Mélenchon: “Mobilizem-se com os vossos boletins de voto, decidam por vocês próprios” (na 2ª volta)

Discurso de Jean Luc Mélenchon na noite da 1ª volta, a 12 de Junho

«Dirijo-me a todos vós, com a emoção que podem adivinhar em função do resultado que nos é anunciado. No final desta 1ª volta, a Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES) ficou no tôpo das votações. Ela estará presente em mais de 500 circunscrições (círculos eleitorais) na 2ª volta. E, desde já, as projecções em número de lugares não fazem qualquer sentido neste momento, senão o de manter uma ilusão. Oxalá ela possa acabar por surpreender o nosso adversário!

A verdade é que o Partido presidencial ao fim da 1ª volta aparece derrotado e desfeito. (…) Face a este resultado e à oportunidade extraordinária que ele representa para as nossas vidas e para o destino da pátria comum, apelo o nosso povo a manifestar-se no próximo domingo.

Para rejeitar definitivamente os projectos funestos da maioria do Sr. Macron: a aposentação aos 65 anos, o trabalho forçado do RSA (Rendimento de Solidariedade Activa – equivalente do RSI, em Portugal – NdT), a face oculta do seu programa que ele nunca quis revelar e debater, isto é, os 80 mil milhões de euros que foram retirados do Orçamento do Estado para fazer face ao compromisso de 3% de défice que ele, imprudentemente, prometeu à União Europeia, o que significa retirar do Orçamento do Estado o montante equivalente aos orçamentos dos ministérios do Interior e da Educação Nacional. (…)

Não se trata apenas de rejeitar este projecto, mas também aquilo que o acompanha, quer dizer, um aumento do IVA que garanta o seu financiamento.

Claro que é preciso rejeitar e afastar; mas talvez o facto mais importante é a mobilização de todas e de todos – em primeiro lugar dos jovens, a quem o futuro pertence, bem como das populações que, desde há 30 anos, têm sentido duramente as consequências do neoliberalismo que se abateram sobre elas.

Mobilizem-se! Mobilizem-se através dos vossos boletins de voto, para escancararem a porta do futuro pelo qual lutaram tantas gerações antes de nós. Um futuro de harmonia entre os seres humanos, livre do domínio social, cultural e de género.

Um futuro em harmonia com a Natureza.

Creio que será, sem dúvida, essa página que vocês quiseram escrever ao votarem, como o fizeram, colocando a NUPES no tôpo.

Se vocês assim o decidirem, daqui a 10 dias, os preços serão congelados, o SMIC (Salário Mínimo Nacional) será aumentado para 1500 euros e os salários dos funcionários públicos (bloqueados desde 2010) também serão aumentados. Daqui a um mês, vocês terão em debate a aposentação aos 60 anos, e talvez mesmo antes disso a efectivação dos 800 mil precários da Função Pública. Cito apenas isto, mas é a maneira que tenho hoje de ser concreto e não-politiqueiro.

Trata-se da satisfação que temos ao olhar para os resultados eleitorais, que são o produto de um acordo histórico que permitiu o nascimento da Nova União Popular Ecológica e Social. Saúdo todos os que, sem excepção, agiram para a concretização deste acordo. E que fez compreender, ao nosso povo, que estávamos prontos para governar com um programa e com uma unidade que não foi desmentida em nenhum momento, apesar de todas as tentativas feitas para a quebrar após ela ter sido constituída.

A NUPES ultrapassou, de uma maneira magnífica, o primeiro teste que enfrentou. Desenvolver campanha, lado a lado, e convencer. Em democracia, tudo se resume a isso: é preciso convencer. E nós convencemos muito.

Agora, resta-nos fazer a outra parte do caminho. Cada um avaliará, no seu Círculo eleitoral, qual é o seu dever – como republicano e como democrata – e saberá como utilizar o seu boletim de voto. Não temos nenhuma dúvida sobre a inteligência do nosso povo, nem nenhuma reserva em relação à decisão final que ele tomará quanto à composição da Assembleia Nacional. (…)

Ao lançar este apelo “Mobilizem-se com o vosso boletim de voto! Decidam por vós próprios!”, estou seguro de ser ouvido por milhões de pessoas que nunca imaginaram que, na segunda volta, teriam de tomar uma decisão como a que se lhes apresenta em 500 círculos eleitorais (1).

A NUPES está orgulhosa de ter tornado possível o seu programa. Está orgulhosa do trabalho realizado. Ela encara o povo francês com a tranquilidade do dever cumprido e da perspectiva radiosa que se lhe apresenta.

Viva a República, viva a França.»

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Nota 1 – De forma a vencer na 1ª volta, o vencedor tem de reunir 50% dos votos que representem pelo menos 25% dos eleitores inscritos. Quando isto não acontece, passam à 2ª volta, que se realiza no dia 19 de Junho, todos os candidatos que tenham obtido votos equivalentes a mais de 12,5% dos inscritos ou, então, os dois candidatos mais votados. Na 1ª volta só foram apurados directamente cinco candidatos: quatro da NUPES e um do partido de Macron, faltando eleger mais 572 na 2ª volta.

FRANÇA: Nova União Popular

CONTINUAR, AMPLIFICAR E CONSOLIDAR A RECUSA DAS POLÍTICAS DE MACRON E DO REGIME QUE ELE INCARNA: ESTAMOS EM CAMPANHA!

Os 22% de Jean-Luc Mélenchon estão certamente a influenciar a situação do nosso país e, provavelmente, continuarão a fazê-lo durante muito tempo.

Vimos a dança do ventre que Macron começou a fazer entre as duas voltas das Presidenciais, “adoçando” o seu projecto de reforma sobre as pensões de aposentação, mantendo simultaneamente o essencial, e também a de Le Pen, raramente evocando os seus temas favoritos, anti-imigrantes, anti-árabes, etc.

Seguem-se agora as eleições legislativas.

Conscientes do poder que representa o voto em Mélenchon e ameaçados de perder tudo – os seus postos, o seu financiamento público, e até os seus próprios partidos – os líderes do PC, do PS e dos Verdes precipitam-se. Copiosamente derrotados nas Presidenciais, estão agora cabisbaixos à volta do tapete verde. E engolem tudo. Os mesmos que fizeram campanha para bloquear JL Mélenchon na 1ª volta, abrindo caminho para Le Pen ir à segunda volta, para a seguir votarem e fazerem eleger Macron, ei-los que aceitam tudo: fazer campanha sob o logótipo da União Popular, com quase todo o programa: a revogação da lei El Khomri, a revogação da lei do separatismo, e mesmo a 6ª República, a aposentação aos 60 anos,…

Sob a pressão dos 22%, tudo é avalizado.

Que ninguém nos pergunte se existe um grama de sinceridade nestas inversões de posição. Estes Jadot, Hidalgo, Roussel e os seus representantes há muito tempo que estão habituados a estes volte-faces. Eles não pensam o que dizem, não dizem o que pensam e, uma vez eleitos, fazem o contrário do que disseram. Estas rejeições e falsidades são a causa de muitas abstenções, e, a outro nível, alimentaram o voto em Le Pen. Elas explicam o estado actual dos seus próprios partidos.

E estão a colher o preço da sua renúncia em dezenas de círculos eleitorais por vezes ganháveis, por vezes bizarros.

A este respeito, é perfeitamente compreensível o desapontamento daqueles que militando no terreno, artesãos tenazes do resultado obtido por Jean-Luc Mélenchon, a quem são impostos – com ou sem paraquedismo, mas sem a mínima consulta – candidatos violentamente opostos ou inexistentes na batalha pelo score da 1ª volta. O Villani e o Taché (antigos membros da LREM – A República Em Marcha, o partido de Macron)… E acima de tudo, acima de tudo, esta preocupação: e se isto nos fizer perder?

Se forem eleitos para a Assembleia Nacional, salvando os seus lugares e os seus pequenos interesses temporariamente preservados, o que irão eles fazer? Irão eles levantar-se sem hesitar contra Macron e o Regime que ele incarna? Respeitarão eles desta vez o seu mandato? O futuro di-lo-á. E, quem sabe, talvez tenhamos algumas surpresas… E congratular-nos-emos com isso.

Mas será que esta generosidade, esta concessão de circunscrições irão alterar o poder dos 22% da primeira volta?

Trata-se de numa “recriação” da “união da esquerda”? Mesmo que haja algumas pessoas a sonhar com isso, não é este o caso!

Por uma boa e simples razão. Os defensores dessa desastrosa “união da esquerda” foram derrotados e esmagados na primeira volta das eleições presidenciais e foram-no por uma feroz e consciente vontade de romper com a política e o Regime de Macron, incluindo todas as combinações mortíferas de todos os partidos tradicionais da 5ª República. Chamados de novo a pronunciarem-se nas eleições legislativas, qualquer que seja a forma, os 22% – e porque não muitos outros (e quem se lamentaria?) – procurarão reforçar, ampliar e organizar esta poderosa vontade de ruptura total. É a vontade de ruptura que levará a melhor.

Quaisquer que sejam as reviravoltas de Jadot, Hidalgo ou Roussel – e mesmo o número dos círculos eleitorais que lhes forem concedidos – é “Mélenchon 1º ministro” e “Maioria da União popular à Assembleia Nacional” que  levarão a melhor.

Trata-se de belas fórmulas, mas com um conteúdo: continuar, ampliar e estruturar o que disseram milhões nas eleições presidenciais de 2017, depois nas ruas através de manifestações, greves, da rejeição… depois já em 2022, nas eleições presidenciais, e também, mais recentemente, no 1º de Maio. E com as lutas de classe que não param de se desenvolver e que estes resultados encorajam e encorajarão.

Ninguém está hoje em condições de poder fazer recuar os 22%. E os verdadeiros especialistas não se enganam. Jean-Christophe Cambadélis, Hollande, Stéphane Le Foll por exemplo, os grandes orquestradores da “união da esquerda”, tocam o alarme. Para eles, a União Popular, e mesmo a Nova União Popular, não tem nada a ver com o que fizeram durante uma boa parte das suas vidas. Dizem: “É o fim do Partido Socialista e do ideal socialista”. Pelo menos, da sua concepção de socialismo!

A apreensão atinge também as cúpulas do Estado. E se uma maioria na Assembleia Nacional resultasse em Jean-Luc Mélenchon como Primeiro-ministro, seria uma coabitação como na época de Chirac ou Jospin? Mais uma vez, não. Porque seria uma marca, também ela, desta massiva vontade de ruptura. Ela transformaria a crise latente da 5ª República numa crise aberta, com a possibilidade da irrupção das massas que os aterroriza a todos. Para já, a própria ideia de uma 6ª República poderia muito bem assumir os contornos de uma mobilização para uma Assembleia Constituinte soberana eliminando a 5ª República.

E se acontecer a situação de uma Assembleia Nacional sem uma maioria da União Popular, mas com uma representação consideravelmente mais forte?

O jornal de negócios Les Échos responde à pergunta: “Mélenchon continua a meter medo… E mesmo que ele falhe, pode tornar-se na oposição principal na Assembleia. Principal grupo de oposição e radical, esse território é desconhecido.” Melhor não poderia ser dito.

Decididamente, os 22% influenciam tudo!

É por isso que, para além das reviravoltas de uns e de outros, os acontecimentos dos últimos dias dão um tom muito especial ao comunicado do POI de 25 de Abril.

Militantes do POI, alguns de nós comunistas e trotskistas, partidários convictos da Revolução e da Democracia, da expropriação do capital e do socialismo, estamos totalmente convencidos da frase de Marx: “Os comunistas não têm interesses distintos dos do conjunto do proletariado” – que Jean-Luc Mélenchon, muito oportunamente, citou no seu no seu discurso do 1º de Maio. Já envolvido em a União Popular: pelos 22% e os seus candidatos, vamos empenhar-nos a fundo!

O Comité de redacção de Informations ouvrières

(semanário do POI, nº 705, de 11 de Maio de 2022)

O significado dos resultados das Legislativas

O Presidente da República – em conluio com António Costa – pôde consumar um golpe de Estado palaciano e convocar novas eleições legislativas, na ausência da mobilização diante da Assembleia da República das forças que representam a população trabalhadora organizada, para exigir um Orçamento do Estado capaz de corresponder às necessidades da sua maioria.

Fechada a saída de mobilização da população trabalhadora, foi fácil os trabalhadores e as populações serem colocados perante a chantagem: ou a continuação do governo do PS, ou um governo da Direita pura e dura.

E no contexto imposto, os trabalhadores e as populações – incluindo uma grande parte do eleitorado do PCP e do BE – não viu outra alternativa, para “jogar pelo seguro”, senão concentrar o seu voto no PS, ainda mais com a agravante das sondagens anunciarem o crescimento, dia após dia, das intenções de voto nos principais partidos da Direita.

Os resultados eleitorais são claros.

– O PS obtém uma maioria absoluta de deputados (117 em 230, mais dois possíveis da emigração) com 41,68% dos votos, em detrimento do PCP e em especial do BE.

– Pelo seu lado, os partidos da burguesia continuam num processo de fragmentação: O PSD é derrotado em todos os círculos eleitorais, com excepção da Região Autónoma da Madeira, ao mesmo tempo que o CDS não conseguiu eleger um único deputado; ao mesmo tempo, os partidos que saíram de dentro deles (Chega e Iniciativa Liberal) têm subidas importantes, multiplicando o seu número de deputados por 12 e por 8, respectivamente.

Uma primeira interpretação destes resultados

1 – A nova derrota do PSD e o afundamento do CDS – partidos históricos da burguesia nacional – ao mesmo tempo que libertaram do seu seio as forças “mais radicais” que disputam o mesmo eleitorado, pode ser interpretada como a expressão das contradições em que estão mergulhados os diferentes sectores da burguesia nacional, cada vez mais laminados e mesmo condenados ao desaparecimento, no quadro da crise mundial do Sistema capitalista, tendo neste contexto a necessidade de destruir todas as conquistas da Revolução de Abril. Para realizar estes objectivos de sobrevivência, estas forças – em vez de se unirem – aparecem cada vez mais fragmentadas.

2 – O quadro do “consenso de geometria variável”, praticado na AR nas duas legislaturas anteriores – nomeadamente pelos acordos com o PS do BE e do PCP, por um lado, e do PSD, por outro – foi responsável pela penalização eleitoral histórica do PCP e, em especial, do BE. Sobre a situação criada, os militantes destes partidos tirarão as suas próprias conclusões.

3 – O PS concentra, assim, a maioria do eleitorado; mas, para fazer que política?

O jornalista do semanário Expresso, Daniel Oliveira, escreveu num dos seus artigos sobre a maioria absoluta do PS, que esta tinha uma grande parte de votos “emprestados”, votos da Esquerda para impedir uma vitória da Direita.

A questão que se coloca é: como vão ser cobrados estes votos, dados ao PS, sem ilusões no seu Governo?

E, também, por parte dos eleitores socialistas houve quem tenha dito: “Voto no PS, quase tapando os olhos, tal é o meu descontentamento com a maneira como o meu sector de trabalho (a enfermagem) foi tratado; mas, haja o que houver, jamais abandonarei o combate por políticas socialistas, as únicas que poderão garantir justiça social.”

Eis a base eleitoral do Partido que tem agora a maioria absoluta.

A “estabilidade” que o capital financeiro defende

Em total contradição com aqueles a quem António Costa deve a maioria absoluta, vem o Presidente da CIP, António Saraiva, dizer-lhe estarem finalmente criadas as condições “(de estabilidade política) para que o país possa vencer os desafios e encetar finalmente o verdadeiro percurso de convergência no seio da União Europeia”. Em linguagem codificada, a CIP espera de António Costa e do seu Governo que seja acentuada a política que permita aumentar ainda mais os lucros do grande Patronato, asfixiando as pequenas empresas e acentuando as condições de exploração dos trabalhadores. Uma política que será a continuação das exigências do capital financeiro, no respeito pelos tratados europeus.

Eis assim o PS no centro da contradição. Quem a pode resolver?

Os trabalhadores e as populações, de todo o país, dirão à Direcção do PS:

“Vocês têm uma maioria absoluta conseguida com o nosso voto. O que vos impede de a usar a nosso favor?

O que vos impede de revogar as leis anti-laborais, de garantir os direitos dos trabalhadores de todos os sectores, do público e do privado? O que vos impede de garantir o respeito pelas condições de trabalho e de vida dos profissionais da Saúde e da Escola Pública?

O que vos impede de agir para garantir que a riqueza produzida no nosso país seja colocada ao serviço do seu desenvolvimento, em vez de ser desviada para paraísos fiscais?”

Os militantes da Associação Política Operária de Unidade Socialista (POUS), Secção portuguesa da 4ª Internacional, impulsionadores do jornal “O Militante Socialista”, participarão nas iniciativas dos trabalhadores e das populações que ajudem a resolver positivamente a contradição.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2022

O Secretariado da Associação

por uma Política Operária de Unidade Socialista