INCÊNDIOS, INSENSIBILIDADE E PROMESSAS

Portugal é o país com maior percentagem de área ardida na Europa em relação à dimensão do país, indicam os dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS).

Impossível não sentir dolorosamente como a falência de um modelo de gestão e ordenamento florestal têm levado, anos após ano, ao progressivo desaparecimento da mancha florestal no nosso país.

Em 2015, foi Pedrógão Grande – onde morreram 64 pessoas.

Em 2017, foi o secular Pinhal de Leiria – a floresta pública mais rentável, em resultado de uma política economicista de supressão de recursos humanos e técnicos.

Em 2022, o Parque Natural da Serra da Estrela (Geopark Mundial da Unesco).

Reduzir ao argumento de que as alterações climáticas conduzem à inevitabilidade dos incêndios, demonstra não só insensibilidade por parte do Governo para com as populações atingidas e para com os operacionais no terreno, como a continuidade de uma política de desinvestimento no planeamento territorial e no modelo de gestão da floresta. Insistir no modelo da floresta de produção para o lucro, sem atender à necessidade de, paralelamente, existir uma floresta protectiva, que tem vindo a desaparecer com a desertificação do interior é querer ignorar as consequências das alterações climáticas.

Perante o desastre o que faz o Governo, talvez em resultado da revolta das populações e da pressão dos seus autarcas?

Promessas!!!

Acaba de anunciar, com pompa e circunstância, um Plano para revitalizar a Serra da Estrela até 2032.

Uma promessa, como muitas outras – por exemplo, a declaração de “zona de calamidade” para as áreas ardidas – destinadas a acalmar as populações atingidas e a camuflar a sua responsabilidade.

Se as promessas para o futuro da Serra da Estrela se concretizarem como as que foram feitas por António Costa para a recuperação do Pinhal de Leiria, podem as populações contar com um fracasso total.

Até hoje, a devastação e a ausência de plano ou de acção são a marca deste território do Pinhal de Leiria.

Maria João Gomes, Ex-deputada da Assembleia

Municipal da Marinha Grande

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COMO SE QUEIMA UM VELHO ESTADO

Como complemento à Nota da nossa camarada Maria João Gomes, divulgamos este post de João Rodrigues, publicado no blogue Ladrões de Bicicletas, em 25 de Agosto de 2022.


Por uma vez dou razão a Manuel Carvalho, em editorial no Público, até porque em matéria florestal por vezes abandona os seus preconceitos neoliberais: “O algoritmo e o futuro risonho da serra [da Estrela] revelam sinais de nervosismo, insensibilidade e desorientação. Na sua tentativa de relativizar a dimensão do desastre não deram conta que a relativização e a propaganda não funcionam”. 

E a desmemória também não. Como está o Pinhal de Leiria? Lembro o que Carvalho escreveu, em coautoria, num Público de 21/10/2017: 

“No final dos anos de 1970 havia na circunscrição florestal da Marinha Grande (que se dedicava quase em exclusivo ao pinhal e tinha orçamento próprio) 5 técnicos, 200 trabalhadores rurais e 40 guardas-florestais. Hoje não há circunscrições e na Marinha Grande trabalham dois técnicos e 10 trabalhadores rurais – não há, como se sabe, guardas-florestais. Após duas grandes reformas nos serviços em 1993 e 1998, os serviços florestais locais e circunscrições florestais regionais (3 no centro) passaram a estar centralizados no ICNF [Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas], em Lisboa.” 

Nesse mesmo dia, num artigo de opinião, o geólogo Micael Jorge informava ainda que, entre 2001 e 2009, as matas do Pinhal tinham gerado 26,2 milhões de euros de lucros, enquanto o valor investido fora de cerca de 2,7 milhões. 

Avancemos cinco anos para chegarmos de novo ao Verão, de 2022, sabendo que pouco se fez para alterar este estado de coisas, por exemplo através de investimento público em serviços públicos nesta e noutras áreas. A passagem do tempo assim só piora tudo, até perante a evidência cada vez mais ululante das alterações climáticas. 

A seguir ao incêndio na Serra da Estrela, o biólogo Jorge Paiva informava, em artigo de opinião, no Público de 12/8/2022: “Com este devastador incêndio, resultante da incúria e incompetência de quem devia proteger o Parque Natural e Geoparque Internacional da Serra da Estrela, há espécies de animais e plantas que ficarão em elevado risco de extinção e até poderão ter sido extintas.” 

E mais à frente afiançava: “Recuso-me a utilizar a sigla ICNF (de Florestas), pois resultou de um dos maiores crimes florestais que os governantes cometeram: a extinção dos Serviços Florestais. No que resultou a ocorrência de devastadores piroverões.” 

A lição é clara, mas só se virmos a floresta para lá do neoliberalismo que queima um velho Estado, também através da austeridade mais ou menos encoberta: Portugal é dos países com menos funcionários públicos, em percentagem do emprego total, no mundo desenvolvido, é um dos países europeus com menor percentagem de propriedade pública na floresta e regista o nível de investimento público mais baixo da UE. 

E não será este Governo que alterará este estado de coisas, definitivamente. Sobram a propaganda e o relativismo, realmente.

Proliferação dos incêndios em Espanha: quais são as suas causas?

Uma vez mais neste Verão, milhares de hectares estão a arder. Neste momento são 228 mil hectares, o número mais alto em 20 anos (já ultrapassando o número total de hectares queimados em 2012, até agora o pior ano).

As políticas ambientais e o controlo de incêndios estão, na Espanha das autonomias, na sua maioria transferidas para os governos regionais. E estes mostram-se impotentes para fazer frente a esta situação, pelo que foi lançada uma “guerra” entre os políticos que vivem das instituições, e que tentam fazer-nos acreditar que não têm qualquer responsabilidade nestes incêndios. Neste sentido, podemos ouvir dizer que a culpa é do aquecimento global, dos ecologistas, do outro Governo, …

Aquecimento global e para além dele

Não podemos negar o aquecimento global (embora haja quem conteste de forma razoável quais as suas causas), mas é um facto que milhões de hectares de matas estão abandonados, sem qualquer tipo de limpeza nem manutenção, transformando-as em pasto fácil para as chamas. Como assinala um comunicado da UGT, “as alterações climáticas provocam fenómenos extremos, como as ondas de calor que temos vindo a sofrer, mas as ondas de calor não pegam fogo às montanhas, ainda que influenciem, de uma forma muito clara, que ardam. Os nossos montes estão sujeitos a um stress hídrico muito elevado, que os torna mais inflamáveis; o que, juntamente com o abandono do mundo rural e o abandono das culturas faz que estejam cheios de combustível vegetal, pronto a arder”.

Deitar a culpa ao aquecimento global tem uma vantagem para aqueles que o fazem. Permite-lhes diluir a responsabilidade e, além disso, permite-lhes fazer campanha a favor dos “necessários “sacrifícios” que a população deve fazer. Sacrifícios como o encerramento de minas, a conversão das indústrias para a “economia verde”, com a perda de milhares de postos de trabalho, ou inclusivamente as propostas ultra-reaccionárias de “decrescimento” – por muito que sejam apresentados como o máximo do progressismo – segundo as quais a população trabalhadora tem de aceitar a ideia de viver pior… “para salvar o planeta”. E, além disso, permite evitar colocar a ênfase sobre a responsabilidade dos governos autonómicos, que na Espanha das 17 autonomias de feudos são responsáveis pelo meio ambiente.

O que nenhum Governo autonómico pode negar é a precaridade dos serviços de prevenção e extinção de incêndios.  Os órgãos de Comunicação social têm revelado a falta de bombeiros florestais (inclusivamente há até parques naturais onde a maioria dos bombeiros são voluntários), a extrema precariedade das suas equipas, as más condições de trabalho, o desprezo dos governos autonómicos para com este sector de trabalhadores. Contratam-nos por alguns meses no Verão (muitas vezes como permanentes descontinuados, o que engorda os falsos números de contratos por tempo indeterminado, que são atribuídos à última reforma laboral), são pagos com pouco mais de mil euros por mês, para um trabalho muito árduo com jornadas extenuantes, e, como aconteceu em Castela e Leão, recebem como alimento umas míseras sanduíches quando estão a apagar incêndios. Têm de ser os moradores vizinhos e algumas ONGs quem se preocupa em fornecer-lhes uma refeição decente.

No comunicado acima mencionado, a UGT exige, com razão, “um reforço das operações de combate aos incêndios, dotando estes profissionais de um quadro regulamentar que os dignifique. É fundamental que estes profissionais tenham contratos estáveis e condições de trabalho dignas e seguras. Os trabalhos de combate a incêndios geram numerosos riscos para a saúde e segurança das equipas de extinção – precisamente hoje é o 17º aniversário do incêndio de Guadalajara, em que faleceram 9 bombeiros florestais e 2 agentes ambientais”.

Tudo isto, sem esquecer que as reclamações do colectivo de bombeiros florestaispara além das melhorias no seu trabalhoé que, como sociedade, façamos o trabalho preventivo que não depende deles, cuja tarefa é apagar os fogos.

A destruição programada do meio rural e da produção agrícola

Há que ter em conta que, em grande medida, os montes já não fornecem matérias-primas e, portanto, numa economia capitalista são espaços marginais. Boa parte das florestas actuais é o resultado da sua sobreexploração até meados do século XX. No Estado espanhol, até às décadas de1950 e 1960, o combustível para cozinhar (nas cozinhas económicas), na indústria da cerâmica, padarias, etc., era a biomassa dos montes. Agora estes foram convertidos em espaços “economicamente inúteis” e, portanto, abandonados.

Alguns – muito poucos – explicam outra das causas da propagação descontrolada dos incêndios: estão abandonados milhões de hectares de terras que antes eram cultivadas, e que quando estavam impunham uma solução de continuidade entre zonas de floresta e mato, limitando a extensão dos incêndios. Segundo o Fundo Espanhol de Garantia Agrícola (FEGA), a superfície não explorada ascende a cerca de 2,23 milhões de hectares, o que representa 7,4% da área total. Isto inclui terras de cultivo arável, pomares e pastagens.

Desta área total sem aproveitamento, cerca de 48% do total, com quase 1,1 milhões de hectares, correspondem a superfície de terras de cultivo, dos quais 43,2% (ou seja 963.001ha) são terras de cultivo permanente, e os restantes 9,1% (202.651ha) são pastagens permanentes.

Dentro da área sem aproveitamento nas culturas permanentes, mais de metade são pomares; outros 26,5% são olivais; 13,2% são vinhas, e os restantes 5,8% são árvores de citrinos.

Ao mesmo tempo, as zonas rurais estão a perder continuamente população. Espanha lidera na Europa, em termos de despovoamento rural. Depois de ser um dos países com maior percentagem da população rural quando aderiu à UE, actualmente só a Bélgica e a Holanda têm uma percentagem menor.

As zonas rurais de Espanha estão a caminho da marginalização e do despovoamento. Assim, só 19,68 % da população espanhola, no ano 2018, vivia em zonas rurais. O despovoamento começou na década de 1960, com a industrialização e a emigração para as cidades, mas não tem parado desde a entrada na UE.

Disseram-nos que ia ser um maná para a agricultura espanhola; mas, no final da década de 1980, a Espanha tinha cerca de 10% da população activa na agricultura, hoje tem menos de 6%. Em 1980, viviam em zonas rurais 2.317.500 pessoas. Em 2002, apenas 1.114.700 viviam no campo. E as taxas de desemprego desta população passaram, nesse período, de 4,9% para 15,1%.

Esta desertificação, em termos de produção e de população do meio rural espanholque o converte em pasto para incêndios, tem um responsável que todos os políticos são muito cuidadosos em citar: a União Europeia e a sua Política Agrícola Comum (PAC). A PAC encorajou o abandono das terras de cultivo, impôs quotas de produção que fazem que Espanha seja deficitária em produtos como o leite e os cereais (a Espanha terá de importar, este ano mais de metade do que consome). Em benefício das multinacionais alimentares norte-americanas (que, de acordo, com algumas notícias, compraram recentemente milhões de hectares de cultivo na Ucrânia). A PAC é responsável por uma boa parte do despovoamento e abandono do meio rural. E, portanto, da propagação dos incêndios. A União Europeia não tem uma política florestal comum. Esta é uma questão que nem sequer é mencionada nos seus Tratados.

As empresas de distribuição, que controlam os preços dos produtos agrícolas e impõem aos agricultores e criadores de gado preços que não compensam os custos e o esforço de produção (enquanto especulam com os preços de venda ao consumidor, provocando a subida do Índice dos Preços ao Consumidor dos alimentos), são também responsáveis pelo abandono da produção agrícola. Não basta fazer votar leis que, supostamente, impeçam a venda com prejuízo. A única saída é a nacionalização das empresas distribuidoras, criar empresas estatais de distribuição de alimentos que consigam preços justos para os produtores e os consumidores.

O abandono do cultivo levou a um enorme aumento das áreas de mato e de floresta. Segundo dados do Banco Mundial, a Espanha ganhou 33,6% de área florestal desde 1990. Concretamente, passou de 27,65% de território natural coberto por florestas (em 1990) para 36,9% (em 2016). A Europa tem mais massa florestal do que tinha há séculos atrás. Por exemplo, a França passou, desde 1980 até aos nossos dias, de 25,9% da área total do território para 31%.

Assim, o que está a acontecer em Espanha repete-se na União Europeia. Segundo os dados de Copernicus (programa da UE para o controlo do meio ambiente), a área queimada este ano é três vezes maior do que a média dos últimos 15 anos.

Manter e recuperar a produção agrícola e industrial

Face à ditadura das multinacionais agrícolas, impostas através da PAC, e às ameaças de destruição da indústria, sob o pretexto da “economia verde”, defender o emprego e o futuro das classes trabalhadoras, exige que seja mantida e recuperada a produção agrícola e industrial. É responsabilidade das organizações da classe trabalhadora organizar a luta unida em defesa dos postos de trabalho, contra o encerramento de empresas industriais, e em defesa de preços justos para os produtos agrícolas.

Carta Semanal do Comité Central do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI) – Secção da 4ª Internacional em Espanha – nº 899, de 8 de Agosto de 2022

“Megaincêndios na Califórnia: O aquecimento global tem as costas largas”

É “lá longe”, nos EUA?

Uma vez mais este ano, dezenas de milhares de hectares de floresta estão a desaparecer na Califórnia. A causa: o aquecimento global, certamente, mas apenas em parte. Porquequer seja em termos de prevenção de incêndios, nos recursos para combate a incêndios ou para a política de protecção das populaçõesa procura do lucro continua prioritária.

Num artigo publicado online a 31 de Julho, a Correspondente na Califórnia do jornal Le Monde salienta, com razão: “Por muito louváveis que sejam, as grandes manchetes sobre as alterações climáticas – os ‘mega títulos’, poder-se-ia dizer – que são disparadas logo que alguns hectares de terra se incendiam, têm a desvantagem de obscurecer um elemento importante do debate sobre os fogos: a sua dimensão económica. A curto prazo, prevenir e combater os incêndios é sobretudo uma questão de dinheiro. Existem formas de limitar o impacto dos incêndios, desde que paguemos o respectivo preço.” (lemonde.fr, 31 de Julho)

Esta jornalista recorda que a empresa de electricidade PG&E (Pacific Gas and Electric Company) foi considerada culpada de diversos incêndios que causaram a destruição de centenas de milhares de hectares de vegetação, de centenas de habitações e várias dúzias de mortes.

De cada vez, há faíscas provenientes de linhas eléctricas mal conservadas que pegam fogo aos arbustos. Os tribunais já condenaram várias vezes a PG&E a limpar o matagal das zonas circundantes das suas linhas, sem sucesso. Mas a empresa está empenhada em preservar as suas margens de lucro. Portanto, não faz desmatagem nem enterra as linhas eléctricas (ou apenas muito poucas). E, quando os ventos são demasiado fortes, a empresa simplesmente corta a energia aos clientes, ao mesmo tempo que lhes cobra uma sobretaxa – dita de “alterações climáticas” – para financiar as indemnizações a pagar às vítimas dos incêndios por ela provocados!

Uma vez declarados os incêndios, são necessários equipamentos e homens para os combater. O Estado da Califórnia adquiriu equipamento moderno em 2021 (os helicópteros anteriores datavam da Guerra do Vietname, isto é, de há 50 anos!), é também referido neste artigo, mas há uma tal escassez de bombeiros que a Califórnia tem de recorrer aos prisioneiros para combater os incêndios. Os bombeiros são mal pagos. “Menos de 13 dólares por hora é inaceitável”, exclamou Joe Biden em 2021. Em seguida, o presidente dos EUA aumentou o salário mínimo dos bombeiros federais para 15 dólares por hora, embora admitindo que este valor ainda era insuficiente.

Finalmente, o custo da habitação na Califórnia é tal que os reformados e os modestos assalariados não têm outra escolha senão viver, frequentemente, numa casa móvel (rulote), em zonas perigosas, no limite das florestas. Foi este o caso em Paradise, uma cidade que ficou reduzida a cinzas, em 2018, e onde 85 pessoas morreram. Sacrificadas no altar do lucro.

Notícia publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 717, de 3 de Agosto de 2022, do Partido Operário Independente de França.