Itália: Após as eleições legislativas

As eleições parlamentares antecipadas em Itália tiveram lugar a 25 de Setembro. Enquanto os mercados e a Zona euro, no domingo, estavam expectantes em relação aos resultados da votação, com a anunciada vitória do partido Fratelli d’Italia, na segunda-feira 26 de Setembro, a Bolsa de Milão abriu em alta.

Sem surpresas, foi a chamada coligação de centro-direita – incluindo os partidos de Meloni (Fratelli d’Italia), Salvini (Lega) e Berlusconi (Forza Italia) – que ficou à frente com 44% dos votos. O partido da extrema-direita (Irmãos de Itália), dirigido por Giorgia Meloni, está em primeiro lugar nesta coligação, com 26% dos votos, o que lhe permite reclamar o cargo de chefe do Governo. No entanto, esta coligação não cresceu em número de votos, em comparação com as eleições de 2018 (pouco mais de 12 milhões de votos), havendo uma redistribuição interna dos votos devido ao colapso dos partidos de Salvini e de Berlusconi, em benefício do de Meloni.

Pelo seu lado, a coligação de “centro-esquerda” obteve 26,5% dos votos. Dentro dela, o Partido Democrático teve 19%; trata-se do partido que governou a Itália, durante anos, ao serviço do capital.

A taxa de abstenção, de 47%, foi a mais elevada de sempre registada numa eleição italiana, mais 9% do que em 2018. No Sul, em particular, a abstenção aumentou ainda mais, como na região de Nápoles, subindo de 31,82%, em 2018, para 46,73%, em 2022!

A COMUNIDADE EMPRESARIAL E OS EUA TRANQUILIZADOS

A preocupação declarada da União Europeia, do governo dos EUA e da comunidade financeira internacional sobre a possível vitória de Giorgia Meloni desvaneceu-se.

Como o jornal Le Monde escreveu, a 20 de Setembro, “em Itália, a comunidade empresarial está inclinada para a candidata de extrema-direita Giorgia Meloni”. De facto, a sua posição atlantista e pró-guerra, e o apoio ao envio de armas para a Ucrânia é tranquilizadora.

Na segunda-feira, o chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken, rejubilava: “Estou ansioso por trabalhar com o Governo italiano, em vista dos nossos objectivos comuns de apoiar uma Ucrânia livre e independente, respeitando os direitos humanos e a construção de um futuro económico sustentável.”

O Presidente francês, Emmanuel Macron, pela sua parte, declarou a 26 de Setembro que respeitava a “escolha democrática” dos Italianos e fez um apelo a Roma para “continuar a trabalhar juntos”, como “Europeus”.

Tranquilizados? Como nos disse um militante da Unione Popolare (1), no dia seguinte às eleições: “É interessante o que irá acontecer nos próximos meses. Meloni não tem nenhum plano para resolver a crise e as facturas vão continuar a subir. A população não se limitará a ficar de braços cruzados”.

Lorenzo Giustolisi, um sindicalista da União Sindical de Base (USB), escreveu-nos: “Os militantes sabem muito bem que a necessidade de representação política dos interesses populares está mais do que nunca na ordem do dia, depois dos desastres que foram os anteriores governos, e ainda mais agora com as organizações políticas reaccionárias integradas no próximo Governo.

Apesar da afirmação da Direita, há um espaço objectivo sobre o qual construir a representação política do nosso povo. Foi com base nesta ideia que, a nível individual, apoiei a Unione Popolare. O apelo à unidade faz sentido se partir de um conteúdo claro, de uma firme rejeição de qualquer forma de compromisso e de diminuição das reivindicações dos trabalhadores. Mélenchon disse-o claramente em Roma: a coerência compensa, e a clareza de objectivos também. Veremos como isto se vai passar no futuro, preparando-nos para uma oposição social a um Governo que será ao mesmo tempo atlantista e belicista, mas que também atacará directamente os direitos cívicos, numa tentativa de distrair a atenção da crise social e económica.

O mundo, porém, não acabou a 25 de Setembro. Num mundo em crise e em guerra, numa catástrofe ambiental cada dia mais visível, continuamos a fortalecer as lutas, a organizar os trabalhadores, a responder às necessidades sociais, para acumular forças. É verdade que o período que atravessamos é complexo, mas também é interessante e abre-nos espaços para a acção. Vamos aproveitá-los, vamos lançar raízes, vamos estabelecer uma relação forte com os sectores sociais que não podem continuar a viver assim por muito tempo.”

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(1) Trata-se de uma coligação constituída sob a liderança de Luigi de Magitsris (ex-Presidente da Câmara municipal de Nápoles), onde está integrada uma parte da Refundação Comunista e outras organizações de esquerda. Essa coligação obteve mais de 400 mil votos (1,5 %), num contexto de boicote generalizado.

Crónica da autoria de Ophélie Sauger, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 725, de 28 de Setembro de 2022, do Partido Operário Independente de França.

Lula presidente: urgência nacional (no Brasil)

Transcrevemos o Editorial do jornal “O Trabalho” – órgão de imprensa da Secção brasileira da 4ª Internacional – nº 906, de 2 de Setembro de 2022.

Uma frase do actual Presidente, levado ao Palácio do Planalto pelo golpe de 2016 e a operação fraudulenta que prendeu Lula, sintetiza a urgente tarefa: derrotar Bolsonaro e eleger Lula para reconstruir e transformar este país.

Em recente entrevista, dizendo que não havia fome no Brasil, o ignóbil (Bolsonaro) declarou que “não se vê pessoas pedindo pão em padaria”! Isto quando nas padarias, nos semáforos, nas calçadas e em todos os lugares das cidades, cada vez mais homens, mulheres e crianças lançam um grito de socorro. Num pedaço de papelão lê-se: “Fome!” Este presidente achincalha, perversamente, os 33 milhões de famélicos e os mais de 100 milhões que sofrem de insegurança alimentar.

Achincalha as Brasileiras, ao negar que há um aumento da violência contra as mulheres. E achincalha toda a nação ao dizer que o Brasil “está bombando” (em pleno desenvolvimento). É preciso botar para fora do Planalto este arruaceiro. Isso passa, em primeiro lugar pelas eleições, mas não pára aí.

Bolsonaro sabe que milhões passam fome e que diminui a mesa dos que ainda comem, que os salários e direitos das classes trabalhadoras estão cada vez mais rebaixados, a começar pelo salário mínimo, e que as mulheres, cada vez mais são vítimas de violência e deterioração das condições de vida.

DERROTAR BOLSONARO

RECONSTRUIR E TRANSFORMAR O PAÍS

E como ele sabe que pagará por isso, cria desordem. Coloca em suspeita os resultados eleitorais. Leva as Forças Armadas, através do seu sabujo no Ministério da Defesa, a imiscuírem-se na Justiça Eleitoral. E, é preciso dizê-lo, com a complacência desta. Está virando rotina reuniões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com os militares. E o TSE faz concessões. Na última reunião cedeu à questão de serem feitos testes às urnas eletrônicas, um artifício de Bolsonaro para pôr em causa os resultados eleitorais.

Exército, Marinha e Aeronáutica, num plano “bem orquestrado” dispõem-se a fazer pirotecnia na praia de Copacabana, no 7 de Setembro (1) quando o arruaceiro (Bolsonaro) quer mobilizar os seus seguidores e fazer uma demonstração de força. No Congresso Nacional (Parlamento), movida pelo orçamento secreto, a maioria faz o que o Chefe manda.

Negando as estatísticas, o Governo coloca também em xeque o recenseamento do IBGE (2) deste ano. Não realizado em 2020, “por falta de orçamento”, em 2022 está a ser posto em causa pelas péssimas condições dos recenseadores que fizeram uma mobilização, com greve em alguns lugares (a 1 de Setembro), por melhoria nas suas condições de trabalho.

Quanto menos dados houver sobre a realidade, melhores são as condições para a corja de bolsonaristas poder prosseguir no seu intuito de ter um imperador, a sua família e o seu séquito – os pouco mais de 30% que declaram votar nele – a fim de continuar a pilhar o país, a democracia, os direitos e os salários da classe trabalhadora.

Levantar as mais urgentes necessidades do povo trabalhador deve ser o tom da campanha Lula nas próximas quatro semanas (3).

Direitos, salários, comida na mesa, democracia e soberania nacional. Derrotar Bolsonaro para reconstruir e transformar este país. Livrá-lo da actual tragédia e das instituições que pavimentaram o seu caminho até aqui.

“Nunca antes na história deste país” (4), ficou tão claro que uma eleição é a expressão, no terreno eleitoral, da luta de classes. E a maioria oprimida procura agarrar-se a Lula para sair do sufoco. Basta ver a preferência dos sectores mais oprimidos por Lula. Responder às suas expectativas deve ser o tom da campanha.

Eleger Lula, num processo de mobilização por um Governo que reconstrua e transforme o país é a tarefa da hora. É nela que o nosso jornal e os candidatos (escolhidos pelo método proporcional de Hondt) apoiados pelo Diálogo e Acção Petista (5) estarão concentrados.

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(1) A 7 de Setembro de 2022, foi celebrado o bicentenário da independência do Brasil, com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa ao lado de Bolsonaro.

(2) O IBGE é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, equivalente do nosso INE.

(3) A primeira volta das eleições terá lugar a 2 de Outubro.

(4) Esta parte da frase está entre aspas, uma vez que se refere a um livro, com o título “Nunca antes na história deste país”, escrito pelo jornalista brasileiro Marcelo Tas, em 2009, no qual ele reuniu declarações feitas por Lula.

(5) O “Diálogo e Acção Petista” (DAP) é um movimento de base do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil, que combate para que o PT retome o caminho das suas origens. Os militantes da Corrente “O Trabalho” (Secção brasileira da 4ª Internacional) do PT participam no DAP.

ITÁLIA: A coligação União Popular em campanha para as Legislativas

Maurizio Acerbo, Marta Collot, Luigi de Magistris e Simona Suriano, os porta-vozes do movimento Unione popolare, no palco da emissão do programa “Mezz’ora in più”, Rai 3, a 28 de Agosto.

A campanha já começou para o movimento Unione popolare, o qual, há que recordá-lo, conseguiu recolher mais de 60 mil assinaturas – em apenas algumas semanas, no meio do Verão – para poder para concorrer ao Parlamento.

Os órgãos de Comunicação social italianos, que obscureceram o trabalho do Unione popolare durante todo este período, já não podem ignorar a força da ruptura que é proposta pelo programa deste movimento intitulado “L’Italia di cui abbiamo bisogno” (A Itália de que precisamos).

O movimento Unione popolare (União popular) foi recebido num grande canal de TV nacional, a Rai 3, a 28 de Agosto, no programa “Mezz’ora in più” (Meia hora em ponto).

Luigi de Magitsris, ex-Presidente da Câmara municipal de Nápoles e porta-voz do movimento, responde à pergunta de um jornalista sobre o facto de o Unione popolare não ter formado um “pólo de esquerda” com o Partido Democrático (PD).

Luigi de Magistris declarou: “O PD não é um partido de esquerda, é o principal actor do governo Draghi, que esteve na linha da frente para a guerra. Nós não somos apenas a esquerda não representada no Parlamento; somos a única coligação que coloca como questão central a actualização da Constituição de esquerda.

A nossa coligação parece pequena em comparação com o Parlamento, mas precisamos de falar com todos aqueles que votam e não estão representados neste Parlamento.”

Quando outro jornalista pergunta como é que irão ser financiadas as medidas do programa do Unione popolare – tais como “mais dinheiro para as escolas”, “transportes públicos de baixo custo” ou “nacionalização do sector energético” – de Magistris respondeu que “para dar àqueles que estão em dificuldade, é preciso tirar àqueles que são muito ricos e procuram o máximo lucro, tem de se ir buscar esse financiamento aos 8 mil milhões de lucros das indústrias da energia e parar a guerra e as vendas de armas que representam 13 mil milhões”. Ele também mencionou a guerra na Ucrânia: “A guerra tem como efeito colateral um aumento do custo de vida e o montante das facturas. Somos os únicos a ter uma agenda pacifista.”

Maurizio Acerbo, do partido Rifondazione Comunista (Refundação Comunista), membro da coligação Unione popolare, acrescentou – durante o mesmo programa da Rai 3 – que “pensamos como Mélenchon e como todos aqueles, na Europa, que dizem que é possível ter outra política. Veja o caso da França: Macron teve de recuar, em matéria de pensões de aposentação, porque os sindicatos entraram em greve por seis meses. Em Itália, é impossível reformar-se aos 60 anos”. Até o jornal La Stampa, um dos maiores diários italianos, órgão de imprensa do PD, teve de admitir que “nunca se deve subestimar de Magistris”.

“SE QUISERMOS BATER A DIREITA TEMOS DE VOTAR NAQUELES QUE NÃO GOVERNAM COM A DIREITA”

Há um desejo de ruptura particularmente importante, num contexto em que o partido neo-fascista de Giorgia Meloni, Fratelli d’Italia, é líder nas sondagens e onde se desenvolve a cantilena do voto útil contra a extrema-direita.

De Magistris respondeu a esta questão, na apresentação dos candidatos da Unione Populare, em Turim, a 18 de Agosto: “Partilho da ideia do voto útil, e votar em nós é muito útil porque, se quisermos bater a Direita, devemos votar nos que não governam com a Direita. No governo de Draghi, que continua a exercer o poder, todos eles estão lá, mesmo aqueles que dizem «É preciso o voto contra a Direita». Votar na Unione popolare é votar por uma coligação que tem uma cultura de Governo e não apenas de oposição, e os nossos votos estarão à disposição do país para pôr os nossos direitos no centro e não somente os interesses de uma casta”.

Uma casta burguesa que o Governo que se demitiu e a Igreja procuram defender, a todo o custo. É assim que, o cardeal Arrigo Miglio – recentemente nomeado pelo papa Francisco – explica no diário Il Messaggero (O Mensageiro), a 27 de Agosto, que não tem medo de um Governo liderado por Giorgia Meloni (chefe dos Fratelli d’Italia) porque “a Itália é capaz de sobreviver com qualquer Governo. Esta frase não é minha, é a que Mario Draghi disse numa palestra na cidade de Rimini”. A mesma Giorgia Meloni que se apresenta ao voto com o slogan reaccionário “Deus, pátria, família” como sendo “o mais belo manifesto de amor”. Todo um programa…

Crónica da autoria de Ophélie Sauger, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 721, de 31 de Agosto de 2022, do Partido Operário Independente de França.