuar centradas na superação da crise sanitária e económica imediata e conter o risco de que a recessão se transforme em stress para o sector financeiro, com custos reais e sociais ainda mais elevados.”

O que, para o FMI, significa continuar a manter as dádivas aos empresários (“apoio aos balanços – das empresas”) com “investimento público” nos ERTE (1), garantias públicas e “resgate” de empresas.

“A este respeito, a disponibilidade dos Fundos da UE oferece uma oportunidade para facilitar a introdução de reformas (…), melhorar a concorrência e promover as parcerias público-privadas.”

Há que assinalar que as medidas tomadas pelo governo Sánchez-Iglesias coincidem totalmente com as propostas pelo FMI, que as avalisa.

A pandemia serve para acentuar a ofensiva contra os direitos e as conquistas.

Este Relatório – que se pronuncia abertamente pela “introdução de reformas laborais”, por “um pacote sustentável de reformas de pensões que equilibre a sustentabilidade das pensões com a aceitabilidade social” e por “um renovado compromisso político com as reformas estruturais (…) para facilitar a redução da dívida” – diz ainda que é preciso monitorizar os surtos, as vacinas feitas, os novos tratamentos encontrados e superar a crise sanitária… mas tem apenas uma receita para isso: “fomentar parcerias público-privadas”; isto é, financiar as multinacionais farmacêuticas e a Saúde privada à custa do desmantelamento da Saúde pública. Por mais que se leia e releia a “Declaração final” não encontraremos mais nada.

Este discurso é retomado pela Associação Patronal em Espanha, mas com um conteúdo muito mais concreto: Pedro Nieto, presidente do Grupo de Trabalho da Saúde do Círculo de Empresários, expõe – em entrevista à revista Redacção Médica, publicada a 8 de Outubro – o conteúdo do seu Relatório La Sanidad (A Saúde), um sector ainda mais estratégico por causa da pandemia.

Nele apela ao “reforço do compromisso com o sector da Saúde, devido ao grande valor que a Saúde pode trazer para a economia”.

Refere, ainda, que “o impacto do Covid-19 expôs uma série de problemas estruturais que levaram a uma resposta tardia e insegura à pandemia”, referindo-se, obviamente, à falta de colaboração com a Saúde privada para fazer face à pandemia.

Assinala, também, que “a baixa integração dos sistemas de cuidados adaptados aos idosos e o subfinanciamento crónico da Saúde não permitiu investir recursos para fins estratégicos. (…) Se houver dinheiro para investir, seria um grande sector para ele. O financiamento deve ir para quatro blocos: digitalização, inovação, colaboração público-privada e desafio demográfico. (…) Temos de investir em tecnologia e lançá-la, para isso há empresas muito boas que nos podem dar essa cobertura (…) mas temos de investir mais (…) incentivar a colaboração público-privada (…) tem de haver cooperação e complementaridade do Estado com o sector privado (…). O Estado por si só não pode fazer tudo (…); é preciso ser inovador na assistência aos idosos. (…) Agora, que vai haver um Fundo de dinheiro da União Europeia (UE), deve ter-se a visão de colocar o foco neste sector, que pode ter um desempenho e um futuro muito bons”.

Refira-se que se trata de toda uma série de declarações gratuitas, para concluir afirmando que é o Estado que deve complementar o sector privado (desviando os Fundos públicos – que financiam actualmente a Saúde pública – para a Saúde privada), e não o contrário, como tem sido afirmado até agora para justificar a privatização de sectores da assistência sanitária.

O Governo adapta-se a estes pedidos

Esta é a linha estratégica seguida pelo Governo. No dia 7 de Outubro, o jornal El País divulgou, no seu site, um evento organizado pela Farmacêutica Roche, em que participaram Salvador Illa (Ministro da Saúde, do Consumo e do Bem-estar Social), Fernández Vara (Presidente do Governo Regional da Estremadura) e Carme Artigas (Subsecretário de Estado para a Digitalização e Inteligência Artificial), entre outros. O Ministro da Saúde manifestou-se a favor da colaboração público-privada com o argumento do “reforço da Saúde”. Tanto o presidente da Estremadura, como o representante da Roche e o Subsecretário de Estado expressaram a “necessidade de redefinir a Saúde”, manifestando as “sinergias” que “a cooperação público-privada pode trazer, bem como o trabalho em conjunto e a partilha dos recursos entre os dois sectores”; também foi afirmado que “a Saúde pública tem défices porque não foi suficientemente investido nela”. Há pessoas para quem o cinismo não tem limites.

Não pretendemos tentar esgotar aqui todas as questões relacionadas com a privatização dos cuidados de saúde, como a digitalização, a produção de novas vacinas, novos fármacos e novos tratamentos.

A questão urgente agora é defender a Saúde pública, os direitos dos trabalhadores da Saúde pública que garantem assistência de qualidade, devolver à Saúde os 30 mil milhões de euros desviados para o sector privado ou para o “resgate” (recuperação) do capital financeiro, expropriando a Banca e as multinacionais farmacêuticas.

O que é realmente necessário é organizarmo-nos para este fim, pelo que apelamos à subscrição do Manifesto (2) para salvar a Saúde pública e os direitos dos trabalhadores da Saúde pública, para recolher assinaturas, para realizar reuniões de signatários para decidir como agir para defender as reivindicações, para formar comissões de acção.

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(1) ERTE significa Expediente de Regulação Temporária de Emprego, sendo o equivalente do “lay-off” simplificado de Portugal, que dá direito a um subsídio por paragem de actividade.

(2) O link para acesso ao Manifesto é https://bit.ly/3ovlK6v

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Documento publicado na Carta semanal do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção espanhola da 4ª Internacional), nº 812, de 7 de Dezembro de 2020.

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