
Giorgia Meloni, no seu discurso no Parlamento, no dia 25 de Outubro, prometeu que a Itália permaneceria “um parceiro de confiança da NATO em apoio à Ucrânia, que se opõe à agressão da Rússia”. Ela também garantiu que “a Itália respeitará as regras europeias”. A União Europeia é “uma casa comum para enfrentar os desafios que os Estados-membros dificilmente podem enfrentar sozinhos”, disse ela também.
Giorgia Meloni, líder do partido Fratelli d’Italia (Irmãos de Itália), que ficou em primeiro lugar nas eleições legislativas de 25 de Setembro, tornou-se presidente do Conselho de Ministros, num contexto de crise política e social em Itália.
Crise política, porque o governo anterior, o de Mario Draghi, tinha durado um ano e meio e tinha caído a 14 de Julho de 2022. Nessa altura, escrevemos neste semanário Informações operárias: no entanto, “Draghi tinha ganho o apoio de quase todos os membros do Parlamento, da Extrema-direita ao Partido Democrático (um partido composto pelos restos do Partido Comunista italiano e da Democracia Cristã), para atacar as pensões de aposentação, para privatizar cada vez mais, continuar a desregulamentar o trabalho e impor a austeridade à população. População italiana que tem as maiores dificuldades em poder viver ou sobreviver com preços e impostos que estão em alta.”
Draghi tinha-se vergado em relação às exigências do governo dos EUA, aceitando a política de guerra feita atrás da NATO, concordando em privar a Itália de gás russo, apesar de o país depender dele ao nível de 40%. Draghi caiu quando os seus apoiantes políticos se dividiram sobre a implementação deste programa destrutivo.
Assim, teve de ser encontrado um outro líder para a política de privatizações e de economia de guerra, numa situação de profunda rejeição por parte da população, da qual, 36% se absteve nas eleições legislativas (um recorde na Itália).
Os partidos da coligação de direita em torno de Meloni não pararam de se digladiar e chamar nomes uns aos outros sobre a distribuição dos ministérios. Mas é um segredo de Polichinelo que, durante semanas, Meloni recebeu sobretudo conselhos de Mario Draghi (ex-presidente do Parlamento Europeu) para formar o seu Governo.
Antonio Tajani foi nomeado Vice-Primeiro ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros. Antigo Comissário Europeu, “ele cumpre todos os requisitos para tranquilizar Bruxelas” (Le Monde, 22 de Outubro).
Giancarlo Giorgetti, foi reconvertido em ministro da Economia. “Ele já era ministro do Desenvolvimento Económico, no governo de Draghi” (Les Echos, 21 de Outubro).
Adolfo Urso foi nomeado ministro do Desenvolvimento Económico, sendo “considerado muito próximo de Washington” (Le Monde, 22 de Outubro).
Guido Crossetto foi nomeado para o Ministério da Defesa, “depois de ter representado os interesses das empresas italianas no sector do armamento” (Le Monde, 22 de Outubro).
Portanto, encontram-se neste Governo “reclassificados” do governo de Draghi, um representante dos vendedores de canhões, e ministros a receberem ordens de Washington, da NATO e de Bruxelas.
Este governo de Meloni apresenta-se como querendo restabelecer a soberania da Itália, quando está totalmente sob tutela.
Ninguém ficará surpreendido por o jornal Le Monde escrever: “Os perfis dos ministros nomeados para postos-chave foram concebidos para tranquilizar os mercados.”
Um governo de Meloni frágil, mas com um mandato para continuar a política de guerra e de destruição social
Trata-se da continuidade com o governo de Draghi? Sim, mas este Governo também tem um monte de aventureiros reaccionários, que estão longe de ser disciplinados, composto do pior do mundo empresarial, reaccionário, clerical e homofóbico, tendo, em particular, como presidente da Câmara dos Deputados, Lorenzo Fontana, da Liga do Norte, que declarou, em 2019, querer fazer do seu partido “uma charneira entre Trump e Putin”.
Este Governo pretende continuar a empurrar a Itália para a escalada da guerra, atrás dos Exércitos norte-americanos da NATO.
No entanto, Giorgia Meloni teve de enfrentar as declarações polémicas de Silvio Berlusconi, a 19 de Outubro, que afirmou ter “retomado as relações” com Vladimir Putin e atribuiu a Kiev a responsabilidade pela guerra. Meloni teve de rectificar a situação, no dia seguinte, dizendo que a Itália é “parte integrante” da Europa e da NATO.
UMA CRISE SOCIAL QUE ESTÁ A AUMENTAR
A crise social está a agravar-se, com a inflação na Península italiana a subir em Setembro, atingindo 8,9% num ano. É provável que a Itália entre em recessão técnica no próximo ano, juntamente com a Alemanha. As margens de manobra são limitadas, por causa de uma Dívida pública colossal representando 150% do Produto Interno Bruto (PIB), o rácio mais elevado da Zona Euro depois da Grécia. Meloni planeia continuar também um programa de guerra contra os Italianos: um Relatório da Cáritas, uma Associação católica italiana, publicado a 17 de Outubro, revela que mais de cinco milhões de Italianos estão em extrema pobreza, um nível que nunca tinha sido atingido.
Os montantes das facturas estão a subir em flecha e, além de ameaçarem as famílias, também ameaçam as indústrias italianas e as pequenas e médias empresas. Lembremo-nos dos pequenos patrões venezianos que, no passado Verão, se manifestaram rasgando as suas facturas de electricidade na praça principal de Mestre.
“Continuidade” e transição “ordenada”, título do jornal diário Corriere della Sera, de 24 de Outubro
O que é que o governo de Meloni tenciona fazer? A abolição do Rendimento de Cidadania (equivalente ao Rendimento Social de Inserção português), que ajuda dois milhões de pessoas num país que não tem sequer salário mínimo instituído. A Direita procura limitar o alcance desta medida. O objectivo é poupar mais de três mil milhões de euros em relação a este item, e Meloni explica que as verbas assim poupadas poderiam ser utilizadas para introduzir um novo subsídio para os empregados, com deduções entre 120% e 150% para as empresas. A fragilidade em que Meloni já se encontra, poderá levá-la a não abolir o Rendimento de Cidadania, mas a impor-lhe condições, tais como só o eliminar a quem recuse uma segunda oferta de emprego.
A nível institucional, Giorgia Meloni pretende reformar a Constituição italiana de 1948, que rompeu com o Estado fascista. O seu projecto de reforma visa eleger o Presidente da República por sufrágio universal. Um sistema presidencial, ao estilo francês, que poria em causa o poder do Parlamento. Meloni precisou qual é o objectivo: “Quem ganhar as eleições (presidenciais) sabe que estará no poder durante cinco anos, para levar a cabo o seu projecto.” De facto, não há qualquer garantia de cinco anos de estabilidade para o actual governo de Meloni!
Mais do que nunca, em Itália, a luta contra a pobreza e a favor do progresso social está intimamente ligada à luta contra as directivas de Bruxelas, e contra as sanções à Rússia.
“Às escondidas”: reunião de Macron com Meloni
“Um primeiro encontro, mantido em segredo até ao último minuto. Emmanuel Macron e Giorgia Meloni encontraram-se, às escondidas, no domingo, 23 de Outubro, às 20 horas.”
É assim que o jornal Le Monde descreve essa reunião (a primeira de Meloni com um chefe de Estado estrangeiro). Como se fosse “vergonhoso” esse encontro. Mas Macron sabe que Meloni se pronunciou a favor da NATO, pelo apoio à Ucrânia, pela aprovação do funcionamento da União Europeia e dos 140 mil milhões de euros do Fundo Europeu de Relançamento que a Itália ainda tem de receber. Macron sabe que Meloni nomeou os seus principais ministros em bom entendimento com Mario Draghi, o seu predecessor e ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE).
Aliás, Macron não está sozinho. No dia anterior, Ursula von der Leyen, a Presidente da Comissão Europeia, tinha escrito no Tweet: “Parabéns a Giorgia Meloni pela sua nomeação como Primeira-ministra, a primeira mulher a obter este posto.” Quanto a Biden, ele foi ainda mais directo: “Estou ansioso por trabalhar com Meloni.”
O capital ainda é o capital, ele sabe onde estão os seus “valores”.
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Crónica da autoria de Ophélie Sauger, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 729, de 26 de Outubro de 2022, do Partido Operário Independente de França.