A primeira vítima da guerra é a verdade

A guerra actual está a atirar os trabalhadores e os pobres de uma nação contra os de outra, em benefício daqueles que não morrem mas ficam ricos através da guerra. Noutros países, tais como a França, todo o peso da guerra cai, também aí, sobre os oprimidos, as classes sociais que vivem do seu trabalho.

Os primeiros a esfregar as mãos em relação a estas mortes e misérias são os capitalistas das indústrias do gás e do armamento. Estas são as conclusões do importante Encontro de 25 de Fevereiro, na Bolsa de Trabalho de Paris.

Um juiz tornou-se famoso durante o caso Dreyfus. Cada vez que uma testemunha demonstrava a conspiração do Estado-Maior, a fabricação de mentiras para condenar um homem inocente, o juiz cortava-lhe a palavra, gritando: “A pergunta não será feita.”

Nos ecrãs dos canais franceses de “informação”, colocados sob o controlo de generais e de almirantes, uma questão é proibida: quais são os interesses financeiros do “campo” da NATO, em oposição ao “campo” dos oligarcas russos? O objectivo é fazer as pessoas acreditarem que o primeiro campo não existe, que esta não é uma guerra entre grandes potências, para competir pelos mercados.

BIDEN, MACRON, NATO: LIBERTADORES DOS POVOS?

Devemos ser tão ingénuos ao ponto de admitir que os invasores, os ocupantes militares e os assassinos em massa norte-americanos do Afeganistão, do Iraque e, anteriormente, do Vietname, etc., se tornaram “libertadores” dos povos. Igualmente em relação a Macron, o líder imperialista da Françafrique (África “francófona”).

Estas perguntas que “não serão feitas” nos canais televisivos da união sagrada para a guerra, os internacionalistas e os democratas fizeram-nas, em Paris e noutras cidades da Europa, a 25 de Fevereiro. Vamos colocá-las aqui.

1 – As cinco principais empresas capitalistas do petróleo, incluindo a TotalEnergies, obtiveram 200 mil milhões em lucros de guerra. Porquê este lucro imenso e excepcional? Porque o mercado europeu, 45% do qual era anteriormente abastecido por petróleo e gás russos, foi subitamente forçado a absorver, em alternativa, a produção de gás de xisto norte-americano. E eles querem fazer-nos engolir que não existe qualquer relação entre a substituição do gás siberiano pelo gás do Texas e o desencadear da guerra.

2 – Esta captação do mercado europeu da energia, a fim de vender os maiores excedentes norte-americanos existentes desde 1949, ao custo de uma gigantesca poluição, exige – segundo nos dizem – para ficar completa, a construção ao longo de vários anos de infra-estruturas para o transporte de gás liquefeito. “A guerra durará vários anos, repetem-nos, por coincidência, os “peritos militares” responsáveis pela nossa “informação”…

A FÁBULA DA SIMPLES “OPORTUNIDADE”

3 – Estes imensos lucros de guerra dos produtores de gás de xisto do Texas, incluindo a TotalEnergies, escandalizam a população, mergulhada em necessidades básicas e miséria. Então, os arautos desta guerra até ao fim, os apoiantes da guerra a todo o custo, que combatem o cessar-fogo, inventaram uma fábula. Trata-se de ilibar os que se aproveitam da guerra, incluindo a TotalEnergies, protegida e apoiada por Macron, uma multinacional francesa do Texas e do Novo México. Eis a fábula, aparentemente engolida por alguns pequeno-burgueses de “esquerda”, que querem identificar apenas uma grande potência (a Rússia) nesta guerra, e se põem docilmente a reboque dos “libertadores” Biden, Macron e da NATO.

Estes últimos, bem como os capitalistas do gás e do armamento, não tiveram nada a ver com a invasão russa, dizem eles; apenas se aproveitaram do ataque russo como sendo uma pechincha, uma surpresa divina, uma oportunidade para invadir e dominar o mercado europeu, para embolsar o jackpot. Eles não têm qualquer responsabilidade.

Qual é o valor deste argumento?

A NATUREZA DE UMA GUERRA E O SEU “INÍCIO”

4 – De facto, os oligarcas russos impuseram esta guerra ao povo russo e ao povo ucraniano, desencadearam esta guerra, tal como o Japão desencadeou a guerra em Pearl Harbour, a 7 de Dezembro de 1941.

Numa guerra entre abutres, entre potências militares, há sempre uma delas que a inicia.

Mas todos os historiadores e todos os democratas, especialmente norte-americanos (1), sabem que três meses antes, no final de Julho de 1941, os três imperialismos (Norte-americano, Britânico e Holandês) – ferozes colonialistas rivais dos colonialistas japoneses na Ásia – tinham, através de um embargo total, proibido ao Japão 88% das suas importações de petróleo e três quartos das suas trocas comerciais. Esta agressão económica deixou o Japão sem outra saída para além da guerra, a qual Roosevelt queria.

5 – Vejamos a política recente dos líderes norte-americanos da NATO que os arautos “de esquerda” da guerra até ao fim querem ilibar, para camuflar o seu alinhamento com o “seu” Estado, liderado por Macron.

O que quis dizer o diplomata dos EUA Charles Freeman – outrora Chefe das agências de informação dos EUA – quando declarou que a política seguida pelo seu Estado é “combater a Rússia até ao último Ucraniano”? É verdade que o actual Director da CIA, Burns, escreveu já há muito tempo: “A entrada da Ucrânia na NATO é a mais avermelhada das linhas vermelhas”, e que esta doutrina de prudência foi expressa durante anos por Kissinger, McNamara, Kennan e dezenas de altos diplomatas: uma tal decisão sobre a Ucrânia conduziria à guerra.

POVOS SACRIFICADOS AO LUCRO

… Por conseguinte, não é em pleno conhecimento de causa que Blinken (actual ministro dos Negócios Estrangeiros dos EUA), em representação de Biden, declarou em 2021: “Apoiamos a entrada da Ucrânia na NATO” e garantiu a Zelensky, em Novembro de 2021, todo o armamento necessário para a guerra? Depois destas provocações, utilizando e sacrificando os povos ucraniano e russo, logo a seguir à guerra iniciada pelos oligarcas russos (um mês depois!), foram assinados acordos para a venda à Europa de milhares de milhões de metros cúbicos de gás norte-americano, substituindo o gás russo.

6 – Àqueles que, em França, são heróis baratos e apelam à guerra a todo o custo, tendo a indecência de comparar esta guerra entre grandes potências com a guerra de libertação do povo argelino, a resposta foi dada em duas frases, no dia 25 de Fevereiro. Ela veio de uma mulher Franco-Argelina, cuja família lutou contra o imperialismo francês: “Nós estávamos sozinhos, não tínhamos a NATO connosco.” Ponto final nesta vergonhosa manobra.

Logo que as verdades económicas são ditas, assim que as provocações deliberadas de apoio à guerra são denunciadas, ouvimos a acusação ritual de “estão feitos com os Russos”. No século XXI, após a confissão de Colin Powell de que a guerra mais mortífera, a do Iraque, foi fomentada por falsificadores da CIA, depois destas mentiras difundidas para todo o mundo terem sido reconhecidas pelo homem que as disse na ONU, que mais é preciso – a menos de se ser incuravelmente atrasado mental – para não embarcar nos truques hipócritas dos governos fautores de guerras?

Esta semana, num ecrã de TV da união sagrada um almirante declarou: a população da Rússia é três vezes maior do que a da Ucrânia; portanto, é preciso que os Ucranianos matem três vezes mais Russos.

Esta linguagem de carnificina imperialista, estamos a ouvi-la um século depois da matança de 1914-1918, enquanto a luta pela reabilitação dos 639 soldados franceses fuzilados para dar o exemplo ainda não foi completada.

Nós, internacionalistas, lutamos por um cessar-fogo imediato.

Nem o campo de Putin e dos oligarcas, nem o campo de Biden, Macron, Total e dos seus congéneres capitalistas norte-americanos, são nossos.

O nosso campo é o das vítimas e dos povos, nas palavras da Internacional: “Os reis embebedam-nos com fumo; Paz entre nós, guerra contra os tiranos”.

Crónica da autoria de Michel Sérac, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 746, de 1 de Março de 2023, do Partido Operário Independente de França.

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(1) Ver, por exemplo, Howard Zinn, A People’s History of the USA, capítulo XVI.

A guerra do gás

Há uma velha anedota que fala de uma inundação de ketchup, no túnel Fourvière, que atravessa a cidade de Lyon.

Esta anedota foi inspirada na notícia de um choque frontal entre dois camiões, no famoso túnel. Um camião holandês, carregado com tomates baratos cultivados em estufas robotizadas com destino ao mercado ibérico, e um camião espanhol, também carregado de tomates baratos, cultivados nos campos andaluzes por uma multidão de “migrantes” africanos reduzidos à quase escravatura, com destino ao mercado holandês.

Esta história conta-nos muito sobre os perigos do caos económico causado pelo confronto entre os proprietários dos meios de produção e de distribuição, perante a crise de superprodução inerente ao sistema capitalista, cujo mecanismo foi perfeitamente analisado por Marx, no Capital.

“O capitalismo carrega a guerra como a nuvem carrega a tempestade”, escreveu em tempos o socialista francês Jean Jaurès.

Aí estamos nós!

De um lado, temos o “camião” da NATO, o braço armado dos trusts energéticos dos multimilionários dos EUA, que continuam a devastar o Próximo e o Médio Oriente com as suas intermináveis guerras do petróleo e que, agora, estão confrontados com a superprodução de gás de xisto norte-americano, o qual têm que vender, a todo o custo, num mercado já saturado.

Do outro lado, o “camião” da oligarquia de Putin, composto por algumas centenas de multimilionários, da nomenklatura, a descendência da burocracia contra-revolucionária estalinista.

O mecanismo de formação desta máfia, outrora camuflada como “comunista”, que enriqueceu à custa da pilhagem das conquistas e da imensa riqueza mineral extraída pelo povo russo, sob a barbárie do Regime czarista, foi perfeitamente analisada por Trotsky na Revolução Traída.

Até agora, o resultado é que, perante a pressão “atlantista” feita à mafia russa para que cedesse quotas de mercado, esta última ripostou com a ocupação militar da Ucrânia.

Mais uma vez, como Jean Jaurès, nós declaramos: abaixo a guerra!

E como Karl Liebknecht, acrescentamos: o inimigo está no nosso próprio país!

(Declaração, à tribuna do Reichstag – Parlamento alemão – a 2 de Dezembro de 1914, feita pelo deputado socialista alemão para justificar a sua recusa em votar a favor do orçamento de guerra, ignorando as instruções do seu grupo parlamentar).

Bilhete postal, da autoria de Jean ALSÉD, publicado no semanário francês “Informations Ouvrières”Informações operárias – nº 696, de 9 de Março de 2022, do Partido Operário Independente de França.

Ucrânia: A guerra e o gás

A postura bélica continua de ambos os lados. Putin acaba de anunciar que reconhece a “independência” dos territórios de Donetsk e Donbass na Ucrânia Oriental. Ele também anunciou o envio de tropas russas para estes territórios, com o objectivo – segundo as suas palavras – de assegurar uma “missão para proteger a paz”!

Pelo seu lado, os EUA e a União Europeia anunciam sanções contra a Rússia e uma maior presença militar da NATO nos países limítrofes da Ucrânia. Anunciam também sanções económicas. Na manhã de 22 de Fevereiro, a Bolsa de Moscovo teve uma queda de 8%, porque as ameaças de guerra e as questões económicas estão intimamente ligadas.

Por baixo do barulho das botas dos militares, pode sentir-se o cheiro do gás. Lembre-se que a Rússia fornece 40% do gás da Europa, representando 55% do que a Alemanha importa, 66% do importado pela Polónia e 100% pela Finlândia. A Rússia é também o terceiro maior produtor mundial de petróleo, atrás dos EUA e da Arábia Saudita. A Rússia fornece 11% do abastecimento mundial de petróleo.

Em nome do combate à dependência da Europa do gás russo, os EUA propõem a venda de gás liquefeito proveniente do seu país, claro, mas também do Qatar. Graças à exploração de xistos betuminosos, os EUA tornaram-se o maior produtor mundial de hidrocarbonetos e começaram a exportar a sua produção em 2016, após o presidente Obama ter levantado uma proibição de exportação que remonta a 1975, no seguimento do primeiro choque petrolífero. Até agora, os EUA têm exportado principalmente para a Ásia; mas, em 2022, tornaram-se no maior exportador mundial de gás liquefeito, à frente do Qatar e da Austrália.

Os EUA devem, portanto, encontrar outros pontos de venda. E, assim, estão a virar-se para a Europa. As exportações de gás liquefeito para a Europa quadruplicaram no ano passado. Daí o seu desejo de se oporem à entrada em serviço do Gasoduto russo Nordstream.

Como diz o jornal francês de negócios Les Echos: “A crise russa é a centelha, mas o problema está noutro lugar. O mercado petrolífero é estruturalmente deficitário” (15 de Fevereiro de 2022).

É o medo de uma nova crise da economia capitalista, à escala mundial. O mercado mundial – dominado pelo capital – está ameaçado de desmantelamento, a cada momento. E esta é, mais uma vez, a expressão da estreiteza desse mercado mundial, que vê os trusts competirem violentamente para conquistarem novas quotas de mercado e organizarem a pilhagem de matérias-primas.

Esta situação está na origem das guerras. O imperialismo é o militarismo e a guerra. Esta é a função da NATO, dominada pelos EUA. Recordemos que, formalmente, foi a NATO que iniciou a guerra no Afeganistão, ou seja, os EUA arrastando atrás de si os países europeus. E foram os EUA que decidiram retirar-se do Afeganistão, sem sequer consultarem os seus parceiros dessa Aliança. A NATO é uma máquina de guerra contra os povos, mas também um meio para enquadrar os regimes dos países europeus, com base nas exigências do imperialismo norte-americano.

Não se trata de democracia ou soberania nacional. Os povos da Europa, tal como os do resto do mundo, não têm nada a esperar dos regimes opressores e das alianças militares.

O caminho para a paz e soberania não se encontra nem do lado da NATO e da ONU, nem do lado de Putin – e, no que nos diz respeito, certamente não do lado de Macron.

O caminho para a paz e a soberania só pode ser encontrado pelos povos ucraniano e russo, que o irão determinar nas suas mobilizações para acabar com os regimes opressores.

Crónica de Lucien GAUTHIER publicada no semanário francês “Informations Ouvrières”Informações operárias – nº 694, de 23 de Fevereiro de 2022, do Partido Operário Independente de França.