Divulgamos uma crónica de Jérôme Legavre, fazendo o ponto da situação do processo da greve em França, publicada no semanário Informations Ouvrières – Informações operárias – nº 585, de 27 de Dezembro de 2019, do Partido Operário Independente, de França, com o subtítulo: “De um lado uma «clique» ao serviço do capital, e do outro lado a imensa maioria”.
Não se trata de um juízo de valor: os editorialistas e os comentadores autorizados reflectem a perspectiva dos grandes grupos capitalistas que são donos da imprensa. Então, é um eufemismo dizer que eles são geralmente pouco críticos em relação ao Poder. No entanto, nos últimos dias – sob o efeito da intensa luta de classes que se tem desenvolvido desde 5 de Dezembro – o tom mudou significativamente. O jornal Le Monde, publicado a 26 de Dezembro, escreveu: “Que desperdício. O Executivo já perdeu uma batalha … Ele transformou em chumbo o ouro da campanha presidencial de 2017.” Vamos deixar ao colunista do Monde a desilusão das suas esperanças. Mas o comentário diz muito sobre a ansiedade perante a magnitude da crise no topo do Poder.
Em Maio de 2017, Macron foi eleito. Numa eleição que assistiu ao colapso de todos os partidos, tanto de esquerda como de direita, que se sucederam no poder durante décadas. Todos varridos pela imensa rejeição das suas políticas, invariavelmente ao serviço do capital.
O HOMEM DO “NOVO MUNDO”
Macron orgulha-se de ser o homem do “novo mundo”. As velhas clivagens estão “ultrapassadas”. Então, é tempo para o “novo mundo”, para a renovação do modelo social (é assim que Macron resume o seu programa para acabar com todas as conquistas sociais arrancadas em 1945, com a própria noção de direitos colectivos).
Explorando a vantagem, ele avança com o “sabre desembaínhado” na implementação deste programa, corta no Código do Trabalho e no estatuto dos trabalhadores ferroviários,…
Novembro de 2018, um ano e meio depois da sua chegada ao poder, é a irrupção dos Coletes amarelos. O Poder, assustado com esta revolta dos mais explorados – que escapa ao controlo dos líderes sindicais – desencadeia uma repressão brutal, decreta uma salva de medidas liberticidas.
Enquanto em cada manifestação, todas as semanas, jovens, trabalhadores, reformados,… são impiedosamente “espancados”, Macron decreta o “Acto II” do seu quinquénio. Uma palavra-chave: “diálogo social”, “concertações”. Os sindicatos são responsáveis por se encaixar neste molde e tornarem-se parceiros da reforma. O projecto de pensões de aposentação universais por pontos, avançado por Macron, é a prioridade. As concertações serão para durar dezoito meses. A tarefa é confiada a Jean-Paul Delevoye, ex-ministro do governo de Chirac-Raffarin, especialista em “concertações” concebidas para associar os sindicatos. O homem tem grande influência. Ele conhece muito bem as Direcções das confederações sindicais que, aliás, dizem frequentemente a que ponto o apreciam.
NADA ACONTECEU COMO O GOVERNO TINHA PREVISTO
A 5 de Dezembro, um ano após o início do movimento dos Coletes amarelos, começou a greve contra o projecto de reforma das aposentações. A greve foi desencadeada pela base sindical, apoiada no apelo dos sindicatos da RATP (Rede Autónoma dos Transportes Públicos) para uma greve ilimitada, a partir de 5 de Dezembro. No dia 5, milhões de trabalhadores, de todos os sectores, puseram-se em greve. Nos dias seguintes, na RATP, SNCF (Sociedade Nacional dos Caminhos-de-Ferro), na Educação, e também na Petroquímica e no sector da Energia, a greve é reconduzida através de assembleias-gerais. Por todo a parte é colocada a questão da greve e da sua generalização até à retirada do Projecto do Governo. Pelo seu lado, os líderes das Confederações opõem à greve geral “Tempos fortes”. O próximo terá lugar a 9 de Janeiro, ou seja… depois de terminarem as férias do Natal.
Mas isso não é suficiente. Então Macron e Edouard Philippe (o Primeiro-ministro) fizeram um apelo à trégua de Natal. Foi desencadeada uma campanha de propaganda sem precedentes contra os grevistas. Para o Sistema é necessário parar a greve, de qualquer maneira.
A 19 de Dezembro, um dia antes das férias escolares, o Governo consegue que o Secretário-Geral da UNSA (União Nacional dos Sindicatos Autónomos) anuncie, na varanda de Matignon (Palácio em que está a Sede do Governo), a decisão do Secretariado federal da UNSA-Ferroviários de “suspender” a greve.
Mas, no dia seguinte, em duas de cada três regiões ferroviárias, os sindicatos ferroviários da UNSA rejeitaram a decisão das instâncias confederais e anunciaram, nas assembleias-gerais de trabalhadores, que continuam a greve. Na RATP, na SNCF e também na Indústria química, centenas de assembleias-gerais dizem: “Somos nós que decidimos”.