O Pacto Verde europeu

Tradução em Português da Carta semanal nº 988, de 22 de Abril de 2024, editada pelo POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista – Secção espanhola da 4ª Internacional).

“O Pacto Verde para o Clima está a emergir como a estratégia de crescimento económico da União Europeia. Ele inclui um pacote de iniciativas políticas destinadas a colocar a UE na via de uma transição ecológica com o objetivo de neutralidade em termos de emissões/absorção de CO2 até 2050. Ele constitui a base para transformar a UE numa sociedade equitativa e próspera, com uma economia moderna e competitiva.”

Foi assim que a 3.º Vice-Presidente do Governo (de Espanha), a srª Ribera, defendeu o Pacto Verde. A UE, essa instituição do capital financeiro e dos governos, em nome da crise climática (que não temos razões para negar), das emissões de CO2, etc., está a tentar impor certas medidas de descarbonização, de desindustrialização, de crescimento, etc., que afectam as conquistas da classe trabalhadora e o seu próprio futuro.

Eles querem que acreditemos que também estão preocupados com o futuro do planeta. Que, como membros da raça humana, temos interesses comuns. Mas a sociedade está dividida em classes sociais, e essas classes têm interesses contraditórios.

Os governos dos países da União Europeia, seguindo esta orientação, querem transformar a economia e a sociedade; e, para isso, cada reunião de governantes e técnicos estabelece inúmeros calendários. Em particular, querem que a Europa seja neutra em carbono até 2050, ou seja, que não aumente as emissões de CO2. Na verdade, a UE e os seus governos preocupam-se realmente com o planeta e a Ecologia?

Vejamos:

  • Durante a Cimeira Verde da ONU em Glasgow (OP 26 – 2021), a imprensa salientou que várias potências estavam a investir para aumentar a produção de petróleo e de gás. Isso não impediu que essas potências assumissem novos e mais exigentes objectivos “verdes”, sem pestanejar. Centenas de bancos e financeiras comprometeram-se a injectar 130 mil milhões na redução das emissões de CO2 e nas energias limpas, mas continuaram a investir no carvão.
  • Na altura da Cimeira do Dubai (Emirados Árabes Unidos), em Novembro/Dezembro de 2023, foi feito o primeiro balanço global desde a Cimeira de Paris (2015). Quase todos os membros do Grupo dos Vinte tinham aumentado a produção e a utilização de combustíveis fósseis.
  • Tudo indica que, até 2030, os objectivos “verdes” não serão atingidos e que, até 2050, a Europa não será neutra em termos de CO2. Entretanto, os governos terão imposto inúmeras leis em nome destes objectivos “verdes”. Porquê? O capital, para sobreviver, para se reproduzir e expandir, para evitar a falência, arruinado pela concorrência, precisa de obter lucros, quantos mais melhor. Sendo esta a sua prioridade incontornável, ele explora o Homem e a Natureza sem qualquer consideração. E na sua actual fase de podridão, ele tem de abrir novos “nichos” de negócio e novos mercados, destruindo a indústria e a agricultura, bem como todas as conquistas sociais.

E, para se proteger, o capital disfarça os seus objectivos como a luta contra as alterações climáticas, a luta para “salvar o planeta”, blá, blá, blá, blá.

Vejamos algumas das consequências do Pacto Verde Europeu.

O lugar do “verde” nas despesas

A Comissão Europeia comprometeu-se a mobilizar, pelo menos, mil milhões de euros em investimentos sustentáveis, durante a próxima década. Investimentos em quê? Para produzir o quê? Para que serviços?

Para começar, dedica aos “investimentos ecológicos” 30% do Orçamento plurianual da UE (2021-2028) e o instrumento único NextGenerationEU (NGEU) para recuperação dos efeitos da pandemia de COVID-19. Será que esta enorme soma vale alguma coisa quando os serviços estão no limite e está planeada uma enorme reconversão industrial? Será que estas enormes despesas, supostamente ecológicas, vão contra as necessidades mais básicas da população? Trata-se de Fundos de que os capitalistas se aproveitam para fazer negócio, os mesmos capitalistas que, por outro lado, investem no petróleo e no carvão.

Por outras palavras, os sectores produtivos continuarão a ser sacrificados, os serviços continuarão a ser sacrificados, o CO2 não será reduzido, mas os parasitas continuarão a sugar do pote.

O capital financeiro obtém, assim, financiamentos públicos para investimentos que não seriam rentáveis se os realizasse por si próprio.

E agora vai ser pior. Durante a Presidência espanhola da UE, foram aprovadas regras fiscais que restabelecem os critérios de Maastricht (que obrigavam os governos a manter o Défice orçamental e a Dívida pública abaixo de 3 % e 60 % do PIB, respectivamente). Estes critérios conduziram a políticas criminosas de austeridade, e dizem-nos que, desta vez, isso será feito com “flexibilidade”. A aplicação das exigências “verdes” será o encerramento de fábricas e o abandonar dos campos, com indemnizações mínimas. O que conduzirá a perdas de sectores da população e a explosões sociais como a dos camponeses.

As regulamentações governamentais e o aparecimento de Fundos verdes

A criação dos Fundos europeus trouxe novidades: cria-se uma situação em que uma parte dos 27 orçamentos dos Estados da UE é coberta por Fundos europeus, sujeitos a uma complexa rede de autorizações e controlos.

A irrupção destes Fundos é uma interferência de agências que trabalham para o capital, passando por cima de todos os mecanismos de cada Estado e sem outro controlo que não seja o da “justiça europeia”, que não deriva de nenhuma soberania nacional, mas da liberdade do capital de lucrar, de acordo com o seu lema de “concorrência livre e não falseada”.

Outro capítulo é o dos impostos verdes, que distorcem de raiz o sistema fiscal. Assim, entre as exigências que acabam de ser feitas pela Comissão Europeia sobre as vulnerabilidades da economia espanhola, inclui-se o “aumento dos impostos verdes”, como forma de aumentar as receitas de cobrança de impostos, que pouco têm a ver com o CO2 e cujo aumento recai sobretudo sobre as famílias e não sobre os trusts que poluem as terras, os mares e a atmosfera. Trata-se de impostos sobre bens físicos que são prejudiciais ao ambiente. Por exemplo, a enorme quantidade de CO2 gerada pelo fabrico de carros eléctricos torna esse carro mais nocivo, mas apresentam-no como um benfeitor porque, quando circula, emite menos CO2 do que um carro tradicional.

Aquilo que é democrático é os impostos não serem finalistas, impostos que cada Estado deve decidir como cobrar e como gastar. Isso acontecia antes da “ordem verde”, que nada mais é do que um instrumento das classes dominantes para submeter o povo aos seus ditames.

Transformar todos os sectores da economia para cumprir os objectivos climáticos

O capital financeiro exige a transformação de todos os sectores da economia, sob pretexto de atingir o objectivo climático de 2030.

Não perguntem se isso cria empregos ou os destrói, se produz bem-estar ou se o elimina: o importante é o CO2.

Os agricultores europeus denunciam: a UE verde quer desmantelar a agricultura

O Pacto promete biodiversidade e agricultura sustentável. Transformar a agricultura para que não polua e reduzir o impacto ambiental da produção de alimentos. Não diz que isso significa desmantelar sectores agrícolas inteiros, destruir uma boa parte das culturas.

Os agricultores de toda a Europa insurgiram-se contra a política europeia (retirada de terras da produção, emissões de CO2, utilização de pesticidas, impostos “verdes”, etc.), que está a ser aplicada por todos os governos, que os condenam a abandonar as suas explorações, para que o mercado seja invadido pelos produtos das multinacionais instaladas em África, na Índia ou nas Filipinas, onde os trabalhadores quase não têm direitos e o Meio ambiente não é respeitado. Na melhor das hipóteses, o agricultor poderia vender a sua terra, com um desconto, a grandes empresas que as explorarão com imigrantes (sem ou com papéis).

As organizações de agricultores constataram que agora – depois de terem sido confrontadas com as sucessivas versões da PAC (Política Agrícola Comum) – o Pacto Verde tem como objetivo desmantelar uma grande parte da produção.

Como se pode ver, o trabalho agrícola pode poluir menos, ou mesmo não poluir de todo, mas o capital não considera rentável proteger o Meio ambiente, prefere comprar terras em África ou noutros países e aí produzir para ser mais “competitivo”.

A grande reconversão industrial

De acordo com o Pacto Verde, trata-se de a mobilidade se apoiar na utilização de automóveis novos e limpos. Dizem que isso será “liderar a terceira revolução industrial”: criar empregos e impulsionar o crescimento.

Espera-se que 30 milhões de veículos sem emissões de gases estejam a circular nas estradas da Europa até 2030.

Será criado um regime de comércio de direitos de emissão para a indústria e os transportes. A partir de 2026, os transportes rodoviários pagarão um preço pela poluição. Será reforçada a tarifação do carbono na indústria.

É sabido que fabricar um automóvel elétrico requer 30% menos mão-de-obra do que um automóvel tradicional e que é mais cara a sua aquisição. Mas, em lado nenhum se especifica quantas dezenas de milhares de postos de trabalho serão cortados na actual indústria automóvel e quantas centenas de milhares (ou mesmo milhões) de postos na indústria auxiliar.

Em Setembro de 2023, a Associação Espanhola de Fabricantes de Veículos e Camiões (ANFAC) e a Associação Espanhola de Fornecedores do Sector Automóvel (SERNAUTO) publicaram o estudo “Novos desafios do sector automóvel em Espanha”. A indústria automóvel espanhola vê-se ameaçada pelo declínio da procura e por problemas na oferta. Procura manter a sua competitividade apoiando-se numa nova política industrial presidida pela decisão da UE de que, até 2035, todos os veículos vendidos na Europa serão eléctricos.

Os fabricantes lançam uma campanha para que os Estados (central e regionais) financiem e apoiem o sector e para que todo o Estado se reorganize em torno de centros de decisão acessíveis aos fabricantes.

O Governo paga e apoia

Em Fevereiro, num Fórum da ANFAC, Pedro Sánchez respondeu: “Vamos estar ao lado do sector para fazer de Espanha um grande centro logístico de electro-mobilidade. Vamos apoiar os planos de ajuda e o impulso das infra-estruturas de recarga. O roteiro do Executivo passa pelas parcerias público-privadas, os Projectos Estratégicos para a Recuperação e Transformação Económica (PERTE) e vamos modificar o dispositivo Moves (Plano de transição para veículos elétricos)”.

A Directora-Geral Adjunta para a Indústria da Comissão Europeia recorda a “complexidade” da operação, uma vez que 2,4 milhões de trabalhadores têm de ser reciclados (despedidos?) ou receber nova formação.

O Pacto verde significa milhões de operários e de camponeses despedidos.

Epílogo: a linguagem das mentiras

O capital reconhece as suas falsidades enunciadas de uma forma vergonhosa. Em Quioto fixaram-se alguns objectivos irrealizáveis. E, depois, criaram um mercado (de licenças para produzir CO2) que vende e compra o não cumprimento desses objectivos. Ora, não se deveria libertar tanto CO2 nas estradas. Mas isso não é viável. Então criam um mercado baseado nos incumprimentos. Ou seja, mais espaço para a especulação.

Evidentemente que as burguesias e os Fundos têm os seus interesses… e o CO2 é a última coisa com que se preocupam. Na realidade, existem os meios tecnológicos para inverter a situação, mas isso não interessa ao capital… porque não é “rentável”.

Se partirmos dos interesses da classe trabalhadora e dos povos, ninguém pode resolver os problemas existentes sacrificando o emprego e o bem-estar à redução de CO2. Isso não é possível. Há que partir de uma definição da situação do planeta de forma diferente, que atribua a responsabilidade da destruição aos interesses do capital.

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