A luta dos professores

Numa altura em que a luta dos professores está ao rubro em defesa das suas reivindicações, Carmelinda Pereira – militante socialista de longa data, fundadora e dirigente da secção portuguesa da 4ª Internacional (Política Operária de Unidade Socialista – POUS) – foi “amalgamada” com André Pestana, dirigente do sindicato STOP (de que é fundador) e também dirigente do partido político MAS, num artigo do jornal i de 21 de Fevereiro.

Divulgamos o “esclarecimento” que Carmelinda Pereira enviou à direcção desse jornal, a 24 de Fevereiro, ao qual – a nosso conhecimento – o jornal ainda não deu qualquer divulgação.

Esclarecimento

Num artigo sobre a liderança da luta dos professores e o protagonismo do dirigente do STOP (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação), André Pestana, publicado no vosso jornal, no passado dia 21 de fevereiro, com a assinatura jornalista Joana Mourão Carvalho, é comparado o meu percurso – de militante socialista de longa data, fundadora e dirigente da secção portuguesa da 4ª Internacional (Política Operária de Unidade Socialista – POUS) – com o percurso político de André Pestana, como dirigente do STOP (de que é fundador) e dirigente do MAS.

Não ponho em dúvida o profissionalismo da senhora jornalista ao elaborar este texto, apoiando-se em citações de comentadores televisivos que procuram formatar a opinião de milhões telespectadores, como é o caso de Luís Marques Mendes e de José Miguel Júdice. Estes falarão certamente como consideram ser mais adequado aos seus objectivos, não hesitando em fazer comparações abusivas, ou mesmo falsas.

Não é pretensão da minha parte concorrer com tais comentadores, movidos pelo objectivo de alimentar a linha de pensamento dominante, antagónica à orientação política de militantes que jamais abandonaram a luta pela defesa das conquistas sociais e do caminho aberto pela Revolução do 25 de Abril.

No entanto, a consideração que tenho pelos milhares de leitores – e, em particular, de professores – que procuram uma saída positiva para a grave situação em que todos nos encontramos, leva-me a dirigir à direcção do vosso jornal um esclarecimento sobre algumas das afirmações abusivas em relação ao meu percurso como militante pelo Socialismo. Sobre o conjunto do artigo, onde são explicados alguns passos da luta dos professores, não me cabe polemizar nem considero que tal assunto seja neste momento relevante.

Assim, em defesa da minha identidade política, gostaria de poder esclarecer os leitores do jornal i que sou uma professora aposentada da vida activa, mas nunca aposentada do combate. Combate levado a cabo por milhares de professores e de educadores para exigir o fim da precariedade; o respeito pela graduação profissional e pelo tempo de serviço, na lista graduada a nível nacional, como únicas condições na sua colocação em qualquer escola; a contagem integral do tempo de serviço; o fim das quotas e das vagas para a progressão na carreira; condições específicas para a aposentação; bem como, o direito a uma colocação tendo em conta as limitações de milhares de colegas com doenças incapacitantes.

São estas as reivindicações que unem todos os docentes, cuja satisfação exige a unidade de todos os sindicatos, da base ao topo, sem guerrilhas nem competições, inimigas da frente única de todas as organizações, já conseguida em alguns momentos, e que, na minha opinião, coloca na ordem do dia o apoio directo das duas Centrais sindicais. Trata-se da defesa de uma Escola Pública de qualidade e democrática, para todas as crianças e os jovens do nosso país.

Luto por estes objectivos, como membro do maior sindicato da FENPROF – o SPGL, uma organização que nunca desligou o combate pelas reivindicações dos docentes da defesa do restabelecimento da gestão democrática nas escolas, nem da luta pela paz.

Lembro que, no recente Congresso do SPGL (de 9 e 10 de Fevereiro), foi aprovada – por larga maioria – uma moção defendendo a paz imediata, o fim das despesas em armamento e a canalização da riqueza produzida no país para assegurar as conquistas da civilização (de que faz parte a Escola Pública).

Nunca – como militante sindical, nem como militante do Partido Operário de Unidade Socialista (1) – defendi os métodos de guerrilha entre sindicatos e, muito menos, o apelo à construção de sindicatos alternativos como saída para a luta da classe trabalhadora.

Bem pelo contrário, ao mesmo tempo que aposto na defesa da independência das organizações sindicais – face ao Estado, ao Patronato, aos partidos políticos ou a qualquer confissão religiosa – intervenho, no seio da minha organização sindical, pela construção da frente única de todas as outras organizações sindicais, no quadro da democracia.

Uma frente única que – na situação política e social em que nos encontramos – coloca como questão premente a mobilização do conjunto das classes trabalhadoras, pelo aumento dos salários, pela defesa de todos os serviços públicos, onde a luta dos professores é hoje a ponta avançada.

Uma luta contra a “guerra social” que, para muitos militantes – incluindo os da POUS – é a outra face da luta contra a guerra a que o Governo português e toda a Direita se submetem, guerra imposta, por um lado, pela NATO e pelo imperialismo dos EUA, e, por outro, pelos oligarcas da Rússia. Um ano após o início da guerra militar, esta luta exprime-se de forma especial em todos os países europeus.

Neste sentido, considero um abuso comentadores políticos misturarem o meu percurso com o de André Pestana e do seu partido.

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(1) Antecessor da associação Política Operária de Unidade Socialista.

Carmelinda Pereira

24 de Fevereiro de 2023

Reino Unido: O movimento de greves está a crescer

Manifestação de professores das escolas em frente de Holyrood, o Parlamento escocês, em Edimburgo.

O movimento grevista está a ganhar força e confiança, enquanto o Governo aparece cada vez mais isolado e desacreditado, depois de doze anos de austeridade, mergulhando numa assustadora miséria muitos sectores da sociedade.

Na Educação: “Os estudantes apoiam a greve dos professores”

Na semana passada, ao apelo do sindicato UCU (University and College Union), mais de 70.000 funcionários de 150 universidades, em todo o Reino Unido, entraram em greve a 24 e 25 de Novembro – e vão fazer greve de novo a 30 de Novembro – exigindo um aumento salarial em função da inflação (que foi de 11,1%, em Outubro, numa base anual), melhores condições de trabalho e melhores pensões.

Estas greves são as maiores da história do Ensino superior no Reino Unido. O sindicato UCU está a ter a maior participação de sempre em piquetes de greve. No início de Novembro, foi alcançado um acordo salarial na Universidade de Hopwood, perto de Manchester. Como todas as universidades no Reino Unido são privadas, as negociações estão a decorrer em cada universidade.

A vice-presidente da Sindicato Nacional do Ensino Superior, Chloe Field, declarou: “Os estudantes estão solidários com o pessoal universitário em greve. Nós sempre fomos claros ao dizer que as condições do pessoal determinam as condições de aprendizagem dos estudantes. Mas, há mais de uma década, o pessoal e os estudantes têm estado sob ataque do sector privado que coloca os lucros acima da educação.”

Dos trabalhadores dos correios do Grupo Royal Mail

Cento e quinze mil dos empregados deste Grupo dos Correios, ao apelo do sindicato CWU (Communication Workers Union), estiveram em greve a 24 e 25 de Novembro por aumentos salariais de acordo com a inflação, e voltarão a estar a 30 de Novembro e durante sete dias em Dezembro. Há relatos de que a Amazon tem estado a ter cada vez mais dificuldades na expedição, especialmente durante a chamada Sexta-feira Negra (Black Friday), pelo que a data da greve foi bem escolhida pelos empregados.

No Serviço Nacional de Saúde

O sindicato Royal College of Nursing (465.000 membros) anunciou jornadas de greve para os dias 15 e 20 de Dezembro. O sindicato está a exigir um aumento salarial de 15%, enquanto se estima que os trabalhadores tenham perdido 20% do seu poder de compra desde que os Conservadores chegaram ao poder em 2010.

Na Escócia, o sindicato Unison está a aconselhar os seus membros nesse país a aceitarem o aumento de 11% proposto pelo Governo local como sendo “a melhor oferta possível”. Assim, um aumento substancial – que não era possível para o Governo local, há apenas alguns dias – de repente tornou-se possível. Os professores das escolas primárias escocesas irão apreciar esta cedência do Governo.

Greves anunciadas na Função Pública

O sindicato dos Serviços Públicos e Comerciais (PCS), cujos 100.000 membros votaram a favor da greve, anunciou movimentos de greve na Função Pública para o mês de Dezembro. O Secretário-geral do sindicato, Mark Serwotka, disse: “Dezenas de milhares dos nossos membros estão com salários de miséria, já não é apenas uma questão de apertar o cinto, é uma escolha entre aquecer-se e comer, e isso simplesmente não é aceitável para os próprios funcionários estatais.”

As leis anti-sindicais aprovadas no tempo de Thatcher – e mantidas, em seguida, por todos os governos, incluindo o governo de Tony Blair, do Partido Trabalhista – fragmentaram e entravaram a classe trabalhadora britânica, que apesar disso quer lutar (1). E apesar deste e de outros obstáculos – Starmer, o líder do Partido Trabalhista, e os seus agentes nos sindicatos, são um dos principais – os trabalhadores britânicos estão a fazer progressos, a reconstruir as suas forças e a tentar recuperar o controlo sobre os seus sindicatos.

Na Escócia

Ao mesmo tempo, na Escócia, todas as escolas foram encerradas devido à greve dos professores. Andrea Bradley, Secretário-geral do sindicato do EIS (Instituto de Educação da Escócia) rejeitou a última proposta do governo local de Nicola Sturgeon, a quale atribuía ao pessoal no fundo da escala um aumento de 6,85%, com o resto do pessoal a obter apenas 5% de aumento (2). “Esta é uma reedição requentada da proposta que os nossos membros já rejeitaram”, disse Andrea Bradley.

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(1) Por exemplo, para uma única empresa com vários locais, a votação para decidir sobre uma greve deve ser realizada em cada local, independentemente dos outros locais, e por correspondência.

(2) Na Escócia, os professores da Escola primária são pagos pelos Conselhos territoriais (existem 32), mas não têm estatuto de funcionários públicos.

Crónica da autoria de J.-P. Martin, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 734, de 30 de Novembro de 2022, do Partido Operário Independente de França.

Reino Unido: O Verão do descontentamento (1)

Piquete de greve à porta de uma estação dos Correios, em Londres. Nos cartazes pode ler-se: “Os trabalhadores essenciais merecem um aumento”. “Os Correios podem pagar um aumento a estes trabalhadores essenciais”.

Desde finais de Junho, o Reino Unido tem sido abalado por greves nos transportes, nos aeroportos, nos correios e telecomunicações – contra os aumentos de preços – e estas greves estão a alastrar, dia após dia, a outros sectores. Em cada ocasião, uma maioria ou praticamente todos os trabalhadores votam a favor de uma acção de greve.

Face ao aumento dos preços (o Banco de Inglaterra prevê um aumento de 13% em Outubro), os trabalhadores mobilizaram-se massivamente e a sua militância saiu reforçada, greve após greve. É de notar que estas greves são geralmente bem recebidas pela população.

Nos caminhos-de-ferro, no Metro de Londres e nos autocarros, os sindicatos RMT (2), TSSA (3) e Unite (4) convocaram, de novo, uma greve de três dias no passado dia 18 de Agosto. O secretário-geral do RMT, Michael Lynch, afirmou: “Os membros do sindicato estão mais determinados do que nunca em proteger as suas pensões de aposentação, obter aumentos salariais decentes, garantir o emprego e boas condições de trabalho.” Pelo seu lado, o secretário-geral da TSSA, Manuel Cortes, afirmou: “Os nossos membros nos transportes ferroviários estão a entrar no terceiro ou quarto ano de congelamento salarial. Durante esse tempo, as facturas dos alimentos e o combustível têm subido em flecha; a subida do custo de vida – provocada pelos Conservadores – tem empobrecido os trabalhadores.”

Os 115 mil funcionários da Royal Mail (os Correios) votaram esmagadoramente a favor de outra greve de quatro dias, no final de Agosto e início de Setembro. Terry Pullinger do sindicato CWU (5) disse: “As tentativas do Royal Mail Group de minar as nossas condições de trabalho terão uma oposição frontal.”

O Sindicato do Pessoal de Enfermagem (Royal College of Nursing) – que representa os 465 mil enfermeiros, parteiras e assistentes de saúde registados no Reino Unido – considera um insulto a proposta de Boris Johnson de um aumento salarial de 4,75%. O Sindicato está a organizar um referendo, em Setembro, para lançar uma greve. O seu Secretário-Geral, Pat Cullen, disse: “Uma vida ao serviço de todos nunca deve significar uma vida de pobreza.” Apela os seus membros a votar para uma greve, por um aumento salarial de 15%. A British Medical Association expressou a sua total solidariedade com o pessoal de enfermagem, e os médicos em formação que são membros desta Associação estão a preparar um referendo para aprovar uma acção de greve.

Manifestação dos enfermeiros: “Exigimos um aumento de 15%.”

De facto, existem múltiplos apelos à greve no país. Por exemplo, 79% dos jornalistas do Daily Mirror (6), que rejeitam o aumento salarial proposto de 3%, votaram a favor de uma greve.

Substanciais aumentos salariais na British Airways e na Arriva North-West

Face aos receios de greve, a British Airways concordou com um aumento progressivo dos salários dos 16 mil trabalhadores não executivos da companhia (tripulação de cabina, trabalhadores de manutenção e manuseadores de bagagem), atingindo uma subida líquida de 13% no final de Dezembro de 2022. Sharon Graham, Secretária-Geral do sindicato Unite, afirmou: “Com o forte apoio do Unite, os nossos membros forçaram a British Airways a oferecer um aumento salarial compensador dos cortes salariais sofridos durante a pandemia. Há ainda algum caminho a percorrer para os trabalhadores da British Airways recuperarem a confiança na empresa, dado o seu comportamento hostil durante a pandemia. Mais uma vez, a insistência do Unite na melhoria do emprego, dos salários e das condições de trabalho beneficiou os nossos membros.”

A greve dos trabalhadores da Arriva North-West (7) foi suspensa e os membros do GMB (8) foram chamados a votar sobre uma nova proposta de aumento salarial de 11,1%. O Coordenador do GMB, George Patterson, afirmou: “Após semanas de acção negocial, os chefes da Arriva chegaram finalmente a uma oferta que vai ao encontro das expectativas dos membros do GMB. A acção reivindicativa ficará suspensa enquanto os nossos filiados votam sobre o novo acordo. Se aceitarem, a greve estará oficialmente terminada.”

Partido Trabalhista. Nova tentativa para normalizar o Partido… falha.

O deputado Sam Tarry foi ministro dos Transportes no gabinete-sombra de Starmer (9). Agora, decidiu ir participar num piquete de greve. Enquanto lá esteve, deu uma entrevista a uma estação de televisão britânica na qual manifestou a sua solidariedade com os grevistas, apesar de Starmer ter “desaconselhado” os deputados trabalhistas a irem a piquetes (muitos outros deputados trabalhistas, incluindo J. Corbyn e John Mac Donnell (11), tinham ido a piquetes para expressar a sua solidariedade).

Starmer dispensou-o das suas funções no gabinete-sombra, acusando-o de intervir “sem permissão” e de “fazer política ao vivo”. Toda a gente compreendeu que a política do Starmer não era a de apoiar os grevistas. Os sindicatos grevistas (Transportes, Telecomunicações) condenaram veementemente a dispensa de Sam Tarry e ameaçaram deixar de financiar o Partido Trabalhista.

Acontece que Sam Tarry é companheiro de Angela Rayner, a actual número 2 do Partido Trabalhista, que também é membro do gabinete-sombra… Notemos, por fim, que o movimento Momentum (12) – apoiado por Sam Tarry, por outros deputados trabalhistas, todos apoiantes das greves actuais, e pela presidente do sindicato Unison (13), Andréa Egan – lançou uma campanha para apoiar uma moção de apoio explícito aos grevistas e aos aumentos salariais, a ser apresentada ao Congresso anual do Partido Trabalhista, a realizar no final de Setembro, em contradição frontal com a política de Starmer. Sam Tarry disse: “Estou orgulhoso dos laços históricos do nosso Partido com os sindicatos. Chegou a hora de todo o Partido o estar.”

O deputado Sam Tarry, ao centro, num piquete de greve, na estação de Euston, em Londres.

Para muitos sindicalistas, o Partido Trabalhista ainda é, historicamente, geneticamente, o seu partido.

                                                         J-P Martin, 20 de Agosto de 2022

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(1) Os órgãos da Comunicação Social  falam do “Verão do descontentamento” como uma referência ao “Inverno do descontentamento”, em 1978-1979, quando se desenvolveu um formidável movimento de greve contra o governo trabalhista de James Callaghan, que queria limitar os aumentos salariais a 5% para “combater a inflação”.  

(2) RMT: Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Transportes Ferroviários, Marítimos e por Estrada.

(3) TSSA: Associação dos Trabalhadores Assalariados dos Transportes.

(4) O Unite é o maior sindicato interprofissional do Reino Unido.

(5) O CWU é o Sindicato dos funcionários dos Correios e Telecomunicações.

(6) O grupo Trinity Mirror possui, além do Daily Mirror, outros jornais nacionais e mais de 200 jornais regionais.

(7) Grande operador de autocarros do Noroeste de Inglaterra. 

(8) GMB: Sindicato generalista muito importante.

(9) Starmer é o actual secretário-geral do Partido Trabalhista.

(10) A situação de J. Corbyn (antigo secretário-geral do Partido Trabalhista) é insólita: depois de uma campanha de difamação para fazê-lo passar por anti-semita, foi suspenso e subsequentemente readmitido no Partido Trabalhista. Mas Starmer não lhe permitiu ocupar o seu lugar na bancada dos Trabalhistas. Ele teve que fazê-lo como independente.

(11) John Mac Donnell, deputado trabalhista, foi ministro das Finanças no gabinete-sombra de J. Corbyn.

(12) Momentum é um movimento criado por jovens do Partido Trabalhista para apoiar o programa e a eleição de J. Corbyn como líder do Partido Trabalhista (Ver a entrevista em francês de Laura Parker, coordenadora do Momentum: https://laura-parker-momentum-est-une-organisation-dorigine-populaire).

(13) O Unison é o segundo maior sindicato do Reino Unido com quase 1,3 milhão de membros, predominantemente a trabalhar em serviços públicos.