OS TALIBÃS, DE ONDE VÊM, QUEM SÃO?

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Para responder a esta questão, temos de relembrar muito brevemente a história do Afeganistão.

O Afeganistão é constituído por múltiplas etnias, com línguas diferentes. Existem quatro grupos principais: os Pashtuns, que representam 38% da população (no vizinho Paquistão vivem igualmente Pashtuns, que representam 15% da população paquistanesa); os Tajiques, que representam 25% da população do Afeganistão (e a maioria da população tajique vive na república vizinha do Tajiquistão); os Hazaras representam 19%; e os Uzbeques 6% (a maioria dos Uzbeques vive no Uzbequistão). Os Pashtuns, os Tajiques e os Uzbeques são sunitas. Os Hazaras, que falam um dialecto persa, são xiitas e têm sido sempre objecto de opressão.

Alguns pontos de referência até ao estabelecimento da República

Durante séculos e séculos, a zona do Afeganistão era um local de passagem, especialmente porque fazia parte da Rota da Seda. Montanhoso, escarpado, atrasado, estava subjugado aos senhores locais, os senhores da guerra que governaram a sua região numa base étnica apoiada em relações tribais. Estes chefes guerreiros lutavam habitualmente entre si. Combateram contra vários reinos indianos, mas também o persa, o russo e o inglês.

Em 1898, os Ingleses invadiram o Afeganistão para fazer dele um Estado-tampão. Fizeram-no para contrariar a ofensiva do Czar russo – que queria consolidar o seu domínio sobre a Ásia Central – e proteger o Reino da Índia, sob controlo britânico, que tinha fronteira com o Afeganistão (lembremo-nos que, nessa altura, os territórios que constituíam o Paquistão faziam parte do Reino da Índia).

Várias guerras vão opor os Britânicos aos diversos senhores da guerra afegãos. Em 1893, após uma derrota dos Afegãos, os Britânicos organizaram a divisão de certos territórios do Afeganistão, e em particular a separação das populações Pashtun, das quais uma parte permaneceu no Afeganistão e a outra parte se integrou na Índia (hoje, estes territórios pashtun fazem parte do Paquistão).

Com a saída dos Britânicos, no início século XX, foi estabelecida uma Monarquia. Ela apresentou-se como “modernista”, mas não teve meios para eliminar os senhores da guerra e as suas tribos. Durante a sua vigência, houve ma longa lista de assassinatos e de golpes de Estado que marcaram a história do Afeganistão.

Em Fevereiro de 1973, um golpe de Estado derruba a Monarquia e instaura a República. O novo Governo procura manter boas relações tanto com os EUA como com a URSS. A burocracia do Kremlin apoia o Afeganistão contra o Paquistão, ponta-de-lança dos EUA na região.

Um novo golpe de Estado teve lugar em 1978, por iniciativa do Partido Comunista Afegão (PCA), o qual – apesar da sua Direcção estalinista, enfeudada à URSS – viu os habitantes das cidades, os jovens, os funcionários públicos e  os trabalhadores em geral recorreram ao PCA, aspirando à soberania nacional, ao fim da corrupção e dos senhores da guerra.

Mas, chegado ao poder, o Governo do PCA vai implementar uma política estalinista: emancipação das mulheres pela força (remoção da burca) e a colectivização forçada das terras, provocando a revolta dos camponeses. Imediatamente, o Regime – à boa maneira estalinista – denuncia estas revoltas como sendo fundamentalistas, islamistas e contrárias à modernidade, e organiza uma repressão em massa.

Desenvolve-se, então, um movimento de resistência armada. Evidentemente, sob a égide dos EUA, os Serviços secretos paquistaneses armam e financiam estes movimentos para lhes dar um ar islâmico e não de uma revolta social e política.

A intervenção das tropas do Kremlin, em 1980

Em Janeiro de 1980, perante a incapacidade do Governo afegão, as tropas da burocracia do Kremlin ocupam o Afeganistão.

Mas a verdadeira razão da intervenção não era tanto ajudar o Governo afegão, mas tentar conter, com a aprovação tácita dos EUA, a Revolução no Irão que, em 1979, derrubou o Xá e que, de facto, ameaçou toda a região. A burocracia do Kremlin estava particularmente preocupada com as repúblicas soviéticas da Ásia Central, onde a população é maioritariamente muçulmana.

Nestas condições, os EUA decidiram passar a um estádio superior. Com a ajuda dos Serviços secretos paquistaneses, eles vão armar, enquadrar e treinar aqueles a que a Imprensa altura apelidou de Mujaidines, nessa época. Os EUA vão recorrer à Arábia Saudita e aos Estados do Golfo para contribuírem, financeiramente, para o esforço de guerra. Foi assim que um membro de uma grande família saudita, da nobreza, Bin Laden, contribuiu – em ligação com o Paquistão e os EUA – para o financiamento destes grupos de oposição.

Mas, perante o sucesso da guerra de contra-guerrilha levada a cabo pelos Soviéticos, utilizando muitos helicópteros para matarem os Mujaidines nas montanhas, os EUA decidem fornecer mísseis Stinger que iriam permitir abater esses helicópteros.

A burocracia do Kremlin decidiu, em 1989, retirar-se do Afeganistão. O Governo apoiado pelos Soviéticos colapsou, enquanto que os vários grupos de Mujaidines continuaram a combater-se uns aos outros (no seguimento do que já faziam no tempo dos Soviéticos).
Intelectuais franceses da época, tais como Bernard-Henri Lévy, apresentaram estes Mujaidines como “combatentes da liberdade”. Estes diferentes grupos, de base étnica e tribal, eram quase todos mais ou menos fundamentalistas islâmicos, com algumas nuances. Em Abril de 1991, o comandante Massoud, na líderança da Aliança do Norte, com base na população tajique, entrou em Cabul.

É celebrado, no mundo inteiro, como um democrata e, particularmente em França, porque fala Francês, tendo estudado no Liceu francês de Cabul. No entanto, no seu feudo da província de Panshir, é verdade que as raparigas estão autorizadas a ir à escola, mas é a lei do clã tribal que se aplica.

É o líder Hekmatyar, um fundamentalista islâmico apoiado pelas milícias Pashtun, que se tornou Primeiro-ministro após acordo entre as diferentes facções de dirigentes dos movimentos de guerrilha. Em 1992, ele instaura a Charia (uso obrigatório do hijab – burca – para as mulheres, proibida difusão de música nas rádios). Contudo, o Afeganistão não está unificado. Os diferentes chefes dos clãs e das tribos continuam a opor-se e a lutar uns contra os outros.

A partir de 1994, os Talibãs (literalmente: estudantes de Teologia) foram constituídos. Foi o mullah Omar que tomou a iniciativa. Ele lutou contra os Russos, ele é também um companheiro de Bin Laden, mas distingue-se dele. Para os Talibãs, a questão central é o estabelecimento de um Califado islâmico em todo o Afeganistão. Em 1996, eles controlavam o Afeganistão e instauraram uma ordem repressiva e rigorosa. Este restabelecimento da ordem leva a que, em 27 de Setembro de 1996, Madeleine Albright, secretária de Estado dos EUA, declare: “Trata-se de um passo positivo”.

A confissão de Hilary Clinton, em 2009: a Al-Qaeda, os Talibãs, somos nós

A 11 de Setembro de 2001, foram os ataques contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque, reivindicados por Bin Laden e a Al-Qaeda, que provocaram a reacção dos EUA que todos conhecemos. Eles decidiram atacar o Afeganistão, porque foi aí que Bin Laden se refugiou.

Todos os analistas explicam que os Talibãs não estiveram particularmente envolvidos neste atentado. Eles estavam concentrados sobre o Afeganistão e não procuravam integrar-se na nebulosa terrorista internacional, embora tenham permitido que a Al Qaeda agisse no Afeganistão.

Pelo seu lado Bin Laden, que tinha trabalhado com os EUA e o Paquistão, radicalizou-se. Após a partida dos Russos, os EUA desvincularam-se, em grande medida, da situação no Afeganistão.  Eles queriam pôr um ponto final sobre este período, e, portanto, pôr um ponto final sobre Bin Laden. Foi esta a razão pela qual Bin Laden – ameaçado na Arábia Saudita pela Monarquia saudita – teve de deixar este país para se refugiar no Afeganistão (quando os EUA entraram no Afeganistão, Bin Laden refugiou-se no Paquistão, evidentemente com o apoio de uma fracção do Exército e dos Serviços secretos paquistaneses). Em seguida, o Regime talibã seria derrubado, sendo substituído por um novo Regime, a soldo dos EUA: a República Islâmica do Afeganistão.

Em 24 de Abril de 2009, Hillary Clinton, Secretária de Estado da Administração de Obama, realizou uma audiência no Congresso dos EUA a propósito do Afeganistão. Ela fez uma confissão surpreendente: “A Al Qaeda e os Talibãs, fomos nós que os criámos”. Ela explicou-se longamente aos congressistas: “As pessoas que agora combatemos, há vinte anos que são financiadas por nós, e fizemo-lo porque estávamos empenhados na luta contra a União Soviética. Os Soviéticos tinham invadido o Afeganistão, e nós não queríamos vê-los controlar a Ásia Central. Por isso, pusemos mãos à obra. O presidente Reagan, de acordo com o Congresso dirigido pelos Democratas, disse: “Negociemos com o ISI” (Serviços militares secretos paquistaneses, NdR) e o Exército paquistanês recrutou estes Mujaidines. É muito bom que eles tenham vindo da Arábia Saudita e de outros países, trazendo com eles o seu Islão Wahhabi, para que possamos derrotar a União Soviética. Os Soviéticos retiraram-se, perderam milhares de milhões de dólares e isso levou ao colapso da União Soviética. Quando nós nos desinvestimos desta região, dissemos aos Paquistaneses: «Tomem conta dos mísseis stingers que deixámos no vosso país». E esses stingers foram utilizados contra as tropas dos EUA.
Eis a origem dos Talibãs. Como é frequentemente o caso, o monstro vira-se contra o seu criador.

Cronologia publicada no semanário francês “Informations Ouvrières”Informações operárias – nº 669, de 25 de Agosto de 2021, do Partido Operário Independente de França.