Cimeira da UE revelou desacordos do par franco-alemão

Após onze horas de discussões pela noite dentro, esta última Cimeira da União Europeia teve como resultado o adiamento de qualquer decisão e um mandato vago dado à Comissão Europeia para fazer propostas no sentido de “mobilizar os instrumentos adequados a nível nacional e europeu”.

A subida dos preços da energia tem consequências, resumidas assim, a 12 de Outubro, pelo ministro checo da Indústria: “Se não encontrarmos uma solução, ela acabará com as pessoas nas ruas, uma economia enfraquecida, falências e um apoio popular menor às políticas climáticas e à ajuda à Ucrânia. Este Inverno será decisivo.”

A PREOCUPAÇÃO TRANSFORMA-SE EM PÂNICO

Uns dias antes da Cimeira da União Europeia, o Governo alemão decidiu unilateralmente desbloquear 200 mil milhões de euros para apoiar, na Alemanha, as famílias e as empresas ameaçadas de poderem falir.

Mas os outros países europeus não dispõem de meios para libertar tais somas, o que faz alguns recearem – retomando as palavras de Mario Draghi – “uma fragmentação do mercado interno”. E é por isso que a maioria dos países europeus, ao contrário da Alemanha, estão a pedir um limite ao preço do gás. Mas a Alemanha, com os meios que tem à sua disposição, não quer tal limite, porque a sua economia – muito dependente do gás – corre o risco de ver os fornecedores de gás (Noruega, EUA) irem vendê-lo noutros lugares (nomeadamente à China) se os preços forem limitados na Europa.

A única concordância da Cimeira… foi procurar encontrar um acordo

Daí que esta Cimeira europeia não tenha decidido nada, excepto… procurar encontrar um acordo. A crise aberta nesta cimeira tinha sido anunciada pelo cancelamento, no último momento, de uma Cimeira franco-alemã. Desde 2003, realiza-se todos os anos um Conselho de Ministros dos dois governos. A sua realização estava prevista para Julho, foi primeiro adiada, e depois foi remarcada para 26 de Outubro. O seu cancelamento, no último momento, revela a extensão das divergências entre a França e a Alemanha. Para além da questão dos preços da energia, o contencioso é vasto. Scholz deverá viajar para a China, no início de Novembro, acompanhado por vários homens de negócios alemães. Mas enquanto, em 2019, Macron convidou Merkel a participar no seu encontro com Xi Jinping, o presidente chinês, agora Scholz prefere encontrar-se a sós com ele, privilegiando as exportações da Indústria alemã.

NO CONTENCIOSO FRANCO-ALEMÃO HÁ TAMBÉM A QUESTÃO DA DEFESA

E, em vez de favorecer a compra de armas na Europa – ou seja, à Indústria de Defesa francesa – Scholz prefere comprar armas aos EUA e propõe a criação de um escudo europeu de defesa antimíssil, envolvendo 14 países da NATO… mas sem a França.

Há também a questão do gasoduto – que é suposto ligar a Espanha ao resto da Europa, através dos Pirenéus – chamado MidCat. Discutido desde o início da década de 2000, este projecto não interessa à França, ao contrário da Alemanha, que procura gás em todo o lado. Mas, sem o acordo da França nenhum gasoduto pode passar da Espanha para a Alemanha. Em vez disso, Macron propôs a substituição desse projecto de gasoduto por outro de transporte de hidrogénio (e algum gás), supostamente “verde”, permitindo assim um financiamento da União Europeia. Mas este projecto tem sido considerado, desde o seu início, como ‘obscuro’.

Como se pode ver, há muitas disputas e desacordos entre a França e a Alemanha. E sem um acordo franco-alemão deixa de existir União Europeia.

A União Europeia só tem continuado a viver – particularmente desde 2005 (fracasso dos referendos sobre a Constituição em França e nos Países Baixos) e 2008 (crise financeira global) – apoiando-se no par franco-alemão, as duas principais potências sem cujo acordo não pode ser tomada qualquer decisão na União Europeia. Aquilo que, em tempos idos, foi chamado o Merkozy (uma contracção de Merkel e Sarkozy).

E agora, com os desacordos franco-alemães estamos a assistir a uma verdadeira desintegração: a 6 de Outubro, pela primeira vez, um país – neste caso a Bélgica – absteve-se na votação do oitavo pacote de sanções contra a Rússia. A Espanha está com a Alemanha contra a França no projecto de gasoduto, mas está com a França contra a Alemanha sobre o limite de preço do gás… e muitas outras questões.

De uma unidade da União Europeia – construída durante décadas para servir de ecrã para a ofensiva de cada governo contra a sua própria classe trabalhadora, refugiando-se por detrás da aplicação das decisões europeias – hoje voltámos a ter um mosaico de interesses capitalistas divergentes, onde cada burguesia procura puxar a brasa à sua sardinha. Porque não existe uma burguesia europeia.

A 26 de Outubro, Macron e Scholz decidiram reunir-se sozinhos, em vez do Conselho de Ministros franco-alemão. Em que estarão ou não de acordo?

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Crónica da autoria de Daniel Shapira, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 729, de 26 de Outubro de 2022, do Partido Operário Independente de França.

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