
A 3 de Setembro de 1938, 30 delegados de 10 Secções da “Oposição de Esquerda” – União Soviética, França, Alemanha, Reino Unido, Polónia, Itália, Grécia, Bélgica, Holanda e EUA – e mais um pela América Latina, o brasileiro Mário Pedrosa, reuniram–se em Perigny, na periferia de Paris, na Conferência de fundação da 4ª Internacional.
Foi o ponto de chegada de um trabalho de cinco anos, desde que, em 1933, Leão Trotsky propôs à Oposição de Esquerda Internacional mudar de orientação e constituir o Movimento pela 4ª Internacional. Para tanto foi decisivo o que tinha ocorrido na Alemanha, onde a política ditada por Estaline ao PC alemão apontava a social-democracia como sendo “o inimigo principal” perante a ascensão de Hitler, negando-se a aplicar a estratégia da frente única operária para barrar a via ao nazismo. A total falta de reacção a essa política desastrosa, nos partidos da 3ª Internacional, levou Trotsky a considerá-la perdida para a revolução.
Perante a iminência da 2ª Guerra Mundial, era preciso assegurar o fio da continuidade
A fundação da 4ª Internacional teve lugar nas vésperas da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), preparada pelas grandes derrotas sofridas pelos trabalhadores depois da Revolução Russa de 1917: a contra-revolução estalinista na União Soviética, a vitória do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, as derrotas provocadas pelas frentes populares (aliança com a burguesia “democrática”) em França e na guerra civil de Espanha, os processos de Moscovo, iniciados em 1936, em que Estaline liquidou toda a antiga Direcção bolchevique.
Mas, era preciso assegurar o fio da continuidade do que vinha desde Marx e a 1ª Internacional: “A luta de classes não sofre interrupção. A 3ª Internacional, após a 2ª, está morta para a revolução. Viva a 4ª Internacional!”.
O método das reivindicações transitórias
O Programa adoptado em 1938, “A agonia do capitalismo e as tarefas da 4ª Internacional”, tinha como subtítulo “A mobilização das massas por meio das reivindicações transitórias como preparação para a tomada do poder” (Programa de Transição).
As reivindicações transitórias consistiam em superar o velho “programa mínimo”, numa situação de “capitalismo em decomposição, quando não há mais lugar para reformas sociais sistemáticas nem para a elevação do nível de vida das massas; (…) quando cada reivindicação séria do proletariado e mesmo cada reivindicação progressista da pequena burguesia conduzem, inevitavelmente, para além dos limites da propriedade capitalista e do Estado burguês. (…) Na medida em que as velhas reivindicações parciais ‘mínimas’ das massas se chocam com as tendências destrutivas e degradantes do capitalismo decadente (…), a 4ª Internacional avança um sistema de reivindicações transitórias, cujo sentido é o de se dirigir, cada vez mais aberta e resolutamente, contra as próprias bases do regime burguês.”
Com este método, o Programa aborda temas como: o desemprego e a carestia de vida; o lugar dos sindicatos, comités de fábrica e sovietes; a expropriação de certos grupos capitalistas e dos bancos; o controlo operário da produção; a aliança dos operários e camponeses; a luta contra o imperialismo e contra a guerra.
As reivindicações transitórias são válidas também para os países dominados pelo imperialismo, combinando as tarefas de libertação nacional com a tomada do poder pela classe operária, e igualmente para a União Soviética, onde se trata de ajudar as massas a fazer a revolução política perante a alternativa: “ou a burocracia, tornando-se cada vez mais no órgão da burguesia mundial no Estado operário, derrubará as novas formas de propriedade e lançará o país de volta ao capitalismo; ou a classe operária destruirá a burocracia e abrirá uma saída em direcção ao socialismo”.
Para o marxismo, o Programa é um guia para a acção, não um dogma. Assim, o que foi considerado como “pouco provável” no texto de 1938, tornou-se recorrente após a Segunda Guerra Mundial: que, numa “combinação de circunstâncias excepcionais (guerra, derrota, afundamento financeiro, ofensiva revolucionária das massas etc.), os partidos pequeno-burgueses, inclusive os estalinistas, possam ir mais longe do que eles mesmos queriam na via da ruptura com a burguesia”. A revolução chinesa (1949) e, de outro modo, a revolução cubana (1959) foram exemplos dessa possibilidade, ao mesmo tempo que não asseguraram a permanência das conquistas obtidas com a expropriação do capital.
Para libertar as massas das velhas Direcções, que se tornaram num obstáculo à revolução, o Programa retoma a essência da política de frente única, ao propor que delas se exija sistematicamente: “Rompam com a burguesia, tomem o poder!”.
A transição na construção do Partido
Nos limites deste texto, não cabe explicar as bases políticas da crise de dispersão que atingiu a 4ª Internacional em 1952/1953, privada que estava de Trotsky, assassinado por um agente de Estaline em Agosto de 1940. Vamos apenas realçar que aqueles que ficaram fiéis ao seu Programa de fundação procuraram ligar-se às classes trabalhadoras e aplicar o método da transição também na construção da 4ª Internacional e das suas secções.
Pierre Lambert – dirigente da Secção francesa, cujo centenário de nascimento ocorre neste ano de 2020 – desempenhou um papel importante nessa elaboração. Militante da CGT clandestina sob a ocupação nazi, depois dirigente da CGT-FO, Lambert procurou convencer os seus camaradas sobre a necessidade de criar um quadro flexível que permitisse o trabalho comum com militantes de outras origens, em ruptura com o estalinismo e a social-democracia.
Uma elaboração que avançou através da discussão e da experiência, e que pode ser assim resumida: o Programa da 4ª Internacional foi confirmado pela História; logo, ele é a base para a construção do Partido revolucionário. Mas, perante a terrível crise de Direcção, o Programa não pode ser um ultimato dirigido aos que querem combater o imperialismo. Sobre a base do internacionalismo e da independência de classe, é preciso criar – em pé de igualdade com outros militantes – um quadro comum para o combate pelo socialismo.
A luta por partidos operários independentes e a criação de um quadro internacional para o debate e a acção contra o imperialismo, além de corresponder a uma necessidade premente, é também uma transição para a construção da 4ª Internacional e das suas secções.
O processo que levou à reproclamação da 4ª Internacional, em 1993, foi alimentado por experiências de construção ou defesa de partidos operários independentes em vários países. Em 1991, na Conferência Mundial Aberta de Barcelona, foi criado o Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AIT), expressando essa mesma linha da transição, que hoje se prolonga no Comité Internacional de Ligação e de Intercâmbio, criado na Conferência Mundial contra a Guerra e a Exploração, realizada em Argel em 2017. ´
É assim que, passados 82 anos da sua fundação, e no meio da mais brutal crise do capitalismo – acelerada e desnudada pela pandemia do Covid19 – a 4ª Internacional vive e luta!
Artigo de Júlio Turra no jornal “O Trabalho” – cuja publicação é da responsabilidade da Secção brasileira da 4ª Internacional (corrente do Partido dos Trabalhadores) – na sua edição nº 874, de 11 de Setembro de 2020.