Hiroshima…

A Cimeira do G7 realizou-se este fim-de-semana em Hiroshima (Japão), uma cidade considerada cidade da paz. Todos os chefes de Estado, liderados por Biden, depositaram flores no memorial aos mortos. Hiroshima, um símbolo da paz? Não, Hiroshima é um símbolo da barbárie imperialista.

Em 1945, a Força Aérea norte-americana lançou uma bomba atómica sobre Hiroshima, 150.000 pessoas foram mortas em apenas alguns minutos. Durante décadas, em consequência da radioactividade, as crianças nasceram mortas ou com terríveis deficiências. E são estas as pessoas que nos falam de crimes de guerra! Macron falou de uma “Cimeira de paz”. Zelensky, a estrela americana da Cimeira, falou desta reunião como sendo um passo para a paz.

Paz? Biden, pela primeira vez, acaba de dar luz-verde para enviar aviões norte-americanos F-16 para a Ucrânia. A Dinamarca e outros países anunciaram que vão treinar pilotos ucranianos. Macron também anunciou essa decisão. No último dia do G7, Biden – ao anunciar o fornecimento de novas armas e outro material militar – concedeu à Ucrânia uma verba adicional de 375 milhões de dólares.

Um passo em direcção à paz? Não, um passo para a intensificação da guerra, o que significa massacres e morte para dezenas de milhares de Ucranianos e Russos.

Os fornecimentos de armas, e nomeadamente de caças F16, aumentarão a intensidade dos combates e agravarão ainda mais a crise em toda a Região e em todo o Mundo.

É de notar que, neste concerto de guerreiros, os presidentes Lula (do Brasil) e Modi (da Índia) se recusaram a participar no conjunto de vozes belicosas e apelaram à paz.

Por detrás destes apelos à guerra sem fim há interesses políticos: desmantelar a Rússia, visando a China – aliás, a Cimeira discutiu a concorrência económica com a China, com um discurso solene dirigido ao Presidente chinês. Mas há também interesses económicos: a indústria do armamento está a funcionar a todo o vapor.

A França é actualmente o segundo maior exportador – atrás dos EUA, mas à frente da China de armas. Em 2021, a França vendeu cerca de 17 mil milhões de euros em equipamento militar.

A continuação desta guerra ameaça a humanidade. Ninguém sabe o resultado. Os belicistas e os seus apoiantes mesquinhos são responsáveis pelo que poderá acontecer.

Para os internacionalistas, proteger a humanidade não é apenas lutar pela paz e, portanto, lutar contra o capital. “O capitalismo traz a guerra como a nuvem traz a tempestade” (Jean Jaurès). Não se pode lutar contra a guerra sem lutar contra o capital, e não se pode lutar contra o capital sem lutar contra a guerra.

A verdade e as mentiras

Como todos sabemos, e como a Imprensa não pára de repetir, Putin e o seu clã de oligarcas estão a enriquecer à custa da Rússia. Mas a Imprensa mantém-se discreta sobre os oligarcas ucranianos, que não têm nada a invejar aos oligarcas russos.

Zelensky e a sua mulher possuem um apartamento, na Crimeia, numa estância balnear na Toscânia. O preço de compra desta moradia foi de quase quatro milhões de euros. Zelensky também comprou uma casa em Londres. Zelensky possui ainda cinco apartamentos em Kiev e uma casa no interior da Ucrânia. A revista norte-americana Forbes estimou, em Abril de 2022, que a fortuna do Presidente ucraniano se situava entre 20 e 29 milhões de dólares.

Crónica, da autoria de Lucien Gauthier, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 758, de 24 de Maio de 2023, do Partido Operário Independente de França.

Brasil: Nada cairá do céu sem mobilização!

Dada a nova situação no Brasil, após a eleição de Lula, e depois da polémica que gerou a recusa de convidar o Presidente do Brasil a discursar na sessão solene parlamentar de comemoração do 25 de Abril (com receio de que Lula pusesse em causa o envio de armas do Governo português para Zelensky?), considerámos importante publicar o Editorial do nº 913 do jornal da Corrente “O Trabalho” (Secção brasileira da 4ª Internacional) do PT.

O próximo dia 8 de Março – dia internacional de luta da mulher trabalhadora – terá lugar num mundo marcado pela guerra na Ucrânia, que acaba de completar um ano e contra a qual as mulheres estiveram na linha de frente de mobilizações ocorridas na Europa.

No Brasil, nas ruas em 8 de Março, as palavras de ordem de legalização e direito ao aborto seguro, de salário igual para trabalho igual, creches públicas e outras, serão acompanhadas, certamente, pelo grito “Não à amnistia” que ecoou desde a posse de Lula e ganhou ainda maior importância após a tentativa golpista de 8 de Janeiro.

Afinal, dois meses passados, ainda que haja centenas de presos, os organizadores graúdos do assalto às sedes dos três poderes ainda não foram punidos, muitos nem sequer indiciados. Os golpistas continuam aí.

Enquanto Bolsonaro, a partir os Estados Unidos da América, acena aos seus partidários presos ou soltos, gravações áudio feitas pelo general Tomás Paiva, actual comandante do Exército, deixam claro o pensamento dos militares de alta patente sobre os “indesejáveis” Lula e PT, bem como o desejo de continuarem a exercer a sua tutela sobre a República (1) com consequências nefastas para o povo, como o genocídio dos Yanomami (2) e a tragédia do litoral paulista (3).

Soma-se a isto a reacção do presidente bolsonarista do Banco Central à sugestão de Lula de baixar os juros (4). Tudo a demonstrar que a punição dos golpistas, inclusive de chefes militares, como preconiza a Resolução aprovada pelo Directório Nacional do PT (pág. 4), a desbolsonarização do Estado e a revogação das medidas antipopulares adoptadas desde o golpe contra Dilma – como a Reforma Laboral, da Previdência (Segurança Social) e do Ensino secundário – não são “revanchismo” (como acusa os grandes órgãos da Comunicação Social) – mas uma necessidade para avançar na satisfação das demandas do povo trabalhador e para a reconstrução de um país soberano.

Avançar nesta via, no entanto, não pode depender da confiança nas actuais instituições carcomidas, na fábula de generais democratas, em juízes togados e muito menos na ampla – e frágil – coligação (governamental). Avançar nesta via só será possível através da mobilização popular.

O Governo anunciou o aumento do salário-mínimo para R$1320 (5). Não é o ideal, nem sequer o que reivindicavam as Centrais sindicais (R$1380), mas é um aumento real e um ponto de apoio para as campanhas em curso por aumentos salariais.

Lula também anunciou a ampliação da isenção do Imposto sobre o Rendimento para quem ganha até R$2640. Não é ainda para quem ganha até R$5000, como foi dito na campanha eleitoral, mas a medida beneficiará mais de 13,7 milhões de trabalhadores com contrato de trabalho assinado.

Renacionalizar a Eletrobras

O Governo ainda adoptou outras medidas, como o reajustamento do Salário-base dos professores em 15%, que deve ser exigido aos Prefeitos e Governadores dos Estados federais, o reajustamento das bolsas de pós-graduação em 40% e está em negociação com os funcionários federais propondo um reajustamento acima da inflação (embora abaixo das perdas de poder de compra acumuladas).

São medidas promissoras, que devem ser reforçadas e ampliadas através da mobilização popular. É assim com a luta pela reversão da privatização do Metro de Belo Horizonte, pedida a Lula pelos seus trabalhadores que estão em greve há vários dias, e principalmente, a luta para renacionalização da Eletrobras, que é objecto de uma campanha nacional dos seus trabalhadores e que respeita à soberania nacional, com manifestação em Brasília no próximo dia 15 de Março.

Nada cairá do céu sem a luta dos trabalhadores e dos sectores populares pelas suas reivindicações. Ajudar a essa mobilização é a pauta das reuniões de base do Diálogo e Acção Petista (6) que se realizam em todo o país neste mês de Março. Juntem-se a nós!

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(1) Tutela garantida pelo artigo 142 da actual Constituição brasileira.

(2) Os índios Yanomamis são perseguidos e expulsos das suas terras pelos garimpeiros ilegais cujos delitos foram facilitados pela inacção de Bolsonaro em protegê-los.

(3) Referência às inundações mortíferas em São Sebastião, cidade costeira do Estado de São Paulo, a 21 de Fevereiro.

(4) As taxas de juro no Brasil (8 %) são as mais altas do mundo e fazem aumentar muito a sua dívida pública, enriquecendo os banqueiros e especuladores.

(5) Um real brasileiro vale actualmente 0,18 euros. O salário mínimo representa, portanto, 238,78 euros. O montante reclamado pelas Centrais era de 249,61 euros.

(6) O “Diálogo e Acção Petista” (DAP) é um movimento de base do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil, que combate para que o PT retome o caminho das suas origens. Os militantes da Corrente “O Trabalho” do PT participam no DAP.

Cimeira da UE revelou desacordos do par franco-alemão

Após onze horas de discussões pela noite dentro, esta última Cimeira da União Europeia teve como resultado o adiamento de qualquer decisão e um mandato vago dado à Comissão Europeia para fazer propostas no sentido de “mobilizar os instrumentos adequados a nível nacional e europeu”.

A subida dos preços da energia tem consequências, resumidas assim, a 12 de Outubro, pelo ministro checo da Indústria: “Se não encontrarmos uma solução, ela acabará com as pessoas nas ruas, uma economia enfraquecida, falências e um apoio popular menor às políticas climáticas e à ajuda à Ucrânia. Este Inverno será decisivo.”

A PREOCUPAÇÃO TRANSFORMA-SE EM PÂNICO

Uns dias antes da Cimeira da União Europeia, o Governo alemão decidiu unilateralmente desbloquear 200 mil milhões de euros para apoiar, na Alemanha, as famílias e as empresas ameaçadas de poderem falir.

Mas os outros países europeus não dispõem de meios para libertar tais somas, o que faz alguns recearem – retomando as palavras de Mario Draghi – “uma fragmentação do mercado interno”. E é por isso que a maioria dos países europeus, ao contrário da Alemanha, estão a pedir um limite ao preço do gás. Mas a Alemanha, com os meios que tem à sua disposição, não quer tal limite, porque a sua economia – muito dependente do gás – corre o risco de ver os fornecedores de gás (Noruega, EUA) irem vendê-lo noutros lugares (nomeadamente à China) se os preços forem limitados na Europa.

A única concordância da Cimeira… foi procurar encontrar um acordo

Daí que esta Cimeira europeia não tenha decidido nada, excepto… procurar encontrar um acordo. A crise aberta nesta cimeira tinha sido anunciada pelo cancelamento, no último momento, de uma Cimeira franco-alemã. Desde 2003, realiza-se todos os anos um Conselho de Ministros dos dois governos. A sua realização estava prevista para Julho, foi primeiro adiada, e depois foi remarcada para 26 de Outubro. O seu cancelamento, no último momento, revela a extensão das divergências entre a França e a Alemanha. Para além da questão dos preços da energia, o contencioso é vasto. Scholz deverá viajar para a China, no início de Novembro, acompanhado por vários homens de negócios alemães. Mas enquanto, em 2019, Macron convidou Merkel a participar no seu encontro com Xi Jinping, o presidente chinês, agora Scholz prefere encontrar-se a sós com ele, privilegiando as exportações da Indústria alemã.

NO CONTENCIOSO FRANCO-ALEMÃO HÁ TAMBÉM A QUESTÃO DA DEFESA

E, em vez de favorecer a compra de armas na Europa – ou seja, à Indústria de Defesa francesa – Scholz prefere comprar armas aos EUA e propõe a criação de um escudo europeu de defesa antimíssil, envolvendo 14 países da NATO… mas sem a França.

Há também a questão do gasoduto – que é suposto ligar a Espanha ao resto da Europa, através dos Pirenéus – chamado MidCat. Discutido desde o início da década de 2000, este projecto não interessa à França, ao contrário da Alemanha, que procura gás em todo o lado. Mas, sem o acordo da França nenhum gasoduto pode passar da Espanha para a Alemanha. Em vez disso, Macron propôs a substituição desse projecto de gasoduto por outro de transporte de hidrogénio (e algum gás), supostamente “verde”, permitindo assim um financiamento da União Europeia. Mas este projecto tem sido considerado, desde o seu início, como ‘obscuro’.

Como se pode ver, há muitas disputas e desacordos entre a França e a Alemanha. E sem um acordo franco-alemão deixa de existir União Europeia.

A União Europeia só tem continuado a viver – particularmente desde 2005 (fracasso dos referendos sobre a Constituição em França e nos Países Baixos) e 2008 (crise financeira global) – apoiando-se no par franco-alemão, as duas principais potências sem cujo acordo não pode ser tomada qualquer decisão na União Europeia. Aquilo que, em tempos idos, foi chamado o Merkozy (uma contracção de Merkel e Sarkozy).

E agora, com os desacordos franco-alemães estamos a assistir a uma verdadeira desintegração: a 6 de Outubro, pela primeira vez, um país – neste caso a Bélgica – absteve-se na votação do oitavo pacote de sanções contra a Rússia. A Espanha está com a Alemanha contra a França no projecto de gasoduto, mas está com a França contra a Alemanha sobre o limite de preço do gás… e muitas outras questões.

De uma unidade da União Europeia – construída durante décadas para servir de ecrã para a ofensiva de cada governo contra a sua própria classe trabalhadora, refugiando-se por detrás da aplicação das decisões europeias – hoje voltámos a ter um mosaico de interesses capitalistas divergentes, onde cada burguesia procura puxar a brasa à sua sardinha. Porque não existe uma burguesia europeia.

A 26 de Outubro, Macron e Scholz decidiram reunir-se sozinhos, em vez do Conselho de Ministros franco-alemão. Em que estarão ou não de acordo?

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Crónica da autoria de Daniel Shapira, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 729, de 26 de Outubro de 2022, do Partido Operário Independente de França.