Não paramos de lutar! Exigimos respeito pelas nossas condições de vida e de trabalho! – foram as exigências centrais dos professores durante a manifestação.
A mobilização dos professores e educadores portugueses, iniciada no passado mês de Dezembro, não pára. Como eles afirmam, a cada momento, “não iremos parar enquanto não ganharmos”.
É assim que, no passado dia 11 de Fevereiro, realizaram – no seguimento das manifestações anteriores – a maior mobilização da história dos docentes portugueses, ao apelo dos sindicatos ligados às duas Centrais sindicais e dos sindicatos independentes. Segundo informação da própria Polícia, o número de participantes na manifestação em Lisboa foi cerca de 150 mil.
Uma mobilização que foi o culminar de greves e concentrações em todas as regiões do país, durante duas semanas, que terão tido uma média de participação de 98%, segundo as direções sindicais dos professores.
Tem sido um movimento que, apesar de vários obstáculos, mantem os docentes unidos, com base nas mesmas reivindicações. Um movimento de unidade que impôs mesas de negociação com todas as direcções sindicais, expressando as mesmas exigências.
Até à data, o Governo não cede nas reivindicações dos professores, apesar de haver responsáveis – ao mais alto nível do aparelho do PS – a afirmar que é preciso que o Governo responda às exigências legítimas deste sector profissional.
Divulgamos uma entrevista de Markus Sokol (1), dada ao jornalista Renato Dias, de Goiânia, e que foi publicada a 5 de Janeiro de 2023 (antes da invasão do edifício dos “Três poderes” pelos fãs de Bolsonaro).
Renato Dias (RD): Quais são – traduzidos em indicadores, estatísticas e números – os legados negativos da era de Jair Bolsonaro?
Markus Sokol (MS): Posso resumi-los com base na condição das famílias trabalhadoras: pelo 4º ano consecutivo, sem qualquer reajustamento real do salário mínimo, os salários têm estado sob pressão de descida; temos quase 10 milhões de desempregados de um exército de 23,5 milhões de pessoas sub-empregadas (juntando desincentivados e sub-ocupados); 79% das famílias estão em sobreendividamento, o que constitui um máximo em 12 anos, de acordo com os dados do mês de Setembro.
RD: Alguma vez foi pior durante o governo de Bolsonaro?
MS: Sim, já tinha sido um pouco pior. Mas isto são dados de Setembro, em vésperas da eleição. São o produto de manobras político-eleitorais feitas no decurso de um ano, com o apoio do grande Patronato – e inclusive com a complacência dos apoiantes da “3ª via” – para tentar reeleger Bolsonaro, no âmbito de uma operação estatal real, mas que não funcionou.
De facto, a economia – anteriormente em recessão – foi, até certo ponto, impulsionada pelos créditos, os subsídios e as isenções. Surgiram algumas “generosidades” eleitorais e outras medidas que se traduzem agora no buraco deixado no complicado Orçamento de 2023. Sabemos que este Orçamento, votado “ao apagar das luzes, em Dezembro”, tem um défice de 220 mil milhões de reais (2). Não faz sentido que seja o povo a pagar esta conta!
Neste sentido, a PEC de emergência (3) foi um penso rápido, necessário, mas apenas um penso rápido. É isso que torna o legado negativo numa questão muito sensível, resultante das reivindicações sociais que foram reprimidas desde o golpe de 2016 (4), do défice de habitações, passando pelos programas sociais desmantelados, pelo corte nos recursos do Serviço Único de Saúde (SUS) e da Educação, pelo aumento do imposto sobre o rendimento dos assalariados, pelas empresas públicas desmanteladas e os serviços públicos delapidados. Tudo isto para preservar o famoso Serviço da Dívida interna (pública) que engole 30% do Orçamento nacional. É isto que tem de mudar.
RD: Qual é a sua análise sobre os nomes e quadrantes políticos que ocuparão os cargos ministeriais e o qual o significado do discurso “à esquerda”, na rampa do Palácio do Planalto, feito por Luiz Inacio Lula da Silva, em conjunto com o simbolismo da entrega da faixa presidencial (5)?
MS: O discurso de Lula reafirmou os compromissos da sua campanha eleitoral e indicou algumas das suas primeiras medidas positivas. Mas, neste contexto, o que foi verdadeiramente “de esquerda” foi a erupção espontânea das massas gritando o slogan: “Não à amnistia! Não à amnistia”. A Rede Globo, a Folhade São Paulo e outros órgãos de imprensa tiveram de o difundir. Nós, do Diálogo e Acção Petista (6) – que viemos à investidura em caravanas com bandeirolas e reivindicações populares, tendo à cabeça “Os golpistas para a prisão!” – regozijamo-nos com o amadurecimento da consciência do povo, parcial mas muito real.
A partir de agora, a muito ampla composição política do novo Governo será testada na prática. Não acredito que seja possível uma união, por exemplo com os 2500 patrões formalmente acusados de assédio eleitoral, nem com os políticos (nomeadamente os congressistas) envolvidos na compra de votos, nem com os generais que tenham exorbitado das suas funções, e assim por diante…
Em relação aos ministérios – através de um cálculo rápido baseado em informações da imprensa – dos 37 ministros nomeados apenas 11 são do PT, 13 vêm do Centro-direita e da Direita. Destes últimos, 11 apoiaram o golpe para retirar Dilma do cargo e meia dúzia foram bolsoniarstas, alguns até há bem pouco tempo. Curiosamente, entre todos estes 13, existe apenas um grande chefe de empresa (rural), o que sugere uma maior desconfiança deste sector em relação a anteriores governos do PT (por exemplo, havia 3 grandes chefes de empresa no Governo em 2002).
Mas, como eu disse, veremos como se irão comportar os novos ministros, especialmente face à tarefa de “desbolsonarizar” o Estado e ao “Não à amnistia”, ontem exigido pela multidão.
Entrevista publicada em 5 de Janeiro de 2023
(antes da invasão do edifício dos “Três poderes” pelos fãs de Bolsonaro)
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(1) Markus Sokol é dirigente da Corrente “O Trabalho” (Secção brasileira da 4ª Internacional) do PT e, ao mesmo tempo, foi eleito como membro do Secretariado nacional deste Partido, de acordo com o método de Hondt.
(2) Ou seja, cerca de 39,5 mil milhões de euros.
(3) PEC: Proposta de Emenda Constitucional.
(4) Golpe que derrubou Dilma Rousseff.
(5) Bolsonaro recusou-se a entregar a faixa presidencial ao seu sucessor. Foi uma mulher, trabalhadora da recolha do lixo – rodeada por pessoas de meios modestos – que entregou a faixa a Lula.
(6) Ver o nosso post anterior. O “Diálogo e Acção Petista” (DAP) é um movimento de base do Partido dos Trabalhadores (PT), que combate para que o PT retome o caminho das suas origens. Os militantes da Corrente “O Trabalho” (Secção brasileira da 4ª Internacional) do PT participam no DAP.
A demissão do ministro Pedro Nuno Santos – apresentado como sendo a “ala esquerda” de um Governo assente numa maioria absoluta de votos na Assembleia da República – é sinal de um tempo de viragem no nosso país, um abalo sísmico prenúncio de novos fenómenos.
Alguns factos.
Um jornal considerado das “notícias bombásticas” publicou a notícia de uma indemnização de meio milhão de euros, concedida à nova Secretária de Estado do Tesouro, por ter saído da Administração da TAP.
Um prémio como paga da sua participação, de forma tenaz, no processo de despedimento de três mil trabalhadores da TAP, acompanhado pelo desmantelamento dos direitos contratuais e de cortes nos salários dos restantes, enquanto os administradores têm sido contemplados com chorudos prémios.
Toda esta operação foi realizada em nome de um processo de reestruturação da companhia aérea, onde o Estado português já colocou mais de três mil milhões de euros, para agora anunciar a sua reprivatização.
A resistência organizada dos trabalhadores, sempre com a preocupação de tentar salvar a TAP como empresa nacional, bem como salvar os seus direitos e postos de trabalho – ao mesmo tempo que não se cansavam de denunciar publicamente a política absurda de destruição da empresa feita pela actual Administração – nunca foi tida em conta pelo Governo nem pela equipa ministerial liderada por Pedro Nuno dos Santos.
E foi assim que a política de desmantelamento da TAP e de ataque sistemático ao conjunto dos seus trabalhadores acabou por atingir o próprio ministro por ela responsável, provocando a sua saída do Governo.
O conteúdo desta política aplicada na TAP, com os resultados que estão à vista, é o mesmo que tem sido aplicado nos restantes sectores da vida nacional – do Ensino à Saúde e à Segurança Social, da Habitação ao conjunto das pequenas e médias empresas – levando ao empobrecimento das populações e dos trabalhadores, em contraste com uma maior acumulação de riqueza nos bolsos dos detentores do capital financeiro e das grandes fortunas.
É perante esta situação que se tem vindo a acentuar a resistência e a mobilização das classes trabalhadoras, atingindo um novo salto qualitativo na luta dos próprios trabalhadores da TAP (com a greve do pessoal de voo) e, de forma expressiva, pela luta dos professores e a sua mobilização à escala nacional.
É responsabilidade de todos os sindicatos e, em particular, da CGTP, de ligar esta resistência e mobilização numa acção nacional conjunta dos trabalhadores e da maioria da população portuguesa pela satisfação das suas legítimas reivindicações, nomeadamente pela indexação imediata dos salários e das pensões à inflação, bem como pela revogação das leis anti-laborais (nomeadamente a caducidade da contratação colectiva).