Perú: caiu Castillo, e agora?

Entre golpes e contragolpes, dar a palavra ao povo e convocar Assembleia Constituinte.

O dia 7 de Dezembro amanheceu com a ameaça de “golpe branco” do Congresso (Parlamento) contra Pedro Castillo, com a terceira votação da sua “vacância” (impeachment, destituição). Mas, por volta das 11 horas, o ainda presidente – invocando um dispositivo constitucional já usado por antecessores (como Martin Vizcarra, em 2019) – declarou a dissolução do Congresso, o estado de excepção e eleições antecipadas com carácter constituinte.

Duas horas depois, Castillo estava preso pela sua própria escolta. O seu acto improvisado provocou a renúncia de três dos seus ministros, a rejeição das Forças Armadas e do Judiciário. Ele foi abandonado até pelo seu advogado institucional e viu deputados da esquerda juntarem-se nos 101 votos do Congresso, de um total de 130, pela sua destituição (que dependia de 87 votos).  

Assim terminaram 16 meses de governo de Castillo, hostilizado por uma maioria parlamentar de direita, o qual não cumpriu nenhuma das suas promessas eleitorais, como a reforma agrária e a Constituinte, vendo o seu apoio popular minguar.

O governo dos EUA e de outros países apressaram-se a reconhecer Dina Boluarte – vice de Castillo na respectiva lista eleitoral, mas que tinha rompido com o seu Governo – como nova Presidente do Peru. Até este momento só Lopez Obrador (Presidente do México) – que ofereceu asilo político a Castillo – não havia reconhecido a nova Presidente. Lula lamentou a interrupção do mandato de um Presidente eleito, mas reconheceu o processo institucional que entronizou Dina, aconselhando-a a “pacificar o país”.

A Comunicação Social peruana festeja a vitória da “democracia” contra o “golpe”, mas não esconde o temor de novas crises, dado o Congresso ser mais impopular que Castillo. Todos pregam a “união nacional”, mas o povo trabalhador ainda não disse a última palavra.

Se na capital, Lima, não houve grandes manifestações, no sul do país – como em Ayacucho e Puno – houve marchas a 8 de Dezembro. Perguntado sobre as razões do protesto, um manifestante disse: “Não queremos a volta de Castillo, nem este Congresso, queremos eleições para uma Constituinte”.

Agora, já, Assembleia Constituinte!

A 8 de Dezembro, uma Declaração do jornal El Trabajo – tribuna livre da luta de classes, animada pelos militantes da Secção peruana da 4ª Internacional – afirmou:

“Nenhum golpe ou contragolpe é solução para os grandes problemas do país, nem para as reivindicações urgentes dos trabalhadores, do campesinato e da nação. Hoje é urgente que o povo tenha a capacidade de decidir, perante um congresso impopular (com menos de 5% de aprovação), através da convocação de eleições gerais que integrem a eleição de uma Assembleia Constituinte Soberana, agora!

Tem razão a CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores do Perú), na sua Declaração de 7/12, quando afirma reconhecer «que a constante instabilidade política, social e económica do Perú tem as suas raízes na espúria Constituição de 1993, o que torna urgente a criação de um novo contrato social no qual prevaleçam os interesses do povo e não dos grupos de poder económico que ostentam o controle de nosso país». Para, em seguida, acrescentar «devemos estar mobilizados e vigilantes do respeito total da democracia e dos direitos laborais, por uma reforma política, uma nova Constituição e antecipação de eleições gerais».

E El Trabajo conclui que: “No meio desta crise de poder, a saída política é a convocaçãoagora e jáda Assembleia Constituinte, sendo preciso convocar um Encontro Nacional pela Assembleia Constituinte em Lima, encabeçado pela CGTP, o Comité promotor da Assembleia Nacional Popular, as frentes regionais e todas as forças políticas democráticas e anti-imperialistas que estejam de acordo com esta orientação.”

Julio Turra (Assessor da Direcção da Central Única dos Trabalhadores – CUT do Brasil e membro da Direcção de “O Trabalho” – Secção brasileira da 4ª Internacional)

Mianmar (antiga Birmânia): Resistência organiza-se contra o golpe de Estado militar de 1 de Fevereiro

No passado dia 8 de Novembro, a Liga Nacional para a Democracia (LND) – o partido de Aung San Suu Kyi – ganhou as eleições legislativas com 258 lugares (de um total de 330 em disputa) na Assembleia Nacional, a comparar com os 255 obtidos nas eleições anteriores (realizadas em 2015). O Partido da União, da Solidariedade e do Desenvolvimento (PUSD), ligado à casta dos generais, recebeu apenas 26 (tinha 30 anteriormente), aos quais há que somar os 110 lugares atribuídos automaticamente aos militares, em conformidade com a Constituição birmanesa.

O Tatmadaw (Alto-Comando do Exército) declarou, de imediato, que tinha havido fraude eleitoral.

A Prémio Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi, tinha-se tornado presidente do Conselho de Estado (o equivalente a primeiro-ministro), em 2016, após ter estado quinze anos em prisão domiciliária. Mas, durante a sua Presidência, tinha sido criticada, a nível internacional, pela sua passividade durante a purificação levada a cabo pelo Exército contra a minoria étnica Rohingya.

No entanto, de acordo com o jornal Le Monde (de 2/2/2021): “O Exército nunca deixou, desde a independência em 1948, de ser um Estado dentro do Estado, mesmo durante os raros anos em que ela não este directamente a tomar conta dele: entre 1962 e 2011, a Birmânia terá ficado sem interrupção sob o jugo dos generais, num período onde existiram insurreições populares brutalmente reprimidas, um terceiro golpe de Estado e uma purga interna.”

Isto explica a elevada participação eleitoral assinalada pelo New York Times (de 8 de Novembro de 2020).

A população de Mianmar votou contra o regresso à ditadura militar. A 1 de Fevereiro, “os comandantes do Exército organizaram um golpe de Estado militar, durante o qual os principais líderes do país foram presos, incluindo o Presidente Myint e a líder da Liga Nacional para a Democracia, a chanceler Aung San Suu Kyi.

Esta foi detida na capital, Naypyidaw, tal como o Presidente da República, assim como outros membros do Governo.

A 3 de Fevereiro, o Exército birmanês ordenou às empresas de telecomunicações que bloqueassem a rede social Facebook, até 7 de Fevereiro, porque segundo ele, essa rede está a contribuir para a desestabilização do país” (agência AA/Kuala Lumpur, 4 de Fevereiro).

E o Myanmar Times (de 4 de Fevereiro) afirma que as organizações birmanesas estão comprometidas com a resistência e condenou a transferência forçada do poder desencadeada pelos Tatmadaw (militares). A Confederação de Sindicatos de Mianmar (CTUM), a Federação de Sindicatos do Artesanato e Serviços de Mianmar (Mics) e a Associação de Guias Turísticos de Mianmar expressaram a sua raiva e insatisfação com a situação política actual do país…

O CTUM e a Mics anunciaram que se tinham demitido da Comissão tripartida governo-empregadores-grupos de trabalhadores.

E Daw Phyo Sandar Soe, Secretário-Geral da CTUM, declarou: “Nós reconhecemos os resultados eleitorais (de Novembro). O actual Governo não foi eleito de acordo com a vontade do povo. Não iremos trabalhar com o Governo indigitado pelo Exército.”

Nota de Albert Tarp publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 641, de 11 de Fevereiro de 2021, do Partido Operário Independente de França.