25 de Abril de 1974, a revolução portuguesa derrubou a ditadura

Damos a palavra a Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues (1), militantes da Secção portuguesa da 4ª Internacional, membros da Assembleia Constituinte (1975-1976)

O 25 de abril de 1974 marcou a queda da ditadura salazarista. Quem foram os impulsionadores desta revolução?

Aires Rodrigues (A.R.) – Os últimos anos da ditadura salazarista foram marcados por uma guerra colonial com consequências profundas na sociedade portuguesa.

Uma guerra colonial que, ao longo de treze anos foi matando e estropiando milhares e milhares de jovens, de um e do outro lado da barricada. Este ambiente de angústia e desespero, que atingia a juventude chamada para a guerra, estendia-se também às companheiras, às mães e aos pais, criando um verdadeiro clima de dor e insegurança nas famílias. Os quadros de chefias, tenentes e capitães, do Exército regular encarregue de levar a cabo a guerra colonial, foram particularmente atingidos por esta revolta. Obrigados a campanhas sucessivas em locais de guerra, assistindo e, muitas das vezes, participando em ataques bárbaros, estes oficiais perceberam que não lhes restava outro caminho para salvar o seu futuro do que afrontar a ditadura com um golpe militar. Ao mesmo tempo, sentia-se no país uma revolta latente, expressa nas lutas estudantis e em greves, apesar de proibidas pelo regime, como em Março de 1974 no sector vidreiro na Marinha Grande.

Esta é apenas uma pequena parte do caldo no qual mergulha o golpe militar desencadeado a 25 de Abril, abrindo as portas à entrada das massas na cena política, logo no primeiro dia, através da fraternização com os soldados. De imediato, o assalto por um grupo de jovens, com militares, ao quartel da Polícia política, obrigando ao seu desarmamento, perante o povo concentrado no Largo do Carmo (praça da cidade de Lisboa). A abertura das prisões e a libertação dos presos políticos foi o continuar do desmantelamento das instituições do antigo regime, bem como o saneamento das Câmaras Municipais e a sua substituição por Comissões Provisórias, da confiança das populações.

Igualmente, o saneamento das Administrações das principais empresas, todas elas também comprometidas com a ditadura, e a eleição de Comissões de trabalhadores (CTs), garantindo através do controlo de gestão o funcionamento dessas empresas.

Na zona centro do país, como responsável do PS, defendi o princípio da democracia participativa de todos trabalhadores, através das CTs. E ajudei também a elaborar, com alguns trabalhadores das empresas, projectos de estatutos das CTs, depois aprovados em Assembleias gerais. Foi o caso, entre outros, de empresas de vidro e de moldes na Marinha Grande, e de pasta de papel perto da Figueira da Foz.

Um ano mais tarde, vocês foram eleitos deputados à Assembleia Constituinte. Nessa altura, eram membros do Partido Socialista. Como era essa Assembleia, era parecida com quê?

A.R. – A Assembleia Constituinte foi eleita um ano depois, em 25 de Abril de 1975, em pleno movimento social no qual as massas tomavam nas mãos o desmantelamento das estruturas do antigo regime, nos diferentes sectores, das administrações das grandes empresas às Câmaras Municipais, às Escolas e aos Hospitais, procurando substituí-las por Comissões eleitas pelos trabalhadores, revogáveis a qualquer momento. Enquanto deputados do PS na Constituinte, inseridos e apoiando este movimento de massas de transformação da sociedade, tendo em conta as reivindicações expressas pelos trabalhadores e pelas populações destes diferentes sectores, batemo-nos por inscrever na Constituição direitos universais e conquistas sociais como, entre outros, o direito à Saúde, à Educação e à Segurança Social.

Tal como ajudámos a inscrever num artigo da Constituição os direitos das CTs, nomeadamente ao controlo de gestão, o modo de eleição e a protecção legal idêntica aos delegados sindicais.

No entanto, esta Assembleia Constituinte não é comparável à Comuna de Paris, porque não houve a tomada do poder, como em França pelo proletariado parisiense, durante 90 dias.

Embora as CTs, as Comissões de Soldados e mais tarde as Comissões de Moradores nas periferias das grandes cidades, as Comissões de Utentes na Saúde e Comissões de Gestão das Escolas constituíssem embriões de verdadeiros organismos de controlo operário, foi a política de divisão das direcções do PC e do PS que impediu de avançar nesse sentido.

A Constituição adoptada em 1976 correspondeu às aspirações revolucionárias dos trabalhadores portugueses?

Carmelinda Pereira (C.P.) – Sim e não.

Sim correspondia em grande parte, porque ela espelhou – mesmo que de forma talvez esfumada – as conquistas que estavam a ser construídas, pela acção de homens, mulheres e jovens de todos sectores da vida económica, social, política e cultural, no seu movimento prático.

Um movimento assente nas assembleias-gerais e nas decisões delas saídas, a ser executadas pelas comissões de delegados mandatadas para tal.

Entre os deputados constituintes havia um número significativo de militantes operários, saídos do meio da luta concreta e não podiam senão redigir ou defender aquilo que estava a ser lá realizado pelos seus camaradas.

Falo da minha experiência como deputada pelo PS, ligada aos núcleos dos trabalhadores socialistas das fábricas, da Banca, das escolas ou da Saúde.

Discutíamos livremente o esboço de vários dos artigos para a Constituição da República Portuguesa (CRP), que depois passavam a projectos do PS para serem confrontados com os dos outros partidos, acabando por ser aprovados com o apoio dos outros partidos da Esquerda.

É assim, por exemplo, que deputados pertencentes a comissões de trabalhadores de grandes empresas da época, nomeadamente dos Estaleiros navais de Lisboa e da Efacec do Porto, fizeram aprovar – no Grupo parlamentar do PS e, depois, adoptado no plenário de todos os deputados constituintes – que as empresas nacionalizadas (75% da Economia) eram “conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras”.

Estes conteúdos mostram o alcance das aspirações que emanavam do movimento revolucionário das classes trabalhadoras. Tal como o artigo 7º da Constituição que afirma: “Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.”

Pelo que referi podemos dizer que a Constituição correspondia às aspirações das classes trabalhadoras, alias expresso no seu próprio prefácio, ao afirmar que o objectivo em Portugal é a construção de uma sociedade socialista.

No entanto, apesar do texto constitucional expressar um programa concreto de medidas socialistas, a sua arquitectura é contraditória com os objectivos nela consignados.

É contraditória porque afirma que pôr em prática a “democracia socialista” será assegurada através de deputados eleitos por partidos políticos, no quadro de uma democracia representativa. E estes deputados não se subordinam ao povo que os elegeu, nem em termos colectivos e muito menos individuais. Pelo contrário, eles subordinam-se às cúpulas dos respectivos partidos.

Foram estes deputados – constituindo maiorias de qualidade (mais do que absolutas) – que aprovaram as sete revisões da CRP, para permitir que Portugal ficasse completamente refém das decisões tomadas pelas instâncias internacionais.

Em 1977, vocês foram expulsos do Partido Socialista. Quais as razões que levaram a essa expulsão? 

C.P. – A nossa expulsão do PS (os dois deputados na Assembleia da República) teve como pretexto o nosso voto contra a proposta de Orçamento do Estado para 1978, cujo conteúdo correspondia aos objectivos ditados pelo FMI e se traduzia numa ofensiva brutal aos trabalhadores.

Mas este pretexto serviu para a concretização de um objectivo da Direção do PS naquele momento histórico. Tratava-se de pôr em prática o começo das privatizações, nomeadamente da Banca, e de acabar com a ocupação das terras pertencentes aos latifundiários, de acordo com a exigência do FMI, como condição para Portugal ser aceite na CEE.

Estes objectivos implicavam quebrar o movimento dos trabalhadores, já iniciado com o golpe de Estado do 25 de Novembro de 1975 que impôs a normalização nos quartéis, traduzida em pôr fim às comissões de soldados.

Partir a força dos trabalhadores implicava dividi-los enquanto classe. O primeiro passo implicou expulsar os principais militantes que dirigiam as estruturas do trabalho no PS. Só assim foi possível dividir o movimento dos trabalhadores com a formação da segunda Central sindical – a UGT.

O que é que estes acontecimentos nos ensinam para as lutas actuais?

C.P.  – Sabemos que a História não se repete, mas daquilo que vivemos na revolução iniciada em Portugal e que nunca foi esmagada, embora sistematicamente golpeada, podemos tirar algumas lições.

Entre elas, pode referir-se como: faltou aos trabalhadores portugueses, no seu movimento em frente, uma Direcção revolucionária, formada por militantes que emanassem da sua luta, constituindo um destacamento que os ajudasse a concretizar a ligação entre todos (a nível local e nacional), bem como procurar a ligação com os militantes dos outros países da Europa, em particular do Estado Espanhol.

Esta falta – sentida sobretudo quando a revolução subiu e depois começou a cair, apesar das lutas fortíssimas em todos os momentos – é agora cada vez mais nítida, numa situação em que os trabalhadores e os militantes se interrogam surpreendidos: “Como é possível que nesta Assembleia da República – onde havia uma maioria absoluta do PS – haja agora uma maioria de deputados da Direita, entre os quais 18,9% são da Extrema-direita?”

Muitos procuram um novo caminho, em ligação com a luta contra a guerra, e têm consciência que uma solução positiva para o povo trabalhador está ligada com o que se passa nos outros países da Europa e do resto do mundo.

Os militantes da 4ª Internacional procuram a construção de acordos práticos com uma parte desses militantes, para defender os direitos sociais e o fim da guerra.

(1) Entrevista publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 805, de 24 de Abril de 2024, do Partido Operário Independente de França.

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