A resposta à “crise política” passa pela concentração dos trabalhadores diante da Assembleia da República

Por trás de todos os comentários e apreciações vindos dos diferentes quadrantes políticos, a propósito dos resultados das eleições autárquicas e das suas consequências, estão os dois elementos determinantes da situação política e social: de um lado, a ofensiva – cada vez mais acentuada – da classe dominante contra os direitos, as condições de vida e de trabalho conquistados sobretudo com a Revolução de Abril; e, do outro lado, a resistência e as mobilizações a essa ofensiva por parte das populações e das classes trabalhadoras.

Nessas eleições – no quadro de uma campanha eleitoral mais nacional do que local – foram feitas milhentas promessas e apresentados planos sofisticados (com base na “Bazuca europeia”) para resolver os problemas das populações e dos trabalhadores.

Mas quem é que acreditou nessas promessas e nesses planos? Quantos ficaram alheios a essa campanha?

Os resultados eleitorais são esclarecedores: a segunda maior taxa de abstenção de sempre (só superada pela das Autárquicas de 2013) e os partidos – que até mergulham as suas raízes na luta das classes trabalhadoras e se reclamam da defesa do 25 de Abril, continuando a ser uma maioria na Assembleia da República e no Poder local – sofreram revezes políticos significativos (1).

Tais resultados só podem ser interpretados como uma expressão do descontentamento e da desilusão de muitos cidadãos relativamente à política desses partidos.

No entanto, António Costa – desvalorizando os revezes eleitorais do PS (nomeadamente na capital do país, em Coimbra, Funchal, Portalegre e na Marinha Grande) – tira outra conclusão, frisando que “o país quer a continuidade da sua política”.

E, ao mesmo tempo, deixa a pergunta: “Quem pode querer uma crise política nesta situação?” – claramente direcionada para os dirigentes do PCP e do BE, com quem tem estado a negociar a sua proposta de OE para 2022. Um aviso que recebeu de imediato a voz concordante do Presidente da República.

Mas não existe já uma crise política? Ela decorre da crise económica e social em que o país está mergulhado e que não pára de se aprofundar.

Sim, é imperioso abrir o caminho que interrompa o aprofundamento da crise em que vivemos.

As condições existem para o fazer, pois as classes trabalhadoras e a população em geral têm a capacidade para mudar o rumo dos acontecimentos.

Quando estão a ser discutidos e negociados os entendimentos para a viabilização do Orçamento do Estado para 2022, não é altura de as organizações sindicais apelarem os trabalhadores que representam a concentrar-se diante da Assembleia da República?

Sim, é altura dos trabalhadores da CP se concentrarem na Assembleia da República para exigir um Orçamento que respeite as necessidades desta empresa estratégica, onde esteja incluída a actualização dos seus salários.

É altura dos trabalhadores da TAP os acompanharem, com base na palavra de ordem “Reestruturar para desenvolver e ampliar e não para despedir”.

É altura de os professores exigirem que as verbas para a Escola Pública não podem continuar abaixo da média dos países da Europa.

É todos juntos – os que votámos e os que não votámos nas Autárquicas (trabalhadores de todos os sectores: da TAP, da Galp, da Banca, do Ensino, da CP, dos CTT, da Altice,…; os aposentados e os jovens) – que, concentrados diante da Assembleia da República, conseguiremos impor a aprovação de um Orçamento do Estado em que estejam consignadas as formas e estratégias para responder aos problemas fundamentais do povo e do nosso país.

É deste modo que poderá ser começada a superar a crise social e política que estamos a viver.


  1. Aprofundaremos a análise dos resultados das eleições autárquicas num texto posterior.

A Galp é uma empresa cotada em Bolsa…

Para ela o que é determinante é a realização de lucro e sua distribuição pelos accionistas.

A Galp, em conjunto com a EDP, integra o grupo das empresas que mais têm sido valorizadas à custa da especulação com os preços da energia, com todas as consequências que isso acarreta, tanto para o poder aquisitivo das populações, como para o aumento dos custos de produção das outras empresas.

No período 2008-2019, o Grupo Galp teve 4198 milhões de euros (M€) de lucros líquidos e distribuiu aos accionistas 3227 M€.

Em 2020, distribuiu pelos accionistas 600 M€ e despediu 80 trabalhadores. Em Dezembro desse ano, anunciou ao Mercado de Valores Imobiliários o encerramento da sua Refinaria de Matosinhos.

Em Abril de 2021, concretizou esse anúncio, destruindo o emprego directo de 400 trabalhadores e indirecto de outros mil funcionários de pequenas empresas que viviam da relação com a Refinaria. Ao mesmo tempo, anunciou um lucro de 166 M€, no primeiro semestre deste ano. E, no dia 22 de Setembro, foi a empresa mais valorizada (4%) na Bolsa de Valores de Lisboa.

Algumas questões sobre a luta de classes em Portugal

Trabalhadore(a)s da TAP concentrados diante da Assembleia da República no início de Dezembro de 2020.

Com os confinamentos decorrentes da pandemia, as companhias aéreas nacionais – um pouco por todo o mundo – ficaram inevitavelmente em crise. E os governos dos respectivos países injectaram enormes somas de dinheiro, para as preservar num período de tempo considerado transitório, até poderem recuperar.

Por que razão não é assim com a TAP, é uma questão colocada por muitos militantes sindicais.

Assim, 10 mil trabalhadores foram encurralados na “escolha” de aceitar – sem qualquer resistência ou mobilização – cortes salariais e “rescisões amigáveis”, ou então os despedimentos colectivos (ao abrigo do “Plano de reestruturação” em marcha. Uma e outra das alternativas visando sempre perfazer uma redução de custos de 25% ao ano.

Qualquer delas, a implementar no quadro da sacro-santa Autoridade da Concorrência da União Europeia. Uma “Autoridade” exercida sobre o Estado português, mas que em relação à Lufthansa não terá colocado obstáculos à entrega de muitos milhões de euros por parte do Estado alemão. Trata-se, apenas, da companhia área que se perfila como a mais bem posicionada para açambarcar as rotas que actualmente são pertença da TAP.

E é o Governo português que, fazendo o papel de vassalo desta “Autoridade europeia”, vem expressar publicamente o seu reconhecimento aos trabalhadores da TAP por terem aceite os acordos negociados com os dirigentes dos seus sindicatos, traduzidos em cortes salariais, “rescisões contratuais amigáveis” e licenças sem vencimento… e, com estes sacrifícios tão duros “salvar” a TAP.

O mesmo Governo que está a apunhalar os trabalhadores da Efacec, encarregando a sua Administração de proceder ao despedimento de 500 de entre eles, deixando-a “limpa” para ser entregue ao grande capital até ao próximo mês de Julho! Uma empresa reconhecida como um dos poucos sectores estratégicos que restam no nosso país, integrando uma valiosa mão-de-obra de engenheiros qualificados, com filiais em vários países, o que levou o PCP e o BE a apresentarem na Assembleia da República (AR) propostas defendendo a sua não-reprivatização, em nome da defesa do interesse nacional.

O mesmo Governo que lava as mãos em relação ao golpe, anunciado pela Administração da Galp e traduzido na destruição de 500 postos de trabalho directos e 1500 indirectos da sua Refinaria de Leça da Palmeira. O Governo lava as mãos, com a desculpa de que se trata de uma empresa privada, ao arrepio das consequências para a vida de milhares de Portugueses e para a economia dessa Região, como o expressam os comerciantes de Matosinhos e a respectiva Câmara Municipal, bem como a Assembleia Municipal de Gaia.

A quem serve fazer engolir a 10 mil trabalhadores da TAP sacrifícios pesadíssimos, despedir 500 trabalhadores e reprivatizar a Efacec, bem como permitir o encerramento da Refinaria da Galp de Leça da Palmeira?

Em 2015, quando milhares de trabalhadores se concentraram diante da AR ao apelo da CGTP – e com o apoio da Associação 25 de Abril – para exigir a saída do governo PSD-CDS e a formação de um governo do PS, assente em acordos com o PCP e o BE, os militantes gritavam “Fora o governo Passos Coelho – Portas, fora a Troika”. O que está a acontecer agora, ao pretender-se impor os despedimentos e a passagem de sectores económicos estratégicos para as mãos do grande capital, não é a continuação da política da Troika?

Foram muitos os cidadãos e os militantes – profundamente ligados à defesa do 25 de Abril e das suas conquistas – que não esconderam o choque com o resultado das eleições para a Presidência da República.

Responsáveis do próprio Partido do Governo afirmaram que era preciso reflectir – em conjunto com as outras forças sociais e políticas que se reclamam do 25 de Abril – para encontrar respostas políticas e sociais diferentes para todo o país.

São preocupações presentes no pensamento de muitos milhares de trabalhadores e de militantes, que se questionam sobre a construção de uma saída positiva para a actual situação, que olham com atenção para o que se passa nos outros países (em particular da Europa), que aspiram a que, em cada país, se constituam governos que apostem na cooperação ao serviço das populações e não ao serviço do capital financeiro, como está a acontecer com o escândalo do fornecimento das vacinas do Covid-19.

O Militante Socialista, órgão impulsionado pela associação POUS – 4ª Internacional e pelos seus militantes, respeitando os percursos e as diferentes experiências de outros militantes com quem combatem lado a lado, e partilhando as mesmas preocupações e aspirações, considera que só a luta conjunta organizada das classes trabalhadoras pode, de facto, abrir essa saída.

A verdadeira resposta para a situação do país passa pela defesa dos direitos dos trabalhadores

Uma saída positiva que exige o respeito pelos direitos dos trabalhadores da TAP e não o seu espezinhamento, a preservação da Efacec como empresa pública com todos os seus postos de trabalho, a manutenção da Galp de Leça da Palmeira com os respectivos postos de trabalho, abrindo o caminho à renacionalização da Petrogal (que nunca deveria ter sido privatizada).

É responsabilidade de todas as forças – quer sindicais, quer político-partidárias que se reclamam da defesa do 25 de Abril – juntarem-se à luta destes trabalhadores para os ajudarem a ganhar as suas reivindicações.

Ao fazê-lo assumirão a responsabilidade histórica de entregar às jovens gerações, de facto, o legado da Revolução de Abril.

A Comissão de redacção

Declaração do periódico “O Militante Socialista” de 12 de Fevereiro de 2021