Dedicamos esta Carta Semanal (1) a analisar as diferentes reacções e declarações que suscitou a sentença do Supremo Tribunal contra os republicanos catalães. Em particular as das organizações políticas que hoje representam a classe trabalhadora e as dos sindicatos e movimentos sociais.
Escrevemos sob o pano de fundo da resposta imensa que está a dar o povo da Catalunha, e de forma mais decidida a sua juventude, que não comenta, nem promete, nem ameaça, quer apenas resolver a situação insustentável.
Não vamos falar das reacções do “trifachito” franquista (2), que exige aos gritos um novo 155, “mais duro” ou inclusive o Estado de excepção. Querem levar a fundo o confronto com o povo catalão, porque necessitam da divisão da classe trabalhadora e dos confrontos entre os povos, para impor o programa de ataques massivos aos direitos e conquistas sociais, que têm na arrecadação – com a Segurança Social em lugar de destaque.
Mas perante a força que mostram os pensionistas, guarda avançada dos trabalhadores, e sobretudo o povo catalão, preferem que o PSOE encabece o ataque cerrado e a brutalidade do regime.
A reacção vergonhosa do Governo
Pedro Sánchez e o seu Governo alinharam sem matizes com a sentença, e não deixaram espaço para qualquer dúvida sobre a sua aplicação.
Numa declaração às televisões, Sánchez disse que reconhece “o labor independente do Tribunal que trabalhou com escrupuloso respeito pelas suas obrigações. Dando um exemplo de autonomia e de transparência, de garantias e de profissionalismo” e acrescentou que há que acatar a sentença, e que “o acatamento da mesma significa o seu cumprimento. Insisto, significa o seu integral cumprimento”. E se restavam dúvidas, o Secretário de organização do PSOE e ministro do Fomento, José Luiz Ábalos, explicava nos pequenos-almoços da TVE que “a sentença tem que se acatar, sim ou sim”, e que “não vale a pena falar de indulto” porque não é essa a vontade do Executivo.
Na sua audição televisiva, Sánchez falava de uma “nova etapa”, na qual “o objectivo só pode ser restaurar a convivência na Catalunha. O método será sempre o diálogo e a regra só pode ser a Lei, a Constituição Espanhola”.
Tendo em conta a importante reacção do povo da Catalunha perante a sentença, tudo parece indicar que isso significa nenhum diálogo, e cenoura numa mão e pau na outra. E governar a Espanha com um Governo de guerra contra a Catalunha, no qual não cabem os direitos democráticos e sociais dos trabalhadores e dos povos.
Por este caminho e a confirmar-se o que dizem as sondagens, Sánchez está a tornar muito complicada a formação de um Governo após o 10 de Novembro, e pode ver-se obrigado, como “única saída”, a fazer uma grande coligação com os franquistas do PP, que levaria sem dúvida a uma deserção massiva de militantes socialistas.
Outras reacções
Pablo Iglesias, no seu Facebook, escrevia que a sentença “não coloca o problema político de fundo, que continua irresolúvel e agravado pelas brechas emocionais, produto da maneira equívoca com que se abordou a crise”, e acrescenta que “toda a gente terá que respeitar a lei e assumir a sentença, mas, a partir de hoje, toca a arregaçar as mangas e trabalhar para reconstruir pontes entre uma sociedade catalã dividida e entre parte da sociedade catalã e a sociedade espanhola”. E pede “que se abra uma nova etapa de diálogo que rejeite a confrontação e que se fixe como objectivo a procura de soluções políticas e democráticas para um conflito que nunca deveria ter sido judicializado”. Chama a atenção para o facto de que, embora se faça uma referência afectuosa aos presos, se evite pedir a sua liberdade, como exigem, hoje, milhões de catalães e o senso comum. E com o truque da “sociedade dividida” ignora os direitos da Catalunha e dos povos.
Em 1936 não se tratava de uma parte da Espanha atacada pela outra parte, mas de um ataque do imperialismo contra a soberania dos povos de Espanha. E agora o ataque é contra o povo catalão.
Mais desconcertante é aquilo que disse Alberto Garzón. Após criticar a sentença, acrescentou que não se devem utilizar “como arma de arremesso” os conceitos indulto ou amnistia, e usar, em vez disso “de forma adequada, termos muito políticos”. E assinalou que o indulto pode fazer parte de um eventual processo de negociação. Parece propor-se converter os presos em reféns dessa negociação.
Iñigo Errejón (3) absteve-se, também, de pedir a liberdade dos presos. Limitou-se a criticar a sentença em termos genéricos, “não creio que alguém pense que hoje estamos mais perto do reencontro. Por isso, agora, é quando mais necessitamos da política. Da política útil, da que se coloca no lugar do outro e reconstrói pontes. A Espanha em que acredito persuade mais do que castiga”.
A única política “útil” para solucionar os problemas da imensa maioria é a democracia, que começa por rejeitar a sentença do Supremo.
O que disseram os Sindicatos
Como vem sendo habitual, as confederações estatais e as suas secções da Catalunha têm tido reacções distintas. Assim, a UGT a nível estatal apelou a acatar a sentença, embora tenha considerado que as penas de prisão “pioram e atrasam uma solução política”. E acrescentou que “as consequências desta sentença não podem concentrar toda a atenção nem na Catalunha nem no conjunto da Espanha até ao extremo de esconder, mais uma vez, os prolemas das pessoas, como os salários, as pensões, a precariedade laboral, as políticas de igualdade social ou o restabelecimento de direitos”.
Pelo seu lado, a UGT da Catalunha declarou que a sentença do Supremo “impede que haja normalidade política” na comunidade. E exigiu “diálogo” aos partidos e “especialmente aos Governos central e catalão”, para se porem de acordo sobre “uma solução política imediata face à situação da prisão”.
Enquanto a confederação das Comisones Obreras (CCOO) rejeitou que se possa pensar que “o código penal resolva o que a política tem sido até agora incapaz de solucionar”. E apelou a “situar os problemas em termos de diálogo político”.
Tanto a UGT como as CCOO da Catalunha subscreveram um manifesto em que se manifesta “o nosso desacordo com a sentença, que não resolve o conflito político e denunciamos a injustiça que enfrentam todas as pessoas condenadas. Denunciamos as consequências graves que esta sentença implica sobre os direitos políticos da cidadania e os direitos de manifestação, de expressão, de livre associação e de dissidência política, pressupondo um retrocesso na qualidade democrática da nossa sociedade. Denunciamos as graves consequências que a sentença tem para a normalidade política na Catalunha e os seus efeitos para o autogoverno da Generalitat” e acrescentando que “trabalharemos pela liberdade dos condenados, a partir de amplos espaços de consenso sociais e políticos, na Catalunha e na Espanha”.
Mais reacções
O catedrático de Direito constitucional Javier Pérez Royo assinalou que foi utilizada a acusação de rebelião – que, na sua opinião todos sabiam, inclusive o Supremo Tribunal, que não era sustentável – para retirar a competência sobre o julgamento aos tribunais da Catalunha e para que o Supremo Tribunal pudesse “fazer dele o que queria para acabar substituindo uma importante contestação, embora pacífica, num delito, não de opinião, mas de sedição”.
Pelo seu lado a PAH (4) considerou que a sentença do Supremo Tribunal estabelece que o delito de sedição se comete agora “ também quando os agentes têm de desistir e deixar de cumprir a ordem judicial de que são portadores, perante a constatação de uma atitude de oposição à sua execução por um aglomerado de pessoas, em clara superioridade numérica”. E acrescentam que “na PAH exercemos, há mais de dez anos, no dia-a-dia, a desobediência civil para travar o drama que representam os despejos, neste Estado. É por isso que vemos com preocupação o retrocesso dos nossos direitos, com o que significa a sentença”, e perguntam- se: “Porque penalizar com prisão pessoas por exercer os seus direitos? É uma sedição manifestar-se para desobedecer a uma ordem judicial? Então é também sedição concentrar-se para parar um despejo?”. Para concluírem “que nós continuaremos nas ruas, parando os despejos e desobedecendo a leis injustas, e se, para a Justiça, isto é sedição, seremos sediciosos”.
A PAH põe o dedo na ferida. As liberdades não são divisíveis, e a sentença contra os republicanos catalães é uma sentença contra todos os que ousem desafiar o regímen, as suas leis e as suas decisões judiciais. Por isso todos os democratas, todas as organizações do movimento operário devem ser unânimes na rejeição da sentença e na exigência de liberdade imediata para os presos. Por isso devem rejeitar o lugar que o governo lhes oferece, numa frente “democrática” contra o povo catalão.
Esta semana vivemos na Catalunha uma mobilização de características diferentes.
A juventude reagiu massivamente contra as sentenças franquistas, ultrapassando todas as previsões e a capacidade de enquadramento dos partidos catalães. “Somos pacíficos mas não somos patetas”. Exigem uma República do Povo contra a polícia “nacional ou catalã”.
A maioria da classe operária da Catalunha e de todo o Estado não teve os meios para reagir; mas, não nos enganemos, a brutal propaganda monárquica não esmagará o descontentamento e o mal-estar.
As mobilizações na Catalunha anunciam as batalhas massivas que se preparam, em todo o Estado, e que colocarão às organizações um dilema crucial: ou pôr-se à sua cabeça ou arrastar-se atrás do Regime e do capital financeiro. Pela nossa parte, situamo-nos ao lado das reivindicações e dos direitos, pela liberdade dos presos, pelo direito a decidir, pela defesa das pensões de reforma… contra a violência do Estado e das suas instituições.
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(1) Trata-se de um texto da responsabilidade do Comité Central do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção da 4ª Internacional em Espanha), publicado a 21 de Outubro de 2019.
(2) O conjunto dos três partidos da Direita e Extrema-Direita (PP, Ciudadanos e Vox).
(3) Iñigo Errejón é dirigente do Podemos.
(4) PAH – Plataforma dos Afectados pela Hipoteca.