A NATO, ontem e agora (1ª parte)

Tanques pesados norte-americanos são colocados na base do Prabade, na Lituânia, em Outubro de 2019, sob a supervisão de soldados do Exército dos EUA.

A guerra na Ucrânia trouxe para primeiro plano da actualidade esta Aliança militar, fundada e liderada de facto pelo governo dos EUA, cujo campo de acção não parou de evoluir.

O Tratado do Atlântico Norte, que criou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, ou NATO na sigla em Inglês), foi assinado em Washington, a 4 de Abril de 1949, por doze países: Bélgica, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Reino Unido, EUA e Canadá. No início deste processo (1941-1945), os EUA – a espinha dorsal desta Aliança – já não desejava estar directamente envolvido no Velho Continente, contando com o Reino Unido para aplicar a Carta Atlântica, assinada a 14 de Agosto de 1941. Foi realizada em Washington uma Conferência, entre 22 de Dezembro de 1941 e 14 de Janeiro de 1942, que definiu em detalhe os aspectos militares da Aliança: as áreas de operação foram identificadas e submetidas a um Comando interaliado, e foi constituído um Estado-Maior conjunto (com sede em Washington).

Entre as conferências de Teerão (Dezembro de 1943), Yalta (Fevereiro de 1945) e Potsdam (Julho de 1945), os EUA, o Reino Unido e a URSS de Estaline dividiram a Europa e o resto do mundo em zonas de influência. O acordo tácito continuou sempre a ser evitar que a guerra – “um acelerador vigoroso da História” (Lenine) – não transforme a raiva dos povos em revolução. Nesta partilha geográfica, a Europa tornou-se mais uma vez um desafio. A criação da NATO – uma estrutura militar – corresponde à afirmação do domínio imperialista dos EUA. A pretexto de defesa, esta coligação militar é transformada numa aliança, para dissuadir o eventual agressor: a URSS, bem como todos os países que erradicaram o capitalismo.

Em 1947, o Presidente Truman dos EUA apelou à “contenção do avanço comunista”, e a NATO tornou-se no braço-armado da política norte-americana. Tira a sua “legitimidade” do Artigo 5 do Acordo do Tratado do Atlântico Norte. “Uma segunda função é uma função implícita: a integração dos Estados aliados. De facto, a Aliança Atlântica criou uma interdependência entre os Estados-membros e imbuiu as suas elites governantes de uma cultura comum” (1). A “cultura comum” é a defesa do capitalismo, o regime da propriedade privada dos meios de produção. O primeiro Secretário-Geral da NATO declarou que o seu papel consiste em “manter os Russos de fora, os Americanos dentro e os Alemães sob tutela”. Face à NATO, a burocracia estalinista criou o Pacto de Varsóvia. Entre 1947 e 1989, houve uma subida em flecha das tensões e do sobre-armamento, especialmente em armas nucleares.

“UMA NOVA ERA”

Se ainda hoje o Conselho da NATO é apresentado como uma assembleia de nações com a mesma capacidade de decisão, ele não é nada disso. “Durante a Guerra Fria (…), o equilíbrio militar das potências era o denominador comum entre os Aliados da NATO e a sua linha de acção dominante, com os EUA a desempenharem o papel de líder único da Aliança” (2).

Porque é que a NATO não desapareceu com o fim do Pacto de Varsóvia?

Em 1991, a NATO publicou um artigo intitulado “Antigos adversários tornam-se novos parceiros”: “Seis dias antes da dissolução da URSS, a NATO já tinha reunido os seus membros e os países do antigo Pacto de Varsóvia, em torno da mesma mesa na Sede da NATO (…). Uma nova era estava a começar.” A era da “nova ordem mundial” de Bush sénior: a década de 1990 com mais de 80 conflitos, assegurando assim o escoamento das reservas de armas fabricadas durante a “guerra fria”; e, acima de tudo, onde cada conflito se tornou na bolha de oxigénio necessária à perenidade do Sistema capitalista, e de um dos seus pilares – o complexo militar-industrial.

A NATO esteve envolvida em bombardeamentos e operações terrestres nos Balcãs, no Afeganistão e na Líbia. A existência da NATO está, portanto, organicamente ligada ao uso da força e ao assegurar da manutenção do Sistema capitalista. Trinta países são agora membros desta Aliança.

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(1) Histoire de l’Otan, Charles Zorgbibe, éditions Complexe.

(2) La fabrique de l’Otan, Julien Pomaréde, éditions Sciences politiques de l’université de Bruxelles.

Crónica da autoria de David Gozlan, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 717, de 3 de Agosto de 2022, do Partido Operário Independente de França.

Privados que engordam com a guerra

Tropas e material de guerra transportados por privados de Lisboa para a Roménia.

Segundo o Diário de Notícias, de 15 de Abril, por “ausência de recursos próprios”, o Exército português contratou transportadoras privadas para levar militares, blindados e outros materiais para as forças nacionais destacadas na Roménia, no âmbito da missão da NATO “Tailored Forward Presence”. A factura é superior a um milhão e 200 mil euros.

PR diz serem necessários sacrifícios…

Presidente da República, referindo-se à Proposta de OE para 2022: “Eu diria que a guerra tem efeitos próprios, em Portugal e na Europa; enquanto durar tem efeitos e isso implica alguns sacrifícios”, e acrescentou que ninguém “deseja que dure para sempre”. (Expresso de 15 de Abril)

“Sacrifícios” pedidos a quem? O PR não está a dirigir-se, seguramente, àqueles que engordam com a guerra…

Rosa Luxemburg: 15 de Janeiro é a data do seu assassinato

A15 de Janeiro de 2019 fez 100 anos que teve lugar o assassinato de Rosa Luxemburg (e de Karl Liebknecht). Dada a actualidade da alternativa colocada ao Sistema capitalista e à Humanidade (que ela foi a primeira a formular e desenvolver) – “Socialismo ou barbárie” – pareceu-nos importante voltar a publicar o depoimento do nosso camarada Xabier Arrizabalo Montoro (dirigente da Secção da 4ª Internacional, em Espanha), escrito aquando desse centenário.

EM MEMÓRIA DE ROSA LUXEMBURG, MILITANTE OPERÁRIA E GRANDE TEÓRICA MARXISTA, NO CENTENÁRIO DO SEU ASSASSINATO

A 15 de Janeiro de 1919, Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht foram assassinados em Berlim pelos freikorps (grupos paramilitares, embrião das SA – “Tropas de choque” nazis), sob a responsabilidade do governo dos social-democratas liderado por Ebert, Scheidemann e Noske. Dois meses antes tinha rebentado a Revolução alemã, com a insurreição dos marinheiros de Kiel e – ainda que contida após o levantamento espartaquista (1) – a situação continuava a ser ameaçadora para a dominação burguesa (quatro dias depois Trotsky, num texto de homenagem a esses dois revolucionários, compara essa situação com as Jornadas de Julho de 1917, na Rússia).

A importância política de Rosa Luxemburg tinha crescido desde o dia 4 de Agosto de 1914, quando o Grupo parlamentar social-democrata votou a favor dos créditos de guerra. Quer dizer, cerrou fileiras com o imperialismo alemão, o seu inimigo de classe. Só votou contra o sector do Partido Social-Democrata (SPD) encabeçado por Clara Zetkin, Frank Mehring, os já mencionados Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, e outros – que constituía a Liga Espartaquista e que, a 1 de Janeiro de 1919, criou o Partido Comunista da Alemanha (KPD).

Rosa Luxemburg tinha nascido a 5 de Março de 1871, em Zamość, território polaco então controlado pelo império russo (o que correspondia a 18 de Março, no calendário gregoriano que vigorava na Europa ocidental, exactamente o dia em que começou a Comuna de Paris). Com quinze anos, Rosa já participava na organização política do movimento operário polaco, pelo que teve de exilar-se, primeiro para a Suíça e, em seguida, para a Alemanha, cuja cidadania obteve em 1898. Ali interveio politicamente, em especial contra o revisionismo reformista de Bernstein e de outros dirigentes social-democratas. Foi presa, várias vezes, por motivos políticos.

Foi uma grande teórica marxista, autora de muitas publicações como: Reformismo ou revolução (1900); Greve de massas, partido e sindicato (1906); A acumulação do capital (1913); Folheto Junius: A crise da Social-Democracia (1915); e Introdução à economia política, também conhecido como O que é a economia? (1916-1917). Deu importantes contribuições para temas cruciais, como a análise do militarismo ou a crítica à burocratização das organizações operárias. Além disso, escreveu uma grande multiplicidade de artigos e cartas. Foi co-fundadora do jornal Die Rote Fahne (“A bandeira vermelha”), cujo primeiro número apareceu a 9 de Novembro de 1918, e se tornou no órgão de expressão do KPD a partir de 1 de Janeiro de 1919.

Explicou, com clareza, porque é que se mantinha a dupla opressão das mulheres trabalhadoras, devida à lógica capitalista de exploração, pelo que a sua emancipação só poderia ser conseguida com a emancipação do conjunto das classes trabalhadoras: “A bailarina do music-hall – cujas pernas proporcionam lucro que vai para o bolso do empresário – é uma trabalhadora produtiva, enquanto a maior parte das mulheres e mães proletárias, dentro das quatro paredes das suas casas são consideradas improdutivas. Isto pode parecer brutal e uma loucura, mas corresponde exactamente à brutalidade e à demência do actual sistema económico capitalista. Compreender esta realidade brutal, de forma clara e perspicaz, é a primeira tarefa das mulheres proletárias” (Discurso nas II Jornadas de Mulheres Social-democratas, Estugarda, 12 de Maio de 1912).

Apoiou de modo inequívoco a Revolução russa. Em Setembro de 1918, preparou um projecto de texto sobre ela, que só foi publicado quatro anos depois por Paul Levi, ex-dirigente do KPD, para tentar colocá-la em confronto com o Bolchevismo. O texto continha erros devido às limitações da sua elaboração – estava na prisão nessa altura – e, por isso, não tinha sido publicado em 1918. Contudo, nele era manifesto o seu apoio à revolução e à sua Direcção: “Lenine, Trotsky e os seus camaradas foram os primeiros, os que se puseram à cabeça, como exemplo para o proletariado mundial; são ainda os únicos, até agora, que podem gritar ao lado de Ulrich von Hutten: ‘Eu ousei!’. Isto é o essencial e duradouro na política bolchevique. Neste sentido, é seu o imortal galardão histórico de se ter posto à cabeça do proletariado internacional na conquista do poder político e na resolução prática do problema da realização do socialismo, e de ter dado um grande passo em frente na pugna mundial entre o capital e o trabalho”. Pelo seu lado, o próprio Lenine sempre a reconheceu como uma referência, apesar das polémicas teóricas que manteve com ela, em temas como a autodeterminação nacional, a espontaneidade revolucionária e outros: “Foi e continuará a ser uma águia, e não só a sua memória será sempre valiosa para todos os comunistas, como a sua biografia e as suas obras completas (…) servirão como manuais úteis para a educação de muitas gerações de comunistas de todo o mundo” (Lenine, Notas de um publicitário, 1922). Tal como o fez Trotsky (veja-se o seu texto Tirem as mãos decima de Rosa Luxemburg, de 1932). Ao contrário do que se passou com Estaline (veja-se a sua Resposta a Olejnovich e Aristov, 1932).

Em 1916, em A crise da Social-democracia, Rosa Luxemburg atribuiu a Engels a frase que expressa nitidamente a alternativa que a humanidade enfrentava, e continua a enfrentar, cada vez de um modo mais lancinante: “A sociedade burguesa encontra-se perante um dilema: ou avanço para o socialismo ou recaída na barbárie”. O assassinato de Rosa Luxemburg foi mais uma expressão de barbárie, mas não de desespero, como revelam as que seriam as suas últimas palavras escritas, no dia anterior ao assassinato, no texto “A ordem reina em Berlim!”: “Estúpidos lacaios! A vossa ordem está edificada sobre areia. A revolução, voltará a elevar-se, de novo e com estrondo, e proclamará, para vosso terror, entre o som de trompetes: Fui, sou e serei!”.

Xabier Arrizabalo Montoro, professor da Universidade Complutense

e membro da Central sindical Comisiones Obreras (CC.OO.)

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(1) Em referência a Espártaco (Spartakus, em latim), o líder da revolta esclavagista contra Roma (no século I A.C.).