
À esquerda, Oskar Lafontaine (ex-Secretário-Geral do Die Link) que acaba de sair desse Partido, e ao centro Sarah Wagenknecht (líder da oposição ao actual Secretário-Geral, Gregor Gysi).
Em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, os prisioneiros políticos sobreviventes nos campos de concentração da Alemanha escreveram manifestos. E não apenas no campo de Buchenwald, um manifesto de militantes trotskistas, que é bem conhecido. Existem também outros manifestos, de outros campos, escritos por militantes do PC, sindicalistas, militantes do SPD. Estes diversos manifestos têm, pelo menos, duas coisas em comum: por um lado, estabelecem claramente a ligação entre capitalismo e fascismo e colocam a questão da expropriação do capital; e, em segundo lugar, proclamam – “Nunca mais fascismo, nunca mais guerra!”. “Nunca mais guerra” é aquilo que chamamos, na Alemanha, “o juramento do povo alemão”.
De facto, existe – desde a Segunda Guerra Mundial e o fascismo – um pacifismo profundamente enraizado na população alemã. Isto teve um efeito profundo na situação política do pós-guerra e teve consequências a vários níveis. Por exemplo, o pacifismo das massas não é alheio ao facto de o Exército alemão, o Bundeswehr, ser ridiculamente pequeno e fraco em relação ao peso económico da Alemanha e, especialmente, após a queda do Muro em 1989, também em relação ao peso político do imperialismo alemão. Poder-se-ia continuar: por exemplo, esta situação também fez abrandar, durante décadas, o parasitismo para o qual a corrida aos armamentos, a economia de guerra, arrasta toda a economia.
Continuemos: este pacifismo das massas foi expresso ao ar livre, em manifestações de milhões nas ruas, no final dos anos 70 e início dos anos 80, quando os Norte-americanos, no contexto da Guerra Fria, quiseram instalar os famosos mísseis “Pershing”, em solo alemão, a fim de atacar a Rússia. Houve enormes manifestações por toda a Alemanha, as maiores manifestações desde a Segunda Guerra Mundial, nomeadamente para as bases norte-americanas – locais onde os EUA queriam instalar estes mísseis.
A 27 de Fevereiro de 2022, três dias após o ataque de Putin à Ucrânia, o chanceler social-democrata Scholz fez um discurso no Parlamento alemão, o Bundestag. Neste discurso histórico, anunciou que não só aceitaria a exigência dos EUA de aumentar o Orçamento militar para 2% do PIB, como também investiria 100 mil milhões de euros num Fundo especial para fazer da Bundeswehr “o maior Exército da União Europeia”. Esta é uma verdadeira ruptura política, uma ruptura com o “juramento do povo alemão” e a mais total subordinação às políticas do imperialismo norte-americano e da NATO.
No próprio dia do discurso de Scholz, 500 mil pessoas manifestaram-se em Berlim contra a guerra; e, nos dias seguintes, 140 mil em Hamburgo, 120 mil em Frankfurt, etc., manifestações muito massivas em todo o lado. Foi importante, muito importante.
Mas, o facto político mais importante foi que – nesse mesmo dia – a deputada do partido “Die Linke” (A Esquerda), Sarah Wagenknecht, e sete deputados do seu Partido, emitiram uma declaração conjunta, condenando Putin e o seu ataque, mas rejeitando totalmente o Orçamento de 100 mil milhões para a Bundeswehr e a política da NATO e dos EUA. É de notar que Gregor Gysi, líder histórico do Die Linke, quis levar – também nesse dia – o seu partido a assinar uma Declaração conjunta com o governo SPD-Verdes-Liberais e o partido burguês CDU, aceitando o rearmamento de 100 mil milhões de euros, abandonando assim as posições históricas do Partido. Sarah Wagenknecht e os seus colegas deputados estão a resistir, a crise do Die Linke é total.
É uma grande convulsão na Alemanha, o parêntesis iniciado em 1945 está a ser fechado. O imperialismo norte-americano quer tirar partido da guerra na Ucrânia para esmagar os seus concorrentes no mercado mundial. Biden exige que a Alemanha deixe de importar gás e petróleo russos. É importante saber que a Alemanha, especialmente a sua indústria, depende em 59% do gás e petróleo russos, que é comprado a baixo preço e transportado através dos gasodutos “Nordstream” para a Alemanha.
O imperialismo norte-americano quer transformar a Alemanha num “campo de batatas”, como previa o famoso Plano dos EUA (elaborado por Morgenthau, em 1945). Isto não é, de forma alguma, um exagero. Há alguns dias, economistas publicaram um estudo explicando que fechar as “torneiras russas” mergulharia a Alemanha na maior crise desde a República de Weimar (que vigorou entre 1919 e 1933), provocando imediatamente uma queda do PIB em cerca de 13% e atirando 6 milhões de trabalhadores para o desemprego. Ao tentar esmagar o seu concorrente alemão, o imperialismo norte-americano está a tentar esmagar o proletariado alemão, que tem, apesar de todos os ataques, algumas das conquistas mais importantes na Europa.
O parêntesis de 1945 está a ser fechado, isto é: ou o imperialismo norte-americano consegue transformar o país num “campo de batatas”, impondo a marcha em direcção à barbárie; ou os trabalhadores se mobilizam para expropriar o capital – uma questão que foi colocada, sem poder ser resolvida, com a queda do Muro de Berlim e, portanto, da burocracia estalinista – com o início da revolução alemã.
A 3 de Junho de 2022, quando Scholz colocou à votação no Bundestag o Orçamento de 100 mil milhões de euros para a Bundeswehr, os dirigentes do SPD, Gregor Gysi do Die Linke e a maioria das direcções sindicais capitularam e submeteram-se ao ditame dos EUA, ao “suicídio”. Mas 22 deputados do Die Linke, liderados por Sarah Wagenknecht, mas não Gregor Gysi, e 9 deputados do SPD, votaram contra.
Estes 31 deputados salvaram a honra do movimento operário alemão!
A 3 de Junho de 2022, eles foram 31 no Parlamento alemão. A 3 de Dezembro de 1914, no início da Primeira Guerra Mundial, quando os dirigentes do SPD aceitaram os créditos de guerra do Kaiser, apenas um deputado votou contra, apenas um. Foi Karl Liebknecht, filho de um dos fundadores do SPD, Wilhelm Liebknecht, um advogado de profissão, mas sobretudo um internacionalista e revolucionário socialista.
Sarah Wagenknecht mantem-se firme com os seus camaradas e vai mais longe. Juntamente com 85 líderes sindicais e deputados do Die Linke, lançou um apelo “Para uma esquerda popular”. Claro – isso é óbvio – inspiraram-se em Jean-Luc Mélenchon e a União Popular e a sua política de ruptura em França. 6.400 militantes já assinaram esse apelo. Sarah Wagenknecht e os primeiros signatários querem convocar um Congresso dos signatários deste apelo, em Outubro, para ir mais longe. Os nossos camaradas na Alemanha estão empenhados neste processo.
Não sabemos com que ritmos e até onde Sarah Wagenknecht e os seus camaradas querem ir na ruptura com o imperialismo e com a Direcção de Gysi que a ele se submete. Mas sabemos que este caminho que começaram é o caminho da resistência, o caminho da ruptura, que centenas de milhar de militantes operários da Alemanha procuram e querem tomar. E lembremos que, alguns anos após o voto de Karl Liebknecht, no final da Primeira Guerra Mundial, começou a revolução alemã de 1918/1919.