Espanha: Pandemia e Orçamento

As mobilizações massivas e persistentes do pessoal da Saúde, sujeito a condições de trabalho desumanas, contrastam fortemente com as questiúnculas político-judiciais de governos e instituições. De facto, como temos vindo a salientar neste jornal, e voltamos a fazê-lo neste número, após mais de oito meses de pandemia não foram tomadas – nem por parte do Ministério, nem pelas comunidades autónomas – medidas sanitárias sérias para reforçar qualitativamente os meios para salvaguardar a população. Alguns governantes até se atreveram a caracterizar a situação dizendo que “não há falta de meios, mas sim de organização”. O que leva muita gente a perguntar: então para que servem aqueles que governam?

Vivemos num país onde um jornalista como F. Ónega, afim do Regime, não hesita em escrever, a 10 de Outubro, em La Vanguardia que “há dias em que temos a impressão que aqueles que governam este país são os juízes”. De facto, os tempos da “justiça” herdada do Franquismo não têm nada a ver com as necessidades da população, nem, é claro, com o respeito pelas liberdades e os direitos. Não se pode esquecer que, para além das pessoas que estão na prisão por motivos políticos, há mais de 2.400 cidadãos catalães arguidos, já para não mencionar a “Lei-mordaça” (1) ou o Artigo 315.3 do Código Penal (2).

O mesmo Tribunal de Justiça de Madrid que avalizou o confinamento dos bairros e das localidades das classes trabalhadoras diz, agora, que confinar outros (isto é, os seus próprios) viola direitos fundamentais. Deixam ir embora o ex-Rei ladrão e libertam o ex-ministro Rato (3), mas organizam as expulsões e a perseguição contra aqueles que ocupam casas ou contra os “rappers” que se atrevem a criticar o Sistema.

Nesta situação caótica em que as populações – e, em particular, o povo da cidade de Madrid – estão sujeitas a ordens e contra-ordens arbitrárias e sem qualquer garantia de eficácia, o governo de Sanchéz tirou da manga esta semana o anúncio do século.

Endividar-se em dezenas de milhares de milhões, para quê?

De facto, Sanchéz e Montero (o ministro das Finanças) estão a preparar um Orçamento para 2021 que excede o limite máximo de despesas (tecto aleatório ditado pelo capital financeiro) em quase 200 mil milhões de euros. O que não podia ser feito para manter os serviços de Saúde, aumentar as pensões, e proporcionar cuidados aos idosos e dependentes, pode ser feito agora.

Sejamos claros, o facto de que o Governo está a propor quebrar a disciplina do défice e da dívida que até agora tem sido imposta pela União Europeia, não estaria obviamente aberto a críticas. Agora, Bruxelas garante-lhe que pode furar essa disciplina, mas a questão é para quê e para quem vai reverter este maná de milhões.

A euforia das grandes multinacionais como a Amazon e a Iberdrola, ou outras, não nos deixa enganar. Mesmo sem especificar os números, o Governo diz que 70% desse valor irá ser destinado à transição energética (isto é, canalizado para as multinacionais da electricidade, do gás e da energia – que conseguem que neste país se pague a electricidade mais cara da Europa – e aos especuladores que se lançam agora para o negócio da energia “limpa”) e para a digitalização (ou seja, o teletrabalho que permitirá aos bancos despedir mais umas dezenas de milhares de trabalhadores), para reduzir as administrações públicas em detrimento da população forçada a ficar em longas filas de espera devido à falta de pessoal… Ou seja, a “investimentos” para destruir, enquanto continuam os encerramentos de empresas, como é o caso da Alcoa, da Navantia ou da Nissan – o coração industrial do país.

Dinheiro para especulação e para as grandes empresas que terá de ser pago no Plano de ajustamento já anunciado para 2022.

E, aparentemente, já ninguém fala de um Orçamento de urgência para a Saúde ou para o pretenso “tele-estudo” no Ensino superior (com o qual se abre caminho para o desmantelamento da Universidade pública).

Mais uma vez, a questão é quem manda e para quem se governa

O papel dos juízes e da sua justiça franquista é essencial. Os juízes agem, não nos esqueçamos, “em nome do Rei”, cúpula do aparelho de Estado, e o governo de Sanchéz e todos os seus ministros juraram “lealdade” ao Rei. Decidiram defender o Rei perante o povo catalão e o Exército perante todo o país. O desfile da Legião – da qual a ministra da Defesa afirmou que “representa o melhor da história de Espanha” –, no passado dia 12 de Outubro, é uma expressão acabada da submissão do Governo aos poderes de facto.

Que ninguém se deixe enganar: trata-se de um Orçamento a favor das multinacionais, e do respeito e defesa da Monarquia. E o aparelho de Estado, o Rei, os juízes e o Exército determinam quem governa e para quem se governa.

Para responder às reivindicações justas do pessoal da Saúde (mais meios, melhores condições de trabalho, salários justos), às dos reformados, ou às dos trabalhadores da indústria (em particular, aos trabalhadores da Alcoa que exigem a sua nacionalização, essencial para manter a última fábrica produtora de alumínio no país), tal como para responder às reivindicações dos desempregados que querem um emprego e aos quais se responde com um subsídio – além disso, administrado de forma mesquinha, como é o caso do Rendimento Mínimo – é imperativo responder à questão-chave: para quem se governa?

E se, como está a tornar-se cada vez mais claro, a Monarquia é o principal obstáculo, a tarefa dos militantes de vanguarda é agrupar forças para ajudar os trabalhadores a conseguir as suas justas reivindicações e abrir caminho à República. Este é o objectivo do Encontro Estatal de 7 de Novembro, organizado pelo Comité para a Aliança dos Trabalhadores e dos Povos.

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(1) Esta Ley Orgánica de Protección de la Seguridad Ciudadana – que é conhecida como “lei Mordaça” – é drasticamente limitadora da liberdade de expressão.

(2) Este artigo permite a prisão de sindicalistas que participem em piquetes de greve.

(3) Rodrigo Rato foi director do FMI, vice-presidente do Governo em Espanha, e ministro das Finanças e da Economia.

Editorial do periódico Información Obrera – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – Suplemento especial nº 19, de 15 de Outubro de 2020.

Cimeira da União Europeia: o que estava em jogo

Angela Merkel, Emmanuel Macron, et le président du Conseil européen

Angela Merkel, Emmanuel Macron e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, em Bruxelas antes da Cimeira Europeia, a 17 de Julho de 2020.

Após quatro dias e outras tantas sessões nocturnas, os Chefes de Estado e/ou Primeiros-ministros dos países da União Europeia acabaram por pôr-se de acordo sobre a linha geral do pretenso “Plano de relançamento europeu”, assim como sobre as orientações do Orçamento comunitário para o período 2021-2027.

Os meios de comunicação social às ordens do Sistema não hesitaram em qualificar este acordo como “histórico”, afirmando que ele representaria, inclusive, um plano de “relançamento” da União enquanto tal. Mas os factos demonstram o contrário. Continuar a ler

A regra europeia dos 3% foi suspensa

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Na sexta-feira, 20 de Março, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou a suspensão de todas as regras europeias sobre disciplina orçamental.

Isto diz respeito, em particular, aos dois critérios estabelecidos pelo Tratado de Maastricht em 1992 e, em particular, o que proíbe Estados europeus de excederem 3% do Produto Interno Bruto (PIB) como défice orçamental.

Com esta suspensão, os Estados ficam autorizados a pagar milhares de milhões aos patrões. De repente, o dinheiro está a jorrar aos montes. Perdemo-nos nos milhares de milhões. Continuar a ler