Covid-19 em França: Propaganda e realidade

De acordo com um estudo do INSEE (1), parece ter havido um excesso de mortalidade de 54 mil cidadãos em 2020, em comparação com 2019. Mas as estatísticas do INSEE dizem respeito apenas ao número de mortes e não às suas causas, porque estas, protegidas pelo sigilo médico, só podem ser fornecidas ao INSERM (2). Este último, com base em certificados médicos, pode estabelecer as causas de morte, mas os resultados do INSERM são geralmente conhecidos apenas um ou dois anos após a realização do estudo. Pode-se considerar que este excesso de mortalidade esteja relacionado com a Covid, ou casos de comorbidade associados à Covid (3).

Num artigo publicado no jornal Le Monde, Hervé Le Bras, demógrafo e historiador (foi Director do Laboratório de Demografia Histórica do CNRS – Centro Nacional de Investigação Científica), escreveu: “Em 2020, o número de mortes aumentou 7,3% em França. As pessoas mais velhas foram particularmente atingidas pelo surto de Covid-19. De acordo com o INSEE, na segunda vaga a mortalidade aumentou 19%, entre Setembro de 2020 e Janeiro de 2021, para as pessoas com idade superior a 75 anos. De acordo com a Santé publique Franceo site oficial do Ministério da Saúdede meados de Março de 2020 a meados de Janeiro de 2021, 59% das pessoas que morreram por causa da Covid-19 tinham mais de 80 anos, enquanto este grupo etário representa apenas 6% da população total (…).

Como é que mais 7,3% de mortes podem corresponder apenas a um decréscimo de 0,7% na esperança de vida (0,55 anos em 82,5 anos)? Isto é devido ao elevado risco anual de morte das pessoas idosas a quem restam, portanto, poucos anos para viver (…).

O risco de morte de uma pessoa com 75 anos de idade tornou-se o mesmo que uma com 75,6 anos de idade, quando não havia o Covid-19 (…). Em detalhe, isto significa que os riscos de mortalidade quase não variaram até aos 65 anos de idade. (…) O risco de morte de um idoso de 82 anos de idade em 2020 era, portanto, o mesmo que o de um idoso com 82,7 anos, na ausência do surto de Covid-19.

Estes cálculos minimizam a gravidade da epidemia. Eles conduzem a um paradoxo: o medo gerado pelo vírus parece estar relacionado, de forma inversa, com a letalidade da epidemia.”

Na verdade, o epidemiologista Martin Blachier – médico especialista em Saúde Pública e feroz opositor do professor Didier Raoult (4) – num debate televisivo, disse: “Concordo a 100% com Didier Raoult no ponto em que ele afirma: «Sou contra a teoria do medo. Acho que estamos a assustar demasiado as pessoas, e isso é aterrador.».

De facto, utilizando a pandemia – que é uma realidade e faz vítimas – o Governo dramatiza, deliberadamente, a situação com uma campanha de propaganda destinada a aterrorizar a população e levá-la a aceitar a lei do estado de emergência sanitária e as outras medidas liberticidas e, assim, fazer passar todas as suas contra-reformas destrutivas.

Publicámos, na edição desta crónica da semana passada, a mesma propaganda e mentiras de Estado na Alemanha. Em França, passa-se a mesma coisa, com a cobertura do pseudo-“Conselho Científico” e do “Conselho de Defesa”.

Para combater a pandemia, existem com certeza algumas medidas básicas sanitárias e, acima de tudo, é preciso acabar com a eliminação de camas e a supressão de postos de trabalho nos hospitais, é preciso reabrir as camas para reanimação e as outras, deve ser parada a desprogramação das operações clínicas já marcadas, medida cujo resultado seria um agravamento do número de mortes.

O Governo não pode fazer isso, porque a sua política não é proteger as populações, mas sim proteger o capital. Vemos o resultado dessa política de enormes verbas concedidas a grandes empresas, com o anúncio altamente simbólico da farmacêutica Sanofi que – em plena pandemia – anunciou o despedimento de quatro centenas de investigadores. Vemo-lo também na decisão do Governo, no meio de uma pandemia, de encerrar os hospitais de Beaujon e de Bichat.

Portanto, nenhuma confiança, nenhum apoio – seja de que forma for – a este Governo.

Crónica de Lucien Gauthier, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 643, de 14 de Fevereiro de 2021, do Partido Operário Independente de França.

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(1) Instituto Nacional das Estatísticas e dos Estudos Económicos, o equivalente do INE em Portugal.

(2) Instituto Nacional da Ciência e da Investigação Médica.

(3) Existem também os números fornecidos pela Saúde Pública de França, mas isto só diz respeito a mortes nos hospitais, e há 47% de defuntos fora do sector hospitalar.

(4) Didier Raoult é um médico e microbiologista francês que leciona doenças infecciosas na Universidade de Aix (em Marselha).

Ensino à distância: Um protesto global está a crescer contra esta armadilha

Em Espanha, tal como na generalidade dos países, a situação está a piorar a cada hora que passa. Governos ao serviço da capital sempre tomaram como alvo o Ensino público, devido ao seu carácter de conquista operária e democrática. É por isso que eles consideram que a pandemia é uma oportunidade para agravar essa destruição, recorrendo em particular ao “ensino à distância”. É claro que não nos referimos à utilização pontual de meios audiovisuais de ensino, que é feita de forma subordinada no ensino presencial, nem a casos como o da UNED (1) – o que facilita os estudos universitários para certos grupos – nem àqueles em que circunstâncias sanitárias excepcionais realmente o exigirem (se bem que, neste caso, seja necessário fornecer todos os meios indispensáveis para prevenir a chamada “fractura digital”, que é apenas uma nova expressão da extensão da pobreza, ligada ao aumento da exploração e da destruição de empregos exigida pelo capital).

Referimo-nos sim ao uso interessado e à utilização abusiva da teleinformática como substituto do único ensino que pode, em geral, garantir o direito democrático à educação, reduzindo de facto as desigualdades sociais através da presencialidade e da provisão adequada de todos os meios necessários. Ou seja, o ensino público, gratuito, de qualidade e científico (e, portanto, laico), bem como o realizado cara-a-cara.

Em defesa do Ensino público, de qualidade e gratuito

Face a este ataque renovado à Educação pública, agora com a armadilha do Ensino à distância, vemos todos os dias expressões de resistência, como no caso da Itália.

Também em França, onde a organização estudantil União Nacional dos Estudantes de França (UNEF) explicou, num comunicado de imprensa de 10 de Janeiro: “Já há quase três meses que as universidades estão fechadas, os estudantes isolados nos seus quartinhos, privados de vida social, em condições de estudo que são completamente degradadas pelo ensino à distância, o qual é totalmente insuficiente” (descrevendo uma situação em que, na véspera, um estudante se tinha tentado suicidar em Lyon). O comunicado de imprensa termina apelando “a uma resposta das diferentes organizações de juventude, e para isso que lhes propomos-lhes um quadro de unidade para exigir em conjunto a reabertura das universidades e mais investimentos para os estudantes”.

Na América Latina, como resultado da Conferência “Tele-escola não é educação”, convocada pelo Comité de Ligação Internacional e Intercâmbio (CILI Américas), foi adoptado um “Manifesto para a defesa da educação pública, gratuita e obrigatória”. Ele explica o carácter social da Escola Pública, conquista das lutas sociais, e apela a organizar-se para a sua defesa.

Os inimigos da Educação pública, tais como dos outros direitos democráticos, utilizam a pandemia como álibi para tentar fazer com que o “ensino à distância” seja uma realidade que veio para ficar.

Nós, que nos mobilizamos para defender essa Educação pública, não nos podemos resignar com isso. É imperativo organizar a resistência, exigindo o fornecimento imediato e completo de todos os meios necessários para assegurar o ensino presencial total, sempre de acordo com os requisitos da protecção sanitária.

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(1) Universidade Nacional de Educação à Distância, que tem como equivalente em Portugal a Universidade Aberta.

Por Xabier Arrizabalo, professor na Universidade Complutense de Madrid e membro da sua Comissão de pessoal, ligada à Central sindical Comissões Operárias (Comisiones Obreras – CCOO)

Publicado no periódico Información Obrera – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – nº 354, de Janeiro de 2021

Covid-19: Um vírus perigoso… mas não para todos!

Jeff Bezos, dono da Amazon e homem mais rico do mundo, viu a sua fortuna aumentar cerca de 70 mil milhões de dólares, entre Março e Novembro de 2020

De acordo com o Instituto de Estudos Políticos, que analisou a fortuna dos 650 norte-americanos mais ricos, entre 18 de Março e 24 de Novembro de 2020, 29 multimilionários viram a sua riqueza duplicar desde Março.

De acordo com os autores do Relatório, esta subida parece estar directamente relacionada com a pandemia.

Este é particularmente o caso de Jeff Bezos, o dono da Amazon, que viu a sua fortuna aumentar em quase 70 mil milhões de dólares entre Março e Novembro.

O dono da Tesla, Elon Musk, que se tornou neste mês o segundo homem mais rico do mundo, passando à frente de Bill Gates, é uma ilustração clara desta tese. A sua ascensão meteórica na classificação das grandes fortunas está ligada à subida exponencial do valor das acções da Tesla na Bolsa de Wall Street, que aumentou 500% desde o início do ano e vale agora 495 mil milhões de dólares. O que permitiu a Elon Musk ganhar 100 mil milhões de dólares no mesmo período.

Estes números exorbitantes devem ser colocados em paralelo com o desenvolvimento de desemprego endémico nos EUA. A título de exemplo, em Outubro de 2020 mais de 11 milhões de norte-americanos foram considerados como estando desempregados – o dobro das estimativas de Fevereiro, antes do início da pandemia nesse país.

Nota de Pierre Demale, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 633, de 2 de Dezembro de 2020, do Partido Operário Independente de França.

Corrida à vacina agrava fosso entre ricos e pobres. Os primeiros já garantiram 9 mil milhões de doses, os restantes podem esperar anos

Esta é outra face “escondida” da pandemia. O semanário Expresso (de 4 de Dezembro de 2020) cita um estudo de peritos do Fundo Monetário Internacional (FMI) – gente bem documentada!, que tira a seguinte conclusão: “Mais de 80% das doses de vacinas anti-Covid foram compradas por governos que representam apenas 14% da população global. A maioria das pessoas nos países pobres vai ficar à espera da vacina até 2024, se os países mais ricos continuarem a praticar aquilo a que muitos já chamam «vacinacionalismo»”.

O imperialismo ainda não “morreu”…