Demissão de Pedro Nuno Santos

Em rota de colisão ou engolido pelo incêndio?

A demissão do ministro Pedro Nuno Santos – apresentado como sendo a “ala esquerda” de um Governo assente numa maioria absoluta de votos na Assembleia da República – é sinal de um tempo de viragem no nosso país, um abalo sísmico prenúncio de novos fenómenos.

Alguns factos.

Um jornal considerado das “notícias bombásticas” publicou a notícia de uma indemnização de meio milhão de euros, concedida à nova Secretária de Estado do Tesouro, por ter saído da Administração da TAP.

Um prémio como paga da sua participação, de forma tenaz, no processo de despedimento de três mil trabalhadores da TAP, acompanhado pelo desmantelamento dos direitos contratuais e de cortes nos salários dos restantes, enquanto os administradores têm sido contemplados com chorudos prémios.

Toda esta operação foi realizada em nome de um processo de reestruturação da companhia aérea, onde o Estado português já colocou mais de três mil milhões de euros, para agora anunciar a sua reprivatização.

A resistência organizada dos trabalhadores, sempre com a preocupação de tentar salvar a TAP como empresa nacional, bem como salvar os seus direitos e postos de trabalho – ao mesmo tempo que não se cansavam de denunciar publicamente a política absurda de destruição da empresa feita pela actual Administração – nunca foi tida em conta pelo Governo nem pela equipa ministerial liderada por Pedro Nuno dos Santos.

E foi assim que a política de desmantelamento da TAP e de ataque sistemático ao conjunto dos seus trabalhadores acabou por atingir o próprio ministro por ela responsável, provocando a sua saída do Governo.

O conteúdo desta política aplicada na TAP, com os resultados que estão à vista, é o mesmo que tem sido aplicado nos restantes sectores da vida nacional – do Ensino à Saúde e à Segurança Social, da Habitação ao conjunto das pequenas e médias empresas – levando ao empobrecimento das populações e dos trabalhadores, em contraste com uma maior acumulação de riqueza nos bolsos dos detentores do capital financeiro e das grandes fortunas.

É perante esta situação que se tem vindo a acentuar a resistência e a mobilização das classes trabalhadoras, atingindo um novo salto qualitativo na luta dos próprios trabalhadores da TAP (com a greve do pessoal de voo) e, de forma expressiva, pela luta dos professores e a sua mobilização à escala nacional.

É responsabilidade de todos os sindicatos e, em particular, da CGTP, de ligar esta resistência e mobilização numa acção nacional conjunta dos trabalhadores e da maioria da população portuguesa pela satisfação das suas legítimas reivindicações, nomeadamente pela indexação imediata dos salários e das pensões à inflação, bem como pela revogação das leis anti-laborais (nomeadamente a caducidade da contratação colectiva).

Lisboa, 30 de Dezembro de 2022

A Comissão de Redacção

de “O Militante Socialista”

O significado dos resultados das Legislativas

O Presidente da República – em conluio com António Costa – pôde consumar um golpe de Estado palaciano e convocar novas eleições legislativas, na ausência da mobilização diante da Assembleia da República das forças que representam a população trabalhadora organizada, para exigir um Orçamento do Estado capaz de corresponder às necessidades da sua maioria.

Fechada a saída de mobilização da população trabalhadora, foi fácil os trabalhadores e as populações serem colocados perante a chantagem: ou a continuação do governo do PS, ou um governo da Direita pura e dura.

E no contexto imposto, os trabalhadores e as populações – incluindo uma grande parte do eleitorado do PCP e do BE – não viu outra alternativa, para “jogar pelo seguro”, senão concentrar o seu voto no PS, ainda mais com a agravante das sondagens anunciarem o crescimento, dia após dia, das intenções de voto nos principais partidos da Direita.

Os resultados eleitorais são claros.

– O PS obtém uma maioria absoluta de deputados (117 em 230, mais dois possíveis da emigração) com 41,68% dos votos, em detrimento do PCP e em especial do BE.

– Pelo seu lado, os partidos da burguesia continuam num processo de fragmentação: O PSD é derrotado em todos os círculos eleitorais, com excepção da Região Autónoma da Madeira, ao mesmo tempo que o CDS não conseguiu eleger um único deputado; ao mesmo tempo, os partidos que saíram de dentro deles (Chega e Iniciativa Liberal) têm subidas importantes, multiplicando o seu número de deputados por 12 e por 8, respectivamente.

Uma primeira interpretação destes resultados

1 – A nova derrota do PSD e o afundamento do CDS – partidos históricos da burguesia nacional – ao mesmo tempo que libertaram do seu seio as forças “mais radicais” que disputam o mesmo eleitorado, pode ser interpretada como a expressão das contradições em que estão mergulhados os diferentes sectores da burguesia nacional, cada vez mais laminados e mesmo condenados ao desaparecimento, no quadro da crise mundial do Sistema capitalista, tendo neste contexto a necessidade de destruir todas as conquistas da Revolução de Abril. Para realizar estes objectivos de sobrevivência, estas forças – em vez de se unirem – aparecem cada vez mais fragmentadas.

2 – O quadro do “consenso de geometria variável”, praticado na AR nas duas legislaturas anteriores – nomeadamente pelos acordos com o PS do BE e do PCP, por um lado, e do PSD, por outro – foi responsável pela penalização eleitoral histórica do PCP e, em especial, do BE. Sobre a situação criada, os militantes destes partidos tirarão as suas próprias conclusões.

3 – O PS concentra, assim, a maioria do eleitorado; mas, para fazer que política?

O jornalista do semanário Expresso, Daniel Oliveira, escreveu num dos seus artigos sobre a maioria absoluta do PS, que esta tinha uma grande parte de votos “emprestados”, votos da Esquerda para impedir uma vitória da Direita.

A questão que se coloca é: como vão ser cobrados estes votos, dados ao PS, sem ilusões no seu Governo?

E, também, por parte dos eleitores socialistas houve quem tenha dito: “Voto no PS, quase tapando os olhos, tal é o meu descontentamento com a maneira como o meu sector de trabalho (a enfermagem) foi tratado; mas, haja o que houver, jamais abandonarei o combate por políticas socialistas, as únicas que poderão garantir justiça social.”

Eis a base eleitoral do Partido que tem agora a maioria absoluta.

A “estabilidade” que o capital financeiro defende

Em total contradição com aqueles a quem António Costa deve a maioria absoluta, vem o Presidente da CIP, António Saraiva, dizer-lhe estarem finalmente criadas as condições “(de estabilidade política) para que o país possa vencer os desafios e encetar finalmente o verdadeiro percurso de convergência no seio da União Europeia”. Em linguagem codificada, a CIP espera de António Costa e do seu Governo que seja acentuada a política que permita aumentar ainda mais os lucros do grande Patronato, asfixiando as pequenas empresas e acentuando as condições de exploração dos trabalhadores. Uma política que será a continuação das exigências do capital financeiro, no respeito pelos tratados europeus.

Eis assim o PS no centro da contradição. Quem a pode resolver?

Os trabalhadores e as populações, de todo o país, dirão à Direcção do PS:

“Vocês têm uma maioria absoluta conseguida com o nosso voto. O que vos impede de a usar a nosso favor?

O que vos impede de revogar as leis anti-laborais, de garantir os direitos dos trabalhadores de todos os sectores, do público e do privado? O que vos impede de garantir o respeito pelas condições de trabalho e de vida dos profissionais da Saúde e da Escola Pública?

O que vos impede de agir para garantir que a riqueza produzida no nosso país seja colocada ao serviço do seu desenvolvimento, em vez de ser desviada para paraísos fiscais?”

Os militantes da Associação Política Operária de Unidade Socialista (POUS), Secção portuguesa da 4ª Internacional, impulsionadores do jornal “O Militante Socialista”, participarão nas iniciativas dos trabalhadores e das populações que ajudem a resolver positivamente a contradição.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2022

O Secretariado da Associação

por uma Política Operária de Unidade Socialista

A ruptura de uma forma de governação assente na “geometria variável” e na “paz social”

A derrota da proposta de Orçamento do Estado para 2022 (apresentada pelo governo do PS à Assembleia da República – AR) – um Orçamento destinado a pôr em prática os denominados “Fundos de recuperação”, definidos pelas instituições da União Europeia – encerra uma determinada forma de pôr em prática os compromissos e a colaboração entre os partidos tradicionais das classes trabalhadoras portuguesas (o PS e o PCP), em conjunto com o Bloco de Esquerda – BE, que estão actualmente em maioria na AR, abrindo caminho a uma situação de vazio político que poderá gerar “sucessivas crises políticas”.

Durante seis anos, o governo do PS conseguiu aplicar a política decorrente das necessidades e imposições do capital financeiro, através de uma “governação de geometria variável”. Uma governação em que os sucessivos Orçamentos do Estado foram sendo viabilizados pelo PCP e/ou pelo BE, em troca de algumas concessões às classes trabalhadoras, acordadas com estes partidos políticos, revertendo algumas medidas contidas no chamado Memorando da Troika, executadas pelo governo de coligação da burguesia PSD/CDS, no período de 2011 a 2015.

Nestas concessões contam-se, nomeadamente, o fim dos cortes nos salários e nas pensões de aposentação, bem como o travão no processo de privatização dos transportes públicos.

Mas tais medidas positivas não mudaram qualitativamente, de modo algum, as condições de vida e de trabalho da generalidade da população trabalhadora, que não pararam de se agravar com o crescimento da precariedade, dos despedimentos colectivos, da especulação imobiliária, do desmantelamento dos serviços públicos, onde o colapso de vários hospitais públicos é apresentado como iminente pelas organizações sindicais dos médicos e dos enfermeiros.

A destruição de milhares de empregos feita pelas multinacionais que controlam o sector da energia (em nome da descarbonização / “transição energética”), feita pelos bancos (em nome da “transição digital”), ou no transporte aéreo (onde a crise foi acentuada pela pandemia) deu lugar a processos de resistência e de mobilização, onde vários sectores das classes trabalhadoras procuraram apoiar-se nas suas organizações sindicais para se defender. Ao mesmo tempo, as Direcções destas organizações têm conseguido controlar estes processos, continuando a sua prática de fragmentação das lutas e de “concertação social”, cujas consequências se têm traduzido no enfraquecimento dos próprios sindicatos.

O resultado das eleições autárquicas foi o detonador de um processo de viragem nesta forma de governação – sustentada, na prática, pelo PCP, pelo BE e pelos aparelhos sindicais.

Uma forma de governação mantida durante seis anos, no quadro da “unidade nacional”, tutelado pelo Presidente da República (PR), uma “governação à esquerda” a partir da AR, inédita nos 46 anos desde a Revolução de Abril de 1974.

Na Nota que a POUS (Secção portuguesa da 4ª Internacional) publicou sobre o resultado das eleições autárquicas procurámos mostrar como a forma de votação nas autárquicas pôs a nu o descontentamento das classes trabalhadoras, traduzido na perda de votos dos partidos do chamado “arco da governação”, bem como num nível de abstenção recorde em zonas operárias e, em alguns casos, na capacidade do Partido da chamada extrema-direita (o Chega) em atrair para si camadas da população revoltadas com a situação económica e social em que vivem.

A derrota do PCP em autarquias que nunca tinham deixado de ser dirigidas por este Partido depois do 25 de Abril, as chamadas autarquias históricas, bem como a abstenção massiva, constituíram um sinal de alarme para o PCP.

A imprensa burguesa relatou o mal-estar de militantes e quadros do PCP, que exigem a ruptura com as concessões e compromissos com o Governo, bem como a ruptura com o quadro de “unidade nacional”.

Apesar do mal-estar vivido dentro do PCP, a sua Direcção tentou ir até onde lhe foi possível para manter a coesão do seu Partido e, em simultâneo, preservar a política de “unidade nacional”. Política que exige que este Partido possa controlar a luta das massas, através do aparelho sindical da CGTP, impedindo-as de poder desempenhar o papel histórico que é o seu.

Nas condições impostas pelo PCP para viabilizar a proposta de Orçamento do Governo, este colocava a necessidade de um sinal de mudança nas leis laborais, nomeadamente a revogação da caducidade da contratação colectiva. Colocava também a necessidade de um sinal de mudança na política de Saúde e nos salários e pensões de aposentação, entre outras exigências.

O Governo de António Costa, pelo seu lado, dispôs-se e fazer as concessões possíveis, para poder aplicar um Orçamento com base no Programa de Recuperação e Resiliência (PRP), assinado com a União Europeia, de acordo com os interesses do capital financeiro e das grandes multinacionais.

Mas Costa afirmou sempre: «Temos que fazer um Orçamento do Estado que preserve as contas certas» – leia-se, as condições acordadas em Bruxelas; «Não podemos fazer acordos a qualquer preço».

Mesmo quando se «atreveu» a fazer um passo na modificação de algumas leis laborais, como foi o caso do aumento da compensação monetária por cessação do contrato de trabalho e do número de horas extraordinárias anuais a serem pagas pelos patrões, os representantes das Associações patronais abandonaram de imediato as reuniões do Conselho Económico e Social (a cúpula da “concertação social”), clamando: «Alto aí, aqui não se mexe!». Costa recuou e pediu-lhes desculpa publicamente.

Pelo seu lado, o BE não podia senão tomar a mesma atitude que o PCP, no quadro da sua estratégia de defesa de um Governo que ponha em prática “políticas à esquerda”, no quadro da União Europeia.

Todo este jogo de aparelhos políticos – feito sob a chantagem ultimatista do PR: “Se esta Proposta de OE não for aprovada na generalidade, dissolvo a AR e convoco novas eleições legislativas” – foi efectuado com a preocupação de manter as classes trabalhadoras à margem da cena política e impedi-las de realizarem a frente única de classe, diante da sede da soberania do povo português, para aí imporem uma Lei orçamental capaz de responder às suas legítimas reivindicações, decorrentes dos problemas com que estão confrontadas.

Obviamente, o apelo a uma mobilização neste sentido seria um passo dos aparelhos na via da ruptura com a política do Sistema assente na propriedade privada dos meios de produção, um passo que todos vêem como um pesadelo a afastar.

Daí a pressa do PR em querer dissolver a AR.

As Direcções do PCP, do BE e da CGTP, bem como sectores minoritários do PS, criticam a chamada “precipitação do PR”, afirmando a possibilidade de ser apresentada uma nova proposta de Orçamento do Estado, mas sem jamais abrirem uma saída que as classes trabalhadoras pudessem agarrar – a mobilização conjunta e a centralização do seu movimento diante da AR.

Bem pelo contrário, os aparelhos sindicais suspenderam “sine die” as greves anunciadas, em diversos sectores, nomeadamente nos professores, nos enfermeiros e nos médicos.

CONCLUSÕES

1 – Ao contrário do que queriam o Governo e o Presidente da República, a Proposta de OE para 2022 acordada com a Comissão Europeia foi chumbada pela Assembleia da República, rompendo assim momentaneamente a “unidade nacional” que manteve, durante 6 anos, o Governo do PS.

2 – Apesar dos golpes que a Revolução já sofreu, ainda continua a haver restos de democracia parlamentar que foram impostos após o 25 de Abril de 1974.

3 – Todos os “actores” políticos (a começar pelo Presidente da República), partidários e sindicais procuram impedir que os trabalhadores e as populações utilizem esta crise para entrar em movimento em defesa das suas reivindicações, concentrando-se diante da Assembleia da República.