Brasil: Nada cairá do céu sem mobilização!

Dada a nova situação no Brasil, após a eleição de Lula, e depois da polémica que gerou a recusa de convidar o Presidente do Brasil a discursar na sessão solene parlamentar de comemoração do 25 de Abril (com receio de que Lula pusesse em causa o envio de armas do Governo português para Zelensky?), considerámos importante publicar o Editorial do nº 913 do jornal da Corrente “O Trabalho” (Secção brasileira da 4ª Internacional) do PT.

O próximo dia 8 de Março – dia internacional de luta da mulher trabalhadora – terá lugar num mundo marcado pela guerra na Ucrânia, que acaba de completar um ano e contra a qual as mulheres estiveram na linha de frente de mobilizações ocorridas na Europa.

No Brasil, nas ruas em 8 de Março, as palavras de ordem de legalização e direito ao aborto seguro, de salário igual para trabalho igual, creches públicas e outras, serão acompanhadas, certamente, pelo grito “Não à amnistia” que ecoou desde a posse de Lula e ganhou ainda maior importância após a tentativa golpista de 8 de Janeiro.

Afinal, dois meses passados, ainda que haja centenas de presos, os organizadores graúdos do assalto às sedes dos três poderes ainda não foram punidos, muitos nem sequer indiciados. Os golpistas continuam aí.

Enquanto Bolsonaro, a partir os Estados Unidos da América, acena aos seus partidários presos ou soltos, gravações áudio feitas pelo general Tomás Paiva, actual comandante do Exército, deixam claro o pensamento dos militares de alta patente sobre os “indesejáveis” Lula e PT, bem como o desejo de continuarem a exercer a sua tutela sobre a República (1) com consequências nefastas para o povo, como o genocídio dos Yanomami (2) e a tragédia do litoral paulista (3).

Soma-se a isto a reacção do presidente bolsonarista do Banco Central à sugestão de Lula de baixar os juros (4). Tudo a demonstrar que a punição dos golpistas, inclusive de chefes militares, como preconiza a Resolução aprovada pelo Directório Nacional do PT (pág. 4), a desbolsonarização do Estado e a revogação das medidas antipopulares adoptadas desde o golpe contra Dilma – como a Reforma Laboral, da Previdência (Segurança Social) e do Ensino secundário – não são “revanchismo” (como acusa os grandes órgãos da Comunicação Social) – mas uma necessidade para avançar na satisfação das demandas do povo trabalhador e para a reconstrução de um país soberano.

Avançar nesta via, no entanto, não pode depender da confiança nas actuais instituições carcomidas, na fábula de generais democratas, em juízes togados e muito menos na ampla – e frágil – coligação (governamental). Avançar nesta via só será possível através da mobilização popular.

O Governo anunciou o aumento do salário-mínimo para R$1320 (5). Não é o ideal, nem sequer o que reivindicavam as Centrais sindicais (R$1380), mas é um aumento real e um ponto de apoio para as campanhas em curso por aumentos salariais.

Lula também anunciou a ampliação da isenção do Imposto sobre o Rendimento para quem ganha até R$2640. Não é ainda para quem ganha até R$5000, como foi dito na campanha eleitoral, mas a medida beneficiará mais de 13,7 milhões de trabalhadores com contrato de trabalho assinado.

Renacionalizar a Eletrobras

O Governo ainda adoptou outras medidas, como o reajustamento do Salário-base dos professores em 15%, que deve ser exigido aos Prefeitos e Governadores dos Estados federais, o reajustamento das bolsas de pós-graduação em 40% e está em negociação com os funcionários federais propondo um reajustamento acima da inflação (embora abaixo das perdas de poder de compra acumuladas).

São medidas promissoras, que devem ser reforçadas e ampliadas através da mobilização popular. É assim com a luta pela reversão da privatização do Metro de Belo Horizonte, pedida a Lula pelos seus trabalhadores que estão em greve há vários dias, e principalmente, a luta para renacionalização da Eletrobras, que é objecto de uma campanha nacional dos seus trabalhadores e que respeita à soberania nacional, com manifestação em Brasília no próximo dia 15 de Março.

Nada cairá do céu sem a luta dos trabalhadores e dos sectores populares pelas suas reivindicações. Ajudar a essa mobilização é a pauta das reuniões de base do Diálogo e Acção Petista (6) que se realizam em todo o país neste mês de Março. Juntem-se a nós!

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(1) Tutela garantida pelo artigo 142 da actual Constituição brasileira.

(2) Os índios Yanomamis são perseguidos e expulsos das suas terras pelos garimpeiros ilegais cujos delitos foram facilitados pela inacção de Bolsonaro em protegê-los.

(3) Referência às inundações mortíferas em São Sebastião, cidade costeira do Estado de São Paulo, a 21 de Fevereiro.

(4) As taxas de juro no Brasil (8 %) são as mais altas do mundo e fazem aumentar muito a sua dívida pública, enriquecendo os banqueiros e especuladores.

(5) Um real brasileiro vale actualmente 0,18 euros. O salário mínimo representa, portanto, 238,78 euros. O montante reclamado pelas Centrais era de 249,61 euros.

(6) O “Diálogo e Acção Petista” (DAP) é um movimento de base do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil, que combate para que o PT retome o caminho das suas origens. Os militantes da Corrente “O Trabalho” do PT participam no DAP.

Mianmar (antiga Birmânia): Resistência organiza-se contra o golpe de Estado militar de 1 de Fevereiro

No passado dia 8 de Novembro, a Liga Nacional para a Democracia (LND) – o partido de Aung San Suu Kyi – ganhou as eleições legislativas com 258 lugares (de um total de 330 em disputa) na Assembleia Nacional, a comparar com os 255 obtidos nas eleições anteriores (realizadas em 2015). O Partido da União, da Solidariedade e do Desenvolvimento (PUSD), ligado à casta dos generais, recebeu apenas 26 (tinha 30 anteriormente), aos quais há que somar os 110 lugares atribuídos automaticamente aos militares, em conformidade com a Constituição birmanesa.

O Tatmadaw (Alto-Comando do Exército) declarou, de imediato, que tinha havido fraude eleitoral.

A Prémio Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi, tinha-se tornado presidente do Conselho de Estado (o equivalente a primeiro-ministro), em 2016, após ter estado quinze anos em prisão domiciliária. Mas, durante a sua Presidência, tinha sido criticada, a nível internacional, pela sua passividade durante a purificação levada a cabo pelo Exército contra a minoria étnica Rohingya.

No entanto, de acordo com o jornal Le Monde (de 2/2/2021): “O Exército nunca deixou, desde a independência em 1948, de ser um Estado dentro do Estado, mesmo durante os raros anos em que ela não este directamente a tomar conta dele: entre 1962 e 2011, a Birmânia terá ficado sem interrupção sob o jugo dos generais, num período onde existiram insurreições populares brutalmente reprimidas, um terceiro golpe de Estado e uma purga interna.”

Isto explica a elevada participação eleitoral assinalada pelo New York Times (de 8 de Novembro de 2020).

A população de Mianmar votou contra o regresso à ditadura militar. A 1 de Fevereiro, “os comandantes do Exército organizaram um golpe de Estado militar, durante o qual os principais líderes do país foram presos, incluindo o Presidente Myint e a líder da Liga Nacional para a Democracia, a chanceler Aung San Suu Kyi.

Esta foi detida na capital, Naypyidaw, tal como o Presidente da República, assim como outros membros do Governo.

A 3 de Fevereiro, o Exército birmanês ordenou às empresas de telecomunicações que bloqueassem a rede social Facebook, até 7 de Fevereiro, porque segundo ele, essa rede está a contribuir para a desestabilização do país” (agência AA/Kuala Lumpur, 4 de Fevereiro).

E o Myanmar Times (de 4 de Fevereiro) afirma que as organizações birmanesas estão comprometidas com a resistência e condenou a transferência forçada do poder desencadeada pelos Tatmadaw (militares). A Confederação de Sindicatos de Mianmar (CTUM), a Federação de Sindicatos do Artesanato e Serviços de Mianmar (Mics) e a Associação de Guias Turísticos de Mianmar expressaram a sua raiva e insatisfação com a situação política actual do país…

O CTUM e a Mics anunciaram que se tinham demitido da Comissão tripartida governo-empregadores-grupos de trabalhadores.

E Daw Phyo Sandar Soe, Secretário-Geral da CTUM, declarou: “Nós reconhecemos os resultados eleitorais (de Novembro). O actual Governo não foi eleito de acordo com a vontade do povo. Não iremos trabalhar com o Governo indigitado pelo Exército.”

Nota de Albert Tarp publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 641, de 11 de Fevereiro de 2021, do Partido Operário Independente de França.

Federação russa: “A Revolução falhada de Fevereiro de 2021”

As concentrações e manifestações que têm tido lugar em toda a Federação Russa são as maiores das últimas décadas.

O principal chefe de orquestra dos eventos é um político liberal, o Sr. Navalny. Alexey Anatolyevich. Trata-se de um ex-militar, de 44 anos de idade, da família dos proprietários da Kobyakovskaya Vine Weaving Factory – LLC (Fábrica de produção de Vinhos), na região de Moscovo, e um accionista maioritário da holding aeronáutica Aeroflot (a maior companhia aérea russa). É também o líder do partido “Rússia do futuro” (social-liberal e pró-União Europeia), que o Governo russo se tem recusado a legalizar desde há vários anos.

Em Janeiro passado, no seu regresso da Alemanha, onde Alexey estava a recuperar de um envenenamento, utilizou um voo de uma filial da sua empresa, a Pobeda, e foi preso quando passou pelo controlo de passaportes. Depois disso, a sua equipa publicou um filme sobre o “Palácio de inverno de Putin”, perto de Gelendzhik, palácio construído, como diz o filme, “ilegalmente e com dinheiro proveniente da corrupção”.

Seguiram-se três vagas de manifestações, através da Rússia: 23 de Janeiro, 31 de Janeiro e 2 de Fevereiro.

Por uma questão de princípio, na Rússia, as manifestações e as marchas são de facto proibidas. É necessário comunicar a manifestação ou reunião, indicando os seus objectivos: depois, as autoridades podem validá-las ou não. Os participantes são sistematicamente fotografados por agentes da Polícia que arquivam esses registos e constituem “dossiers”. Esta base de dados é utilizada para efectuar detenções preventivas, que é o que a Polícia faz.

A repressão começou a 23 de Janeiro, depois de terem sido realizadas grandes manifestações em todo o país. A Polícia utilizou os seus “registos” para convocar para interrogatório todas as pessoas que tinham sido vistas em ajuntamentos de protesto nos anos antes, acusando-os de participarem nestes.

A Imprensa também tem estado sob pressão: funcionários dos gabinetes editoriais foram presos, tendo mesmo havido casos de espancamentos. Outros jornalistas ou simples cidadãos foram presos por mencionar o local e o momento do início das concentrações sobre as suas páginas pessoais em redes sociais.

Mas uma nova geração está a surgir, a abandonada pelo Estado, a dos jovens diplomados do Ensino superior que se encontram a trabalhar nomeadamente em caixas do McDonald’s. Eles participaram em grande número nas concentrações e desfiles. Eles expressaram – e isso é inédito – que “algo está errado no Sistema”, dando um outro conteúdo às mobilizações.

Após o anúncio do veredicto da prisão de Navalny, a 2 de Fevereiro, novas manifestações tiveram lugar. Todos esperavam que as manifestações continuassem, mas alguns dias mais tarde, o quartel-geral de Navalny – representada pelo Sr. Volkov – anunciou que os desfiles foram “adiados para a Primavera ou o Verão”. Revolução falhada.

Nota de A. Masurine publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 641, de 11 de Fevereiro de 2020, do Partido Operário Independente de França.