Espanha: Estado de alarme e Plano de relançamento

A 14 de Abril, Pedro Sánchez apresentou no Parlamento o Plano de relançamento económico baseado na chegada dos Fundos europeus prometidos, um plano que, com poucas nuances, tem poucas novidades em relação ao discurso que tem vindo a repetir desde Julho do ano passado, quando a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da União Europeia decidiu criar um Fundo mutualizado de dívida de crédito para, supostamente, vir em auxílio dos países com maiores problemas e, entre eles, a Espanha.

Os Fundos prometidos ainda não chegaram, nem é sabido ao certo quando chegarão, mas as condições para serem recebidos chegaram (embora tenham tentado mantê-las escondidas). Entre elas, não revogar as reformas laborais – ou modificá-las o menos possível – e empreender uma nova reforma das pensões de aposentação, com o objectivo declarado de “reduzir as despesas”. Uma reforma cujo conteúdo não é apenas prejudicial para os futuros reformados, mas também para os actuais, pois não assegura nem a revalorização das pensões de acordo com o custo de vida, nem o seu aumento de acordo com as necessidades óbvias.

Milhares de despedimentos: o que está o Governo a fazer?

No seu discurso, Pedro Sánchez “esqueceu” as dezenas de milhares de despedimentos anunciados, desde o encerramento da Airbus (em Cádiz), o ERE (1) da Ford, até aos planos “sociais” do El Corte Inglês, na Zara, na H&M ou no BBVA e noutros bancos (que totalizam mais 16.000 despedimentos). Uma onda de despedimentos perante a qual o Governo é impotente, não tem nada a dizer e nada a fazer. Basta que as empresas o façam.

A frase feita de Sánchez perante a crise actual é “vacinar, vacinar, vacinar”. Mas nunca se viu que a vacina tivesse devolvido os empregos perdidos, recuperado o salário (uma perda de 12% em média), recuperado os cursos perdidos com o “Ensino à distância”, nem invertido os brutais cortes que o sector da Saúde pública sofreu, cortes que se mantêm e que anunciam que novas catástrofes sanitárias são possíveis.

E o estado de alarme?

Dias antes Sánchez tinha anunciado a sua intenção de não manter o estado de alarme para além do seu fim previsto a 9 de Maio… dizendo, ao mesmo tempo, que as Comunidades têm o poder de manter restrições às liberdades, apoiadas pelas forças da lei e da ordem e pelos juízes. Isto tem duas consequências. Em primeiro lugar, cada Região é deixada à sua própria sorte, o que significa que o confronto entre regiões está programado. E, em segundo lugar, com esta situação, a restrição às liberdades deixaria de precisar de uma declaração de “alarme”, ou seja, poderia ser permanente (como o Partido Nacional Basco já tinha proposto). O que nos leva a perguntar onde estão os motivos sanitários em tudo isto?

Liberdades e reivindicações

A luta pelas reivindicações, a defesa dos direitos e conquistas, é inseparável da defesa das liberdades, que são necessárias para lutar por elas, como demonstrou a longa luta contra o Franquismo. Qualquer organização que afirma defender os interesses da maioria não pode submeter-se ao “pensamento único, supostamente sanitário”. A luta contra os despedimentos, pela reabertura das aulas e pela prestação de cuidados de saúde com os meios necessários é inseparável da luta contra a “Lei-mordaça” (2), contra todas as restrições de direitos adoptadas com base no estado de alarme, contra as reformas laborais. A revogação do artigo 315.3 do Código Penal (3), como resultado da mobilização, mostra que é possível.

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(1) “ERE” significa “Expediente de Regulação do Emprego”.

(2) Esta Ley Orgánica de Protección de la Seguridad Ciudadana – que é conhecida como “lei Mordaça” – é drasticamente limitadora da liberdade de expressão.

(3) Este Artigo do Código Penal permite a prisão de sindicalistas que participem em piquetes de greve.

Editorial do periódico Información Obrera – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – nº 357 (Suplemento) de 22 de Abril de 2021.

Espanha: Um “novo” Governo

A saída de Pablo Iglesias levou Pedro Sánchez a reorganizar o seu Governo. Mas as mudanças em vários ministérios vão para além dos ajustamentos impostos pelas eleições em Madrid e pela saída de Pablo Iglesias do Governo.

Por um lado, elas correspondem ao reforço das medidas repressivas do estado de emergência, através da recuperação de facto da famosa “lei Corcuera” do governo de Felipe González, chamada “o pontapé na porta”, a qual permite a intervenção arbitrária da Polícia nos domicílios privados, sem qualquer ordem judicial, e tem o apoio do ministro do Interior, Grande-Marlaska, cujo passado repressivo ressurge em todas as oportunidades.

A violação do domicílio é feita em nome da luta contra a pandemia (que já serviu para justificar a proibição das manifestações de 8 de Março) e a perseguição às chamadas “festas ilegais” (enquanto manifestações de franquistas e concertos massivos… são permitidos). Contudo, muitos juristas salientam que estas acções estão em contradição com a “legalidade vigente” e, em particular, com o artigo 18º da Constituição.

É evidente que todos os aspectos mais repressivos do Regime monárquico – desde a “Lei mordaça” até à utilização abusiva das actuais medidas de excepção – são o plano diário deste Governo. Não se trata apenas de uma questão de “excessos”, por parte de alguns agentes da Polícia, do Governador civil de Madrid ou do ministro do Interior e antigo juiz “vedeta” da sinistra Audiência Nacional. Pelo contrário, estas são medidas que têm um objectivo político e social. É uma questão de, por um lado, espartilhar e tentar impedir a resistência dos trabalhadores, dos jovens e do povo, para ajudar a manter a paralisia das grandes organizações dos trabalhadores, especialmente dos sindicatos, numa situação em que os piores planos anti-operários e anti-sociais estão a ser anunciados.

Tomemos apenas um exemplo: o Vice-Presidente da Comissão Europeia, Dombrovskis, disse – no passado dia 29 de Março – que a Espanha deve levar a cabo uma reforma laboral vasta e completa. Por outras palavras, trata-se de agravar ainda mais as reformas de Zapatero e de Rajoy – em troca, é claro, da “miragem” dos Fundos europeus, em relação aos quais foi anunciado um novo atraso, enquanto se aguarda uma decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha.

Quem pode duvidar que esta nova contra-reforma social só pode encontrar a oposição frontal dos trabalhadores deste país e da maioria dos dirigentes sindicais, a todos os níveis?

É aqui que a mudança de Governo assume o seu pleno significado. A nova ministra do Trabalho, Yolanda Diaz, é conhecida pelas suas boas relações com os líderes sindicais, e, tal como foi afirmado pelo ministro Castells (da Educação) – que se gaba de a conhecer bem – foi ela quem “manteve manter a paz social” durante o último período.

A decomposição em marcha dos vários partidos que representam directamente o Regime coloca no actual Governo a responsabilidade de proteger o Regime e “constituir o veículo” das exigências do capital financeiro, em nome dos “Fundos europeus”.

A resistência que se está a desenvolver em diferentes sectores da metalurgia, entre os aposentados, ou os trabalhadores do sector da Saúde,… está cada vez mais a afrontar-se ao Governo, que tem uma necessidade crescente de combinar medidas repressivas e o “diálogo social” com os dirigentes das organizações do movimento operário, para cumprir as suas funções.

Editorial do periódico Información Obrera – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – nº 357, publicado a 4 de Abril de 2021.