Londres, 10 de Setembro: Carlos III pronuncia o seu discurso de ascensão ao Trono no palácio Saint James.
O Príncipe Carlos, agora Rei Carlos III, é um príncipe muito exigente. Até agora, viveu no palácio Clarence House, onde tinha 100 empregados. As tarefas são definidas muito precisamente. O seu pijama deve ser engomado todos os dias, tal como os atacadores dos seus sapatos. A banheira deve ser enchida pela metade, a uma temperatura definida. Quando ele vai à casa de banho, todas as manhãs, o dentífrico deve estar colocado na escova de dentes, numa dada quantidade.
Agora que é Rei, vai passar a viver no palácio de Buckingham. Enquanto a Rainha ainda não estava enterrada, não houve tempo para luto quando se tratou de fazer planos sociais.
O secretário pessoal do Príncipe Carlos, Sir Clive Alderton, enviou uma carta a todos os funcionários do Clarence House, para lhes indicar que, à excepção dos que ocupam certos cargos directamente relacionados com o casal, o resto será despedido!
De facto, no palácio de Buckingham, o novo Rei Carlos III terá 1.000 empregados ao seu serviço.
Para além dos clássicos cozinheiros, provadores de vinhos, mordomos, camareiros e jardineiros, há também funcionários especiais. Por exemplo, há a pessoa responsável pelo corte da carne, o controlador dos quadros do palácio, o curador da colecção de selos da Rainha Elizabeth II, o controlador do mobiliário real… Carlos será capaz de fazer valer as suas exigências. Para além da sua fortuna pessoal, o Governo britânico dá à Coroa 103 milhões de euros todos os anos. De acordo com números oficiais, cerca de 15 milhões de Britânicos (quase 19% da população) são considerados pobres.
Um relatório do Conselho Nacional de Combate à Pobreza e à Exclusão Social advertiu, no final de 2021, contra o aumento da pobreza em França, “multiplicada” desde o início da epidemia do coronavírus. Quase uma em cada cinco crianças da França está em situação de pobreza.
Todos os preços estão a subir em flecha: da electricidade, do gás, da gasolina, do óleo para aquecimento, do pão e de outros produtos alimentares. Mas os salários não estão a subir. Por outro lado, os rendimentos dos patrões estão a subir em flecha.
Em França, a fortuna dos multimilionários aumentou mais rapidamente nos dezanove meses da pandemia do que tinha aumentado em mais de dez anos!
De Março de 2020 a Outubro de 2021, a riqueza das principais fortunas da França subiu 86%, um ganho de 236 mil milhões de euros. A título de comparação, tinha aumentado 231 mil milhões em dez anos (entre 2009 e 2019). Só os cinco indivíduos mais ricos da França duplicaram a sua riqueza desde o início da pandemia: 173 mil milhões de euros. Isto é equivalente ao que o Estado já gastou durante a pandemia.
Estes cinco multimilionários possuem, agora, tanto como os 40% mais pobres de França. Como explica o porta-voz da Oxfam France: “Para os multimilionários, a pandemia tem sido uma dádiva de Deus. Ficaram mais ricos, não por causa da mão invisível do mercado, nem através de brilhantes escolhas estratégias, mas principalmente devido ao dinheiro público – pago incondicionalmente pelos governos e bancos centrais – do qual têm podido beneficiar, graças ao aumento da cotação das suas acções em Bolsa.
Ao mesmo tempo, a crise levou a um aumento da pobreza: sete milhões de pessoas – ou seja, 10% da população francesa – necessitam de ajuda alimentar, e mais quatro milhões de pessoas encontram-se numa situação de vulnerabilidade.
Em 15 de Dezembro, o presidente Macron disse, na rede televisiva TF1, que “tanto os mais ricos como os mais pobres, todos viram o seu poder de compra aumentar”.
A análise realizada pelo Instituto para as Políticas Públicas confirma que o mandato de cinco anos de Macron tem sido um acelerador das desigualdades. Os 1% mais ricos viram o seu nível de vida aumentar 2,8% em média, enquanto os 5% dos agregados familiares mais modestos perderam até 0,5% do seu magro poder de compra.
Aqui está um exemplo para nos ajudar a compreender: Bernard Arnault, o francês mais rico e o terceiro homem mais rico do mundo, possuía – em Março de 2020 – 67,3 mil milhões de euros. Em Outubro de 2021, ele possuía 163,6 mil milhões, o que representa um aumento de 96,3 mil milhões de euros.
E há quem ouse afirmar que o capitalismo e a luta de classes já não existem.
Crónica de Lucien Gauthier, publicada no semanário francês“Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 689, de 19 de Janeiro de 2022, do Partido Operário Independente de França.
É necessário questionarmos qual é a causa de todas estas manifestações violentas e a razão pela qual o nosso povo veio para as ruas a protestar desta forma.
Todos aqueles que foram suficientemente corajosos para se confrontar com a propaganda dos meios de Comunicação social identificaram a pobreza e a fome como sendo as verdadeiras causas. No entanto, a linha oficial é que tudo o que está a acontecer agora foi desencadeado pela prisão do ex-presidente do ANC e ex-presidente do país, Jacob Zuma.
Pela nossa parte, compreendemos que a corrupção é inerente a um sistema com base na propriedade privada dos meios de produção, onde os lobos comem os lobos. Trata-se de um sistema sem escrúpulos, motivado apenas pelo desejo de um rápido enriquecimento individual, à custa de tudo e de todos. São estes quadro e sistema económicos que foram privilegiados e escolhidos pelo Partido no poder, às ordens do imperialismo internacional, actualmente liderado pelos EUA.
Na África do Sul, o saque é um lugar-comum no governo do ANC. É impossível indicar um único representante do Partido no poder que não esteja envolvido nesta deriva. Para eles, o saque é quase tão fácil como respirar.
Todos os dias ouvimos falar de corrupção por membros do Governo, milhares de milhões de rands estão a evaporar-se diariamente e, no entanto, nenhum desses membros é acusado, condenado ou preso. Podem ler-se detalhadas descrições sobre as monstruosidades financeiros na Eskom, na SAA, ou na Denel, e a lista é interminável. Todas estas empresas entraram em colapso devido à espoliação e desfalque cometidos, em plena luz do dia, por quadros nomeados pelo Partido no poder. A Eskom entrou em colapso devido à corrupção e nenhum dos vilões que saquearam os recursos do Estado foi metido na prisão.
Hoje em dia, todo o país sofre de cortes de energia devido à corrupção e à pilhagem máximas. A política do Partido no poder não é mais nada mais do que um esquema “get-rich-quick” (tornar-se rico rapidamente). É comum que ministros e alguns altos funcionários enriqueçam num piscar de olhos. A questão de Zuma é, em si mesma, apenas uma cortina de fumo para encobrir a verdadeira raiva do povo, que vive no país mais desigual do mundo, em condições degradantes, sem terra, sem habitação e sem um Sistema de saúde adequado e suficiente.
Ao longo dos anos, o ANC tem fomentado a pobreza e as privações da esmagadora maioria da população, e até se gabava de que, enquanto houvesse pobreza, permaneceria no poder. O ANC continua a acreditar no poder da “cesta básica” de alimentos, não conseguindo compreender que as pessoas estão num ponto em que querem mais do que isso. O ANC não consegue compreender que o monstro que criou e alimentou poderia um dia virar-se contra ele.
O povo terá sempre a possibilidade e a capacidade se levantar e reivindicar. O som da sua voz é agora alto e claro: nós somos pobres e famintos.
Apesar da génese da mobilização inicial, as verdadeiras exigências do povo estão a vir implacavelmente ao de cima e a submergir aqueles que se autonomearam para as manipular.
Com ou sem Zuma, o que está a acontecer agora era inevitável. Centros comerciais foram construídos em todo o país, no meio de uma pobreza insustentável. Estes Centros comerciais estão rodeados por uma urbanização descontrolada, que é encorajada por razões eleitorais. A esmagadora maioria da população que vive em torno destes Centros comerciais está desempregada. Estes jovens fazem parte dos 74,9% de desempregados da África do Sul. Eles pensam e esperam encontrar um emprego que lhes permita fazer compras nestes Centros comerciais. Isto não se enquadra nos planos e aspirações da oligarquia dominante, que continuará a prosperar se a situação dos pobres permanecer inalterada.
Os pobres não compreendem que estas pessoas queiram que eles continuem a ser marionetas amarradas a um cordel. Por um lado, as suas mentes estão concentradas na realidade existente em frente dos seus olhos: a possibilidade de obter comida grátis, o tipo de comida que normalmente não podem pagar. Por outro lado, quando há anarquia, os mais desfavorecidos, o lúmpen proletariado, aproveita-se dela para fazer o máximo possível de estragos.
No entanto, não foram todos estes elementos os detonadores da instabilidade da situação. O verdadeiro culpado é o Governo de ladrões que continuam a roubar milhares de milhões de rands (1 euro vale cerca de 17,2 rands – NdT). Os membros do Governo que pediram emprestados 500 mil milhões de rands ao FMI e ao Banco Mundial e os partilharam entre si, mesmo depois de nos terem dito que o dinheiro foi emprestado, em nome do nosso povo, para ajudar a combater a pandemia de Covid-19.
O Governo não só roubou o dinheiro, como foi ainda mais longe ao submeter-se à tirania das patentes: tal como na Índia, a vacina está a ser produzida na África do Sul, mas não em benefício do povo: ela é apropriada pelas grandes empresas farmacêuticas estrangeiras, enquanto estamos a enfrentar uma devastação total no nosso próprio país (1).
A pilhagem e queima de Centros comerciais ilustra o verdadeiro problema de um Governo que não colocou o seu povo como prioridade, porque a maioria das lojas nos Centros comerciais são propriedade de grandes empresas que praticam as piores formas de exploração do trabalho, sem quaisquer conquistas reais para os seus assalariados, tais como cobertura médica, pensões de aposentação e todas as correspondentes garantias.
Enquanto todos nós vamos sofrer as consequências da situação actual, este Governo orientado para o mercado não conseguiu melhorar a vida da maioria da população negra. Ele implementou apenas os chamados programas de capacitação económica dos Negros e um sistema corrupto de concursos públicos (os quais assentam em inúmeras comissões que vão parar aos bolsos dos membros do Governo que saqueiam incessantemente o país).
Hoje em dia, na África do Sul, o meio de transporte mais barato, que era o comboio, está totalmente destruído, e o Governo não se deu ao trabalho de impedir a sabotagem, porque não se trata de vandalismo, trata-se de sabotagem e traição. Nós vimo-las chegar. A Polícia – que não hesitou em disparar e matar mineiros em Marikana (2), para defender as grandes instituições financeiras – não sabe como lidar com as insurreições populares.
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(1) Note-se que, até agora, apenas 1% da população da África do Sul foi vacinada contra o Covid-19.
(2) Em 2012, os mineiros de uma mina de diamantes em Marikana, propriedade de um trust, estavam em greve. O governo do ANC enviou para lá a Polícia, a qual matou várias dezenas de mineiros.
Crónica de Lybon Mabassa, presidente do Partido Socialista da Azânia, publicada no semanário francês“Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 664, de 21 de Julho de 2021, do Partido Operário Independente de França.