As imagens são chocantes. Dezenas de imigrantes feridos, e entre 18 e 46 mortos – dependendo das fontes – numa tentativa desesperada de milhares de imigrantes, fugindo da fome, da miséria e da guerra, para atravessar a vedação criminosa de Melilla. Chamam-lhe um “assalto”, para criminalizar as vítimas, as mesmas pessoas que apelam ao livre acolhimento dos refugiados da Ucrânia.
É o resultado da destruição de África, o berço da humanidade, pelas políticas do imperialismo e dos governos que a ele se submetem. Destruição acelerada pela guerra e a fome que ela anuncia. É também o resultado da aliança criminosa entre os governos do reino de Espanha e do reino de Marrocos, recentemente selada pela mudança de posição do Governo espanhol sobre a questão do Sahara Ocidental, que vai na esteira da decisão do seu mestre ianque a esse respeito.
É a barbárie organizada pelos governos espanhol e marroquino
Denunciamos a política do governo espanhol de Pedro Sánchez e Yolanda Díaz, que levanta vedações de mais de 6 metros de altura, com lâminas que rasgam a carne de quem as tenta atravessar, a fim de fechar o caminho àqueles que só querem fugir da destruição dos seus países.
Sem qualquer solidariedade ou compaixão para com os mortos e feridos, Pedro Sánchez elogiou a “cooperação” da Polícia marroquina, declarando que se tratou de “um assalto violento, bem organizado e bem resolvido pelas duas forças de segurança”. Bem resolvido… quando há mais de 100 feridos e dezenas de mortos!
O presidente de Melilla – o enclave colonial de Espanha em Marrocos – Eduardo de Castro, declarou que a NATO deveria estar envolvida na defesa de Ceuta e de Melilla. Fazendo eco das suas palavras, o Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, declarou – em relação a Ceuta e Melilla – que estava “absolutamente convencido de que os aliados da NATO ficariam ao lado da Espanha se esta enfrentar ameaças e desafios”. E o Governo espanhol pede, à Cimeira da NATO, um maior envolvimento deste aparelho militar no Norte de África.
As forças de segurança herdadas do Franquismo estão a pedir “mão dura”. A Imprensa declarações dos guardas civis de Melilla, queixando-se de que “só nos permitem utilizar gás lacrimogéneo e com isso não podemos travá-los”. O Secretário-geral da pseudo-união SUCIL, o sindicato maioritário da Guardia Civil, Ernesto Vilariño, declarou que “como o número de guardas civis é escasso, pedimos mais uma vez a intervenção de unidades do Exército”.
Repugnam-nos estes acontecimentos. Exigimos o livre acolhimento de todos os imigrantes, o fim da pilhagem de África pelas multinacionais, o reconhecimento de todos os direitos dos trabalhadores imigrantes que vivem em Espanha – incluindo o milhão de trabalhadores marroquinos – a demolição das famosas vedações de Ceuta e de Melilla e o regresso a Marrocos de todos os enclaves coloniais. E justiça para as vítimas do massacre de Melilla.
Moção adoptada, por unanimidade, no Encontro Europeu contra a guerra, a NATO e a exploração, realizado em Madrid, a 25 de Junho de 2022.
Vários milhares de pessoas chegaram, nos últimos dias, às praias de Ceuta, ao mesmo tempo que algumas centenas de pessoas têm saltado a vedação de Melilla. Elas estão apenas à procura de uma vida melhor, ou simplesmente de sobreviver.
O Governo espanhol “progressista” respondeu enviando o Exército, com tanques, para as praias de Ceuta, apressando as “devoluções a quente” de mais de 6.000 pessoas (usando a infame Lei-Mordaça que prometeu revogar) e amontoou um milhar de menores num armazém industrial, a dormir no chão e sem instalações sanitárias. Centenas de outros menores foram expulsos “a quente” (o que viola todas as leis). A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, expressou publicamente nas redes sociais o “apoio e solidariedade” do Executivo que dirige para com Ceuta e Melilla, enquanto a comissária europeia para os Assuntos Internos, Ylva Johansson, advertiu Marrocos de que a sua fronteira com Ceuta é também “fronteira com a União Europeia”, e exortou Rabat a cumprir os seus compromissos de controlo da passagem de migrantes irregulares e impedir a chegada “sem precedentes” que se está a registar desde 17 de Maio à cidade autónoma.
É evidente que a crise económica, multiplicada por cem num país dependente e oprimido como é Marrocos, atirou para o desespero e a emigração centenas de milhares de jovens. O culpado não é apenas o Regime marroquino mas também o Sistema capitalista e os acordos de exploração entre a União Europeia e Marrocos, que convertem este país num campo livre para a entrada das multinacionais.
A imprensa de todas as cores ataca Marrocos, que é acusado de “ter deixado sair” estas pessoas, em represália pela hospitalização, em Logroño, de um dos líderes da Frente Polisario. Um dirigente que “viaja com passaporte argelino”, talcomo os outros líderes da Frente Polisario, uma organização cuja base se situa em Tindouf (Argélia), protegida pelo Regime argelino. Regime este, não o esqueçamos, que tem a oposição da imensa maioria do seu povo.
Fazem coro com essa imprensa a líder “anti-capitalista” e antiga Coordenadora do Podemos na Andaluzia, Teresa Rodríguez, explicando que “Marrocos está a utilizar seres humanos para fazer chantagem com Espanha e poder continuar a ignorar os direitos humanos no Sahara. Isto deveria ser intolerável”.
Deste modo, todos eles mostram a fragilidade das fronteiras artificiais de Ceuta, para cuja defesa o muro de 10 metros de altura não é suficiente. Eles precisam, além disso, que a Polícia e o Exército marroquinos defendam essas fronteiras do exterior.
Ninguém assinala a inviabilidade destes enclaves coloniais que, juntamente com várias ilhas e afloramentos rochosos ao largo da costa de Marrocos, continuam a estar em poder do Estado espanhol. E apenas poucas pessoas protestaram contra as acções do Governo de Sanchéz.
Em Dezembro de 2020, Información Obrera publicou um artigo com o título “Não, Senhora ministra, Ceuta e Melilla são cidades de Marrocos”. O artigo terminava afirmando que ambas estas cidades “são enclaves coloniais em território marroquino, assim como a ilha de Perejil, os afloramentos rochosos de Al Hoceima e Velez de la Gomera, e as Ilhas Chafarinas. A única medida progressista é o seu regresso incondicional ao povo marroquino”. Recordamos que as fortalezas militares de Ceuta e de Melilla não são apenas um punhal cravado no povo marroquino; são ameaças directas às liberdades e direitos em Espanha porque – como declarou, em 1810, Dionisio Inca Yupanqui, deputado dos EUA, perante as Cortes de Cádiz – “um povo que oprime outro não pode ser livre”. Além disso, é suficiente recordar também o golpe militar de Franco e de onde ele partiu.
A esquerda institucional cerra fileiras com o aparelho de Estado
Enquanto o Governo enviava soldados e tanques para receber as pessoas pobres que desembarcavam esfomeadas e exaustas nas ruas de Ceuta, as reacções da chamada esquerda foram inadmissíveis. Yolanda Díaz e Ione Belarra, do Podemos, lançaram algumas tímidas críticas, mas apenas sobre o facto das mais de 6.000 “devoluções a quente” que foram efectuadas, em apenas alguns dias, pelas autoridades na fronteira de Ceuta. Mas em seguida, face a uma situação tão “crítica”, Podemos decidiu que, neste momento, “não pode gerar uma crise” sobre este ponto, e que se vai limitar a fazer pressão em privado sobre Marlaska (o ministro do Interior) para que este renuncie a aplicar a medida, mas sem que a controvérsia venha a público.
Ao mesmo tempo, a conta oficial de Podemos no twitter reagir indignada às declarações de Pablo Casado (o líder do PP) – as quais mais tarde este retirou – afirmando que Podemos defende o regresso de Ceuta e Melilla a Marrocos: “Esperamos a rectificação imediata destas falsas declarações, que procuram desestabilizar o Governo. É preciso que @pablocasado deixe de mentir aos cidadãos. O único traidor à pátria, que se encontrou há uma semana com quem pede a anexação de Ceuta e Melilla a Marrocos, és tu.”
Ao mesmo tempo o PCE, que tem dois ministros no Governo, apelou à defesa da “soberania” de Espanha contra a “chantagem de Marrocos”, a quem acusa de “não hesitar em pôr em risco a vida de milhares de pessoas”. Também apela a “uma posição europeia comum” e a “mais presença da UE em matéria de política externa”.
Pela sua parte, o “verde” Íñigo Errejón, declarou, também no twitter, que não aceita “mais nenhuma chantagem. As resoluções da ONU em relação ao Sahara devem ser cumpridas e Marrocos deve ser convidado a realizar eleições democráticas. E, pelo menos, a UE talvez devesse tomar medidas relativas a possíveis contas bancárias do Rei Mohamed VI na Europa.” É curioso como, no nosso país, se multiplicaram as “informações” sobre a fortuna do Rei de Marrocos, sem dúvida de acordo com o preceito bíblico “ver o grão nos olhos dos outros e não a viga no seu próprio olho”… Poucas lições podem ser dadas por Espanha a Marrocos – um país historicamente oprimido e explorado por empresas multinacionais, algumas delas espanholas, quando aqui “desfrutamos” da monarquia dos Bourbons, com séculos de corrupção.
Pelo seu lado, os Anticapitalistas asseguram que “o que está a acontecer em Ceuta é o resultado da externalização das fronteiras a países onde os direitos humanos são sistematicamente violados, como é o caso de Marrocos, em troca de uma chantagem permanente”, e apela ao Governo a “mostrar coragem e a gerir as suas próprias fronteiras sem depender de Marrocos”. E insiste, como todas as organizações políticas anteriores, para que a solução seja colocada nas mãos das instituições internacionais do capital financeiro, e, no que diz respeito ao Sahara, pede que sejam cumpridos os “mandatos das Nações Unidas”.
Em defesa dos trabalhadores e do Povo marroquino
Para a classe trabalhadora, a prioridade deve ser a defesa dos direitos dos trabalhadores imigrantes, incluindo o milhão de trabalhadores de origem marroquina que fazem parte da classe operária espanhola e sofrem níveis muito elevados de exploração. Assim como a defesa dos milhares de imigrantes, com ou sem papéis, que ganham o seu sustento como jornaleiros agrícolas, sofrendo a exploração dos patrões que tiram partido da sua situação precária para não cumprir as leis laborais e os acordos colectivos.
Não se trata de uma questão de solidariedade, mas de defesa dos seus próprios interesses: a existência de um grande grupo de trabalhadores sem direitos permite que os patrões baixem os salários e os direitos de todos.
Em segundo lugar, antes de falar sobre os bens na Europa do monarca marroquino – agente do capital financeiro e do imperialismo norte-americano – não deveríamos falar dos investimentos das multinacionais espanholas em Marrocos, para explorar a classe operária marroquina? Em Marrocos estão a operar 1.455 empresas com capital espanhol, e há um stock de investimento acumulado de mais de 4.750 milhões de euros (M€); e, em 2019 (antes da pandemia), mais de 21.800 empresas espanholas exportaram para a economia marroquina mercadorias no valor de 8,454 M€ (cerca de 1/13 do PIB de Marrocos, que é de 106,932 M€).
E, em terceiro lugar, os interesses dos trabalhadores e dos povos de todo o Estado espanhol exigem a entrega ao povo de Marrocos de Ceuta, Melilla e dos outros enclaves coloniais – que, aliás, são ninhos da reacção – da mesma forma que exigem o regresso de Gibraltar, ocupado pelo Exército britânico, ao Estado espanhol.
Publicado na Carta semanal nº 837 (de 31 de Maio de 2021) do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI), Secção da 4ª Internacional no Estado espanhol.
Na tarde de sábado, 23 de Março, manifestantes de todas as partes de Marrocos desfilaram pela capital (Rabat) para protestar contra a precariedade imposta pelos contratos de duração determinada (CDD, ou seja “contratos a prazo”) e em defesa da Escola pública gratuita, ameaçada de liquidação pelo “projecto de Lei-quadro sobre a reforma do sistema de Educação, Formação e Investigação científica”. Continuar a ler →