Espanha: Não ao Orçamento de guerra!

Manifestação em Madrid, a 22 de Outubro de 2022, para dizer “NÃO” a cortes de 50% no número de médicos e de enfermeiros que o Governo autonómico quer fazer.

O governo de Pedro Sánchez e Yolanda Díaz apresenta-nos, mais uma vez, o chamado “Orçamento social”. Mas, por detrás da propaganda, esconde-se a realidade dos números. Porque os Orçamentos são contas… e não contos.

E esta realidade mostra algo que é ressentido pela maioria dos trabalhadores (estejam eles no activo, ou sejam reformados ou desempregados) e dos jovens de todas as cidades do nosso país: um quarto da população já está em situação de pobreza, e esta percentagem tem vindo sempre a aumentar, o poder de compra diminuiu mais de 6 % este ano para a maioria das populações (em especial, devido ao aumento de bens essenciais, tais como a energia, os combustíveis e os alimentos). E os planos de despedimento na indústria continuam a ter lugar, uns após outros. Não há necessidade de acrescentar mais facto a este quadro.

Será que este Orçamento responde às necessidades da população?

O item que mais aumenta – com um aumento real de 126% – são as despesas militares (aquilo a que chamam Orçamento “para a defesa”). O segundo, 31 mil milhões, serão gastos no pagamento de juros da Dívida pública, o que representa mais de 2% do PIB. Os únicos empregados que recebem um aumento salarial digno desse nome são os polícias e os guardas civis. Enquanto jorra dinheiro para armas e corpos repressivos, a Saúde está exangue na sequência da pandemia, a Educação continua com salas de aula superlotadas, e centenas de milhares de jovens vêem negado o acesso ao Ensino profissional público. Esta é a realidade: trata-se de um Orçamento que impulsiona a guerra militar e promove a guerra social.

O Governo elaborou contas que estão subordinadas aos ditames de Biden, que decretou que a guerra deve continuar, porque é do seu interesse que o povo ucraniano, o povo russo e todos os povos da Europa sejam sangrados na sua guerra pelo controlo das matérias-primas e dos mercados.

Parar a guerra agora, parar a guerra social, é uma exigência que qualquer organização que pretenda defender os trabalhadores e a democracia deve fazer, recusando qualquer consenso de apoio à guerra.

O carácter retrógrado deste Orçamento é acentuado pelo facto de que em várias comunidades autónomas – como é o caso da Andaluzia ou da Catalunha – os Orçamentos de 2022 para investimentos em infra-estruturas e serviços não estão a ser executados.

Democracia e Orçamento

É-nos apresentado um projecto de Orçamento do Estado que sofre de uma enorme falta de transparência. Mais uma vez, estamos a vivenciar uma verdadeira ocultação das despesas. Entre o valor declarado pela ministra Irene Montero em despesas militares (12 mil milhões de euros) e a realidade (27 mil milhões de euros) há uma grande disparidade. A ocultação das despesas é uma constante herdada do regime de Franco. De facto, o mesmo acontece com as Contas da Segurança Social, em relação às quais o Governo se recusa a realizar uma auditoria, apesar de isso ter sido votado nas Cortes (Parlamento). E o mesmo se aplica às despesas da Casa Real, que oficialmente seriam pouco mais de 8 milhões de euros, quando, na realidade, são mais de 500 milhões de euros, uma vez que as respectivas despesas estão repartidas por vários ministérios.

Todas as contas sofrem de um encobrimento sistemático: o Governo, em continuidade com os governos anteriores, está a tentar não só enganar, mas “vender gato por lebre”.

Haverá algo mais democrático do que responder às verdadeiras reivindicações dos trabalhadores? Elas são: o aumento dos salários e das pensões em função da inflação, o fim das despesas militares, o restabelecimento dos orçamentos necessários para a Educação, os cuidados de saúde e o bom funcionamento de todos os serviços públicos. Isto tem como conteúdo dizer: Fim à guerra JÁ!

Editorial do jornal Información Obrera (Informação Operária) – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – nº 374, de 2 de Novembro de 2022.

Espanha: Após o sucesso de 15 de Outubro, temos de continuar a defender as pensões públicas

No cartaz da Coordenadora dos Pensionistas de Madrid, pode ler-se: “Nem um passo atrás!” / “Pensões públicas para tod@s”.

A mobilização de 15 de Outubro foi um sucesso. A Polícia municipal de Madrid estimou que cerca de 25 mil pessoas participaram; já conhecemos a generosidade da Polícia quando se trata de contar os manifestantes, pelo que falar de 40 mil pessoas a participar na manifestação não é um exagero.

O número torna-se ainda mais relevante se for contextualizado com a campanha do Governo, antes de 15 de Outubro, para esvaziar a afluência às ruas. No entanto, essa campanha foi um resultado do apelo à própria manifestação – levada a cabo pela COESPE (1) e por todas as organizações do movimento dos pensionistas – uma vez que o aumento das pensões de aposentação, para 2023, será baseado no IPC (Índice de Preços no Consumidor) acumulado até Novembro, representando um aumento das pensões em cerca de 8,5%, o que é uma boa notícia.

Contudo, não nos iludamos, o aumento médio do IPC até Setembro atingiu 9%, dado que durante a primeira metade do ano se manteve acima dos 10%; portanto, os 8,5% estão abaixo do IPC médio estimado para este ano; arrisca acontecer como em 2021, ano em que o Governo estabeleceu 2,5% como IPC médio, quando o IPC real foi de 6,5%.

Mais uma vez, e já há muitas na História, é evidente que a mobilização é a única forma de as classes trabalhadoras conseguirem as suas reivindicações. O efeito total que esta manifestação pode ter a favor do Sistema Público de Pensões continua por ver, mas ninguém pode negar o facto de que no ano passado (a 16 de Outubro) outra manifestação, muito massiva, exigiu uma auditoria às contas da Segurança Social; hoje, essa exigência está consubstanciada na Lei 21/2021: uma lei não cumprida até à data pelo Governo, no que diz respeito à sua sexta Disposição Adicional.

A manifestação de sábado 15 de Outubro não exigiu apenas que a Lei fosse cumprida e que a auditoria fosse levada a cabo. Exigiu também que o Governo retire a pretensão, que o ministro da Segurança Social tornou pública, de alargar de 25 para 35 anos o período de descontos para o cálculo da pensão, uma alteração que implicaria uma perda de 8% nas futuras pensões.

Por outro lado, e dada a subida que a acção especulativa está a causar nos preços, o apelo exigia que as pensões e os salários fossem aumentados com base no IPC real. De facto, desde o início deste século XXI tem habido uma desvalorização salarial sistemática: primeiro com a entrada em vigor do euro, depois com a crise económica e imobiliária de 2008, e agora com a pandemia e a desculpa da guerra.

Não é por acaso que, em Espanha, estamos a exigir o mesmo que os trabalhadores britânicos exigem há meses, ou o que os trabalhadores franceses exigiram em Paris, no dia seguinte à nossa manifestação: aumentos salariais iguais ao IPC, dado o quão insuportável o custo de vida se está a tornar para os trabalhadores assalariados. A diferença é que no Reino Unido e em França os sindicatos e as forças políticas de esquerda estão na linha da frente da mobilização e aqui estão ausentes.

A manifestação de 15 de Outubro foi um sucesso, mas temos de continuar a defender o Sistema Público de Pensões. Para tal, é essencial insistir na necessidade de uma auditoria às contas da Segurança Social. Se o Tribunal de Contas revelou que o Estado utilizou, indebidamente, mais de 103 mil milhões de euros em 24 anos (de 1989 a 2013), quanto dinheiro foi saqueado das pensões em 51 anos (de 1967 a 2018), que é o período que a Lei 21/2021 exige que seja analizado?

Não podemos permitir nem mais uma reforma regressiva. Foi revelada a “falsificação” que aponta o Sistema Público de Pensões como sendo inviável, uma montagem para benefício do negócio dos bancos e das companhias de seguros.

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(1) A COESPE é a Coordenadora Estatal para a Defesa do Sistema Público de Pensões.

Comunicado do Comité para a Aliança dos Trabalhadores e dos Povos (CATP)

do Estado espanhol, de 20 de Outubro de 2022

Proliferação dos incêndios em Espanha: quais são as suas causas?

Uma vez mais neste Verão, milhares de hectares estão a arder. Neste momento são 228 mil hectares, o número mais alto em 20 anos (já ultrapassando o número total de hectares queimados em 2012, até agora o pior ano).

As políticas ambientais e o controlo de incêndios estão, na Espanha das autonomias, na sua maioria transferidas para os governos regionais. E estes mostram-se impotentes para fazer frente a esta situação, pelo que foi lançada uma “guerra” entre os políticos que vivem das instituições, e que tentam fazer-nos acreditar que não têm qualquer responsabilidade nestes incêndios. Neste sentido, podemos ouvir dizer que a culpa é do aquecimento global, dos ecologistas, do outro Governo, …

Aquecimento global e para além dele

Não podemos negar o aquecimento global (embora haja quem conteste de forma razoável quais as suas causas), mas é um facto que milhões de hectares de matas estão abandonados, sem qualquer tipo de limpeza nem manutenção, transformando-as em pasto fácil para as chamas. Como assinala um comunicado da UGT, “as alterações climáticas provocam fenómenos extremos, como as ondas de calor que temos vindo a sofrer, mas as ondas de calor não pegam fogo às montanhas, ainda que influenciem, de uma forma muito clara, que ardam. Os nossos montes estão sujeitos a um stress hídrico muito elevado, que os torna mais inflamáveis; o que, juntamente com o abandono do mundo rural e o abandono das culturas faz que estejam cheios de combustível vegetal, pronto a arder”.

Deitar a culpa ao aquecimento global tem uma vantagem para aqueles que o fazem. Permite-lhes diluir a responsabilidade e, além disso, permite-lhes fazer campanha a favor dos “necessários “sacrifícios” que a população deve fazer. Sacrifícios como o encerramento de minas, a conversão das indústrias para a “economia verde”, com a perda de milhares de postos de trabalho, ou inclusivamente as propostas ultra-reaccionárias de “decrescimento” – por muito que sejam apresentados como o máximo do progressismo – segundo as quais a população trabalhadora tem de aceitar a ideia de viver pior… “para salvar o planeta”. E, além disso, permite evitar colocar a ênfase sobre a responsabilidade dos governos autonómicos, que na Espanha das 17 autonomias de feudos são responsáveis pelo meio ambiente.

O que nenhum Governo autonómico pode negar é a precaridade dos serviços de prevenção e extinção de incêndios.  Os órgãos de Comunicação social têm revelado a falta de bombeiros florestais (inclusivamente há até parques naturais onde a maioria dos bombeiros são voluntários), a extrema precariedade das suas equipas, as más condições de trabalho, o desprezo dos governos autonómicos para com este sector de trabalhadores. Contratam-nos por alguns meses no Verão (muitas vezes como permanentes descontinuados, o que engorda os falsos números de contratos por tempo indeterminado, que são atribuídos à última reforma laboral), são pagos com pouco mais de mil euros por mês, para um trabalho muito árduo com jornadas extenuantes, e, como aconteceu em Castela e Leão, recebem como alimento umas míseras sanduíches quando estão a apagar incêndios. Têm de ser os moradores vizinhos e algumas ONGs quem se preocupa em fornecer-lhes uma refeição decente.

No comunicado acima mencionado, a UGT exige, com razão, “um reforço das operações de combate aos incêndios, dotando estes profissionais de um quadro regulamentar que os dignifique. É fundamental que estes profissionais tenham contratos estáveis e condições de trabalho dignas e seguras. Os trabalhos de combate a incêndios geram numerosos riscos para a saúde e segurança das equipas de extinção – precisamente hoje é o 17º aniversário do incêndio de Guadalajara, em que faleceram 9 bombeiros florestais e 2 agentes ambientais”.

Tudo isto, sem esquecer que as reclamações do colectivo de bombeiros florestaispara além das melhorias no seu trabalhoé que, como sociedade, façamos o trabalho preventivo que não depende deles, cuja tarefa é apagar os fogos.

A destruição programada do meio rural e da produção agrícola

Há que ter em conta que, em grande medida, os montes já não fornecem matérias-primas e, portanto, numa economia capitalista são espaços marginais. Boa parte das florestas actuais é o resultado da sua sobreexploração até meados do século XX. No Estado espanhol, até às décadas de1950 e 1960, o combustível para cozinhar (nas cozinhas económicas), na indústria da cerâmica, padarias, etc., era a biomassa dos montes. Agora estes foram convertidos em espaços “economicamente inúteis” e, portanto, abandonados.

Alguns – muito poucos – explicam outra das causas da propagação descontrolada dos incêndios: estão abandonados milhões de hectares de terras que antes eram cultivadas, e que quando estavam impunham uma solução de continuidade entre zonas de floresta e mato, limitando a extensão dos incêndios. Segundo o Fundo Espanhol de Garantia Agrícola (FEGA), a superfície não explorada ascende a cerca de 2,23 milhões de hectares, o que representa 7,4% da área total. Isto inclui terras de cultivo arável, pomares e pastagens.

Desta área total sem aproveitamento, cerca de 48% do total, com quase 1,1 milhões de hectares, correspondem a superfície de terras de cultivo, dos quais 43,2% (ou seja 963.001ha) são terras de cultivo permanente, e os restantes 9,1% (202.651ha) são pastagens permanentes.

Dentro da área sem aproveitamento nas culturas permanentes, mais de metade são pomares; outros 26,5% são olivais; 13,2% são vinhas, e os restantes 5,8% são árvores de citrinos.

Ao mesmo tempo, as zonas rurais estão a perder continuamente população. Espanha lidera na Europa, em termos de despovoamento rural. Depois de ser um dos países com maior percentagem da população rural quando aderiu à UE, actualmente só a Bélgica e a Holanda têm uma percentagem menor.

As zonas rurais de Espanha estão a caminho da marginalização e do despovoamento. Assim, só 19,68 % da população espanhola, no ano 2018, vivia em zonas rurais. O despovoamento começou na década de 1960, com a industrialização e a emigração para as cidades, mas não tem parado desde a entrada na UE.

Disseram-nos que ia ser um maná para a agricultura espanhola; mas, no final da década de 1980, a Espanha tinha cerca de 10% da população activa na agricultura, hoje tem menos de 6%. Em 1980, viviam em zonas rurais 2.317.500 pessoas. Em 2002, apenas 1.114.700 viviam no campo. E as taxas de desemprego desta população passaram, nesse período, de 4,9% para 15,1%.

Esta desertificação, em termos de produção e de população do meio rural espanholque o converte em pasto para incêndios, tem um responsável que todos os políticos são muito cuidadosos em citar: a União Europeia e a sua Política Agrícola Comum (PAC). A PAC encorajou o abandono das terras de cultivo, impôs quotas de produção que fazem que Espanha seja deficitária em produtos como o leite e os cereais (a Espanha terá de importar, este ano mais de metade do que consome). Em benefício das multinacionais alimentares norte-americanas (que, de acordo, com algumas notícias, compraram recentemente milhões de hectares de cultivo na Ucrânia). A PAC é responsável por uma boa parte do despovoamento e abandono do meio rural. E, portanto, da propagação dos incêndios. A União Europeia não tem uma política florestal comum. Esta é uma questão que nem sequer é mencionada nos seus Tratados.

As empresas de distribuição, que controlam os preços dos produtos agrícolas e impõem aos agricultores e criadores de gado preços que não compensam os custos e o esforço de produção (enquanto especulam com os preços de venda ao consumidor, provocando a subida do Índice dos Preços ao Consumidor dos alimentos), são também responsáveis pelo abandono da produção agrícola. Não basta fazer votar leis que, supostamente, impeçam a venda com prejuízo. A única saída é a nacionalização das empresas distribuidoras, criar empresas estatais de distribuição de alimentos que consigam preços justos para os produtores e os consumidores.

O abandono do cultivo levou a um enorme aumento das áreas de mato e de floresta. Segundo dados do Banco Mundial, a Espanha ganhou 33,6% de área florestal desde 1990. Concretamente, passou de 27,65% de território natural coberto por florestas (em 1990) para 36,9% (em 2016). A Europa tem mais massa florestal do que tinha há séculos atrás. Por exemplo, a França passou, desde 1980 até aos nossos dias, de 25,9% da área total do território para 31%.

Assim, o que está a acontecer em Espanha repete-se na União Europeia. Segundo os dados de Copernicus (programa da UE para o controlo do meio ambiente), a área queimada este ano é três vezes maior do que a média dos últimos 15 anos.

Manter e recuperar a produção agrícola e industrial

Face à ditadura das multinacionais agrícolas, impostas através da PAC, e às ameaças de destruição da indústria, sob o pretexto da “economia verde”, defender o emprego e o futuro das classes trabalhadoras, exige que seja mantida e recuperada a produção agrícola e industrial. É responsabilidade das organizações da classe trabalhadora organizar a luta unida em defesa dos postos de trabalho, contra o encerramento de empresas industriais, e em defesa de preços justos para os produtos agrícolas.

Carta Semanal do Comité Central do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI) – Secção da 4ª Internacional em Espanha – nº 899, de 8 de Agosto de 2022