O que fazer?

O que poderia ser apenas fruto do imaginário aconteceu: enquanto uma parte dos “senhores do mundo” se reunia em Bruxelas, no Conselho Europeu, para decidir a entrega de mais 50 mil milhões de euros à Ucrânia (não para fazer a paz mas para continuar a guerra), os agricultores desencadearam um movimento – da Alemanha à Península Ibérica – para reconquistar e/ou manter o direito a produzir o leite e o pão para todos os povos da Europa.

Este episódio marcante da história contemporânea do continente europeu tem especificidades próprias de cada país. O que há de comum entre eles é que as suas populações trabalhadoras se defrontam com as consequências da crise de um sistema capitalista moribundo.

No caso português, parece claro que, com estas eleições e para quem as convocou, se procura obter uma nova configuração da Assembleia da República que leve a cabo uma clara ofensiva contra as conquistas de Abril.

A política seguida nos últimos anos de governação do PS – responsável pelo descontentamento e desorientação actual de uma grande parte da população – facilita o retorno da Direita ao poder.

As suas “vozes de sereia” prometem um país a florescer, com respostas para o aumento dos salários, das pensões, respostas para resolver a crise da habitação, etc.

Mas a sua política é a mesma da dos outros governos europeus, acordada em Bruxelas, a política que, por um lado, aposta no investimento nas fabricas para produzir armas e, por outro, no corte nos orçamentos para assegurar as funções sociais do Estado.

Trata-se dos direitos conseguidos pelas classes trabalhadoras durante a vaga revolucionária saída da Segunda Guerra mundial – da Saúde pública à Segurança social – e que, em Portugal, são um produto da Revolução de Abril.

A luta para os defender é travada, em todos os países, juntamente com levantamentos e manifestações para exigir o fim do massacre do povo palestiniano.

A lição dos agricultores

O levantamento geral dos agricultores mostra a todos os trabalhadores que é possível

construir a unidade, à escala europeia, na base das reivindicações comuns.

Ao mesmo tempo tornaram mais clara uma conclusão já tirada por muita gente: a necessidade de união dos povos – assente na cooperação pela paz e em defesa de tudo o que de positivo a Humanidade já conseguiu atingir.

É responsabilidade das Direcções das organizações das classes trabalhadoras desenvolver acções de unidade com base nessa perspectiva.

Trata-se de uma exigência imperiosa na luta contra a guerra e a exploração, que passa pela mente de muitos militantes de diferentes organizações.

Criar redes que ajudem a desenvolver a discussão política, a tirar conclusões no sentido de realizar acções práticas mobilizadoras e de construção da unidade, procurando integrar as organizações existentes, sem se substituir a elas, é o caminho…

A Carta aberta assinada por vários militantes, dirigida aos defensores do 25 de Abril (ver pg. anterior), bem como a mensagem de saudação ao Congresso da CGTP (a ter lugar a 23 e 24 de Fevereiro), expressando o desejo de uma mobilização em plena campanha eleitoral, para afirmar na rua a defesa das reivindicações que materializam as conquistas de Abril, fazem parte das acções para conseguir tais objectivos.

Carmelinda Pereira

O factor de ordem da actual situação é a mobilização dos trabalhadores

O que todas as camadas da população trabalhadora têm sentido, ao longo desta governação, procurando resistir através de fortes mobilizações, são as consequências da austeridade nas suas condições de vida e nos serviços públicos, pondo em causa as conquistas do 25 de Abril, apesar deste Governo ter tomado medidas consideradas positivas – lembremos, por exemplo, as creches gratuitas ou a redução do preço dos passes sociais.

A matriz do Governo foi sempre as “contas certas”, no respeito absoluto pelas regras de jogo impostas pelo grande capital. Deste modo, ficaram intocáveis a subida dos lucros das grandes empresas, aproveitando-se da inflação, a subida dos lucros dos bancos ou dos especuladores imobiliários.

Muitos militantes e trabalhadores questionavam-se perante a contradição: “Como é possível que um Governoassente numa maioria absoluta de deputados eleitos pelo PStenha uma política ao avesso do caminho de Abril?”

Perante as mobilizações num crescendo, de todas as camadas da população trabalhadora, para resolver esta contradição, procurando impor no seu movimento uma mudança de política, o Presidente República fez uma jogada de antecipação: decidiu dissolver a AR, transformar o governo de PS em “governo de gestão”, mas impondo primeiro a aprovação da sua proposta de Orçamento do Estado. Um Orçamento que afirmou “ser equilibrado”, do seu ponto de vista, e que a Direita aceitou, apesar dos deputados do PCP e do Bloco de Esquerda, bem como a Direcção da CGTP, o terem qualificado como um Orçamento que não responde aos problemas da maioria do povo nem às necessidades do país.

Procurando arredar os trabalhadores da cena política, o Presidente da República quer centrar a atenção destes no jogo eleitoral, que pensa poder ser favorável aos partidos da Direita.

Estes, pelo seu lado, exploram as consequências da política do governo do PS, para procurarem aparecer – em conjunto com o Presidente da República – como os salvadores do povo e do país.

Entre eles há mesmo aqueles que não hesitam em chafurdar na lama resultante das acusações e mesmo detenções feitas por elementos de um opaco Ministério Público, presidido pela Procuradoria-Geral da República, para tirarem como conclusão que “o PS não merece qualquer confiança” e que “é preciso acabar com o socialismo”.

As jogadas foram feitas no sentido de ser constituído um Governo com maior capacidade para levar a cabo as políticas de destruição dos direitos do povo, no quadro da crise económica e social que se aprofunda em todos os países do mundo.

Mas as classes trabalhadoras continuam a ter intacta a sua capacidade de mobilização – em unidade com as organizações sindicais que as representam – para defender os salários, as pensões de aposentação, a habitação, as funções sociais do Estado (do Serviço Nacional de Saúde à Escola Pública democrática e de qualidade para todos), bem como a paz e as liberdades democráticas, numa palavra o 25 de Abril.

Tal mobilização constitui o único factor de ordem democrática, em Portugal e nos outros países da Europa, o único caminho que pode pôr fim à guerra militar e social e começar a resolver positivamente os problemas do nosso país, em cooperação com os outros povos da Europa e do resto do mundo.

Apesar dos atropelos e dos golpes antidemocráticos, a sua força social é o factor determinante da situação política.

Os militantes que lutam diariamente em conjunto com os trabalhadores têm bem consciência disso.

Pela nossa parte, enquanto membros da Secção portuguesa da 4ª Internacional, lutaremos lado a lado com eles, trilhando os caminhos da Revolução de Abril que continua viva.

A Comissão de redacção

Portugal: O que está em jogo são as liberdades democráticas

Estão em jogo todas as conquistas do 25 de Abril

O povo português foi surpreendido por um Comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR), a que se seguiu um conjunto de buscas e prisões, de uma enorme gravidade política.

O Ministério Público (MP) decide prender pessoas para encontrar provas, com base em insinuações e suspeições que o primeiro juiz de instrução classifica de infundadas, pondo todos os arguidos em liberdade.

O Ministério Público mantem durante seis dias na prisão um presidente de Câmara, para depois o pôr em liberdade sem qualquer acusação. Depois do seu bom nome ter sido enlameado, o MP nem sequer se dignou a dirigir-lhe um pedido de desculpas público.

O Ministério Público considera de somenos importância confundir o nome de um ministro com o do Primeiro-ministro, em escutas telefónicas que servem para pôr em causa a actuação deste último.

É na sequência daquele Comunicado da PGR, eivado de insinuações e suspeições – classificadas, poucos dias depois como infundadas pelo primeiro juiz de instrução – que o Presidente da República aceita, de imediato, o pedido de demissão do Primeiro-ministro, dissolve, apesar da oposição de metade dos Conselheiros de Estado, o Parlamento e convoca eleições antecipadas para 10.MAR.2024.

Esta grosseira operação judicial, atrás da qual todos os partidos da Direita (do PSD ao Chega) se perfilam, foi o pretexto usado pelo Presidente da República para, recorrendo à sua “bomba atómica”, dissolver a Assembleia da República, e abrir o caminho a maiorias que melhor sirvam os interesses do capital financeiro.

Não é apenas o PS que forças obscuras escondidas nos partidos da Direita parlamentar estão a visar. Elas visam impedir o reforço do regime democrático em todo o seu conteúdo. Visam liquidar todas as conquistas da Revolução, do direito à Saúde ao direito à Educação democrática, todos os direitos, liberdades e garantias consignadas na Constituição. Direitos que os referidos partidos desejam apagar na próxima revisão constitucional, para que seja aberto “um novo ciclo” como eles lhe chamam, o ciclo do capitalismo puro e duro, dos Fundos de pensões privados, da Escola pública diferenciada, do negócio da Saúde, da redução dos impostos sobre o grande capital.

Não é apenas o PS que está a ser alvo de destruição, independentemente da política do governo de António Costa; são todos os partidos e organizações que mergulham as suas raízes na Revolução de Abril ou que dela se reclamam, do PCP ao BE.

O que está em causa é uma tentativa de golpe “bonapartista”, que usa suspeições e insinuações (como pretexto) para desferir um ataque à democracia, à beira dos cinquenta anos do 25 de Abril.

O que está em causa é a violação da democracia política, produto do 25 de Abril.

Na manifestação que juntou milhares de trabalhadores em Lisboa e no Porto, no passado dia 11 de Novembro, Isabel Camarinha apelou à intensificação da luta e à concentração dos trabalhadores diante da Assembleia da República, no próximo dia 29 de Novembro, para que seja alterado o Orçamento do Estado a favor do povo trabalhador, nomeadamente a resposta aos médicos em luta, como o pedem os sindicatos e o Presidente da Ordem responsável por zelar pela qualidade do seu trabalho e dos cuidados de saúde de todos os Portugueses.

De acordo com este apelo, os militantes responsáveis pela edição do jornal Militante Socialista dirigem-se aos militantes do PS, do PCP, do BE, aos militantes sindicais e a todos os trabalhadores (com ou sem filiação partidária) para juntar forças, para construir a mobilização unida que afirme a defesa da democracia em todo o seu conteúdo, da defesa das organizações políticas partidárias aos sindicatos, bem como de todas as conquistas sociais e da paz, a defesa do 25 de Abril.

Lisboa, 17 de Novembro de 2023