
Diz-me com quem andas…
A 29 de Dezembro, a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni realizou a sua conferência de imprensa de final de ano. Foi a oportunidade para fazer uma primeira avaliação acerca dos 100 dias de governo após a sua vitória nas eleições legislativas. Ao mesmo tempo, o Senado italiano aprovou, de maneira definitiva – com um voto de confiança – o Orçamento do Estado para 2023.
A LEI ORÇAMENTAL PARA 2023: CONTRA OS MAIS PRECÁRIOS E UMA POLÍTICA DE GUERRA
Uma Lei “contra os mais precários”, como o afirma a CGIL, a maior Confederação sindical italiana, no seu sítio na Web, a 25 de Novembro, que “não intervém estruturalmente sobre a pandemia salarial que está a empobrecer o país (…), reduz de facto os recursos necessários para a Saúde, a Escola e os transportes públicos”. Esta Lei mantém a reforma Fornero sobre as pensões de aposentação (com um aumento da duração do período de contribuição) e prevê a supressão total do Rendimento de Cidadania (equivalente ao RSI, no nosso país) em 2024.
Numa conversa telefónica com o presidente Zelensky, da Ucrânia, Giorgia Meloni renovou “o total apoio do Governo italiano a Kiev – ao nível político, militar, económico e humanitário – para reparar as infra-estruturas energéticas e (para trabalhar) na reconstrução futura da Ucrânia”, disse o Palazzo Chigi (a sede da Presidência do Conselho de ministros da Itália) num comunicado. A chefe do Governo também reiterou “o empenho total da Itália em todas as acções visando alcançar uma paz justa para a nação ucraniana”.
Além disso, a presidente do Conselho italiano confirmou a sua intenção de se deslocar a Kiev e convidou o Presidente ucraniano a deslocar-se a Roma.
A 14 de Dezembro, os parlamentares de direita, de centro-direita e do Partido Democrata aprovaram uma Resolução de apoio à Ucrânia, que autoriza o envio de armas para aquele país – durante todo o ano de 2023 – sem necessidade de uma nova votação no Parlamento.
MEDIDAS DE FORÇA NUM CONTEXTO DE RESISTÊNCIA DA CLASSE OPERÁRIA
Assim que chegou ao poder, o governo de Meloni teve de enfrentar a resistência dos trabalhadores italianos: em Outubro, no próprio dia da posse do novo Parlamento e enquanto os políticos estavam a discutir o “equilíbrio governamental”, os trabalhadores da Ansaldo – a maior fábrica industrial de Génova – estiveram nas ruas contra o encerramento da sua fábrica, propriedade do Estado, ao apelo da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL). Perante estes trabalhadores, concentrados em conjunto com os dos estaleiros navais, a CGIL do sector da Indústria declarou: “Os trabalhadores, os funcionários e os técnicos não querem pagar pela guerra e a crise do gás (…). A reivindicação é simples: o proprietário – ou seja, o Estado – deve fornecer o dinheiro e as encomendas a uma empresa que é útil para a transição energética.”
Algumas semanas mais tarde, a 5 de Novembro, em Roma, teve lugar uma grande mobilização contra a guerra e em defesa dos salários, com cerca de 100 mil pessoas numa manifestação, convocada por partidos de esquerda e vários sindicatos. Em Dezembro, foram convocadas várias jornadas de greves interprofissionais: uma a 9 de Dezembro, convocada pelos sindicatos da União Sindical de Base (USB), e outra, a 14 de Dezembro, ao apelo da CGIL, contra o Orçamento do governo.
MELONI PROCURA CONTINUAR A POLÍTICA DO SEU ANTECESSOR MARIO DRAGHI
É neste contexto – em que a classe operária italiana não está esmagada – que Meloni chegou ao poder, ela própria num contexto de crise política, após a queda do governo de Mario Draghi (antigo presidente do Banco Central Europeu).
Lembremo-nos que, nos primeiros dias após o início da guerra na Ucrânia, o pessoal de terra do aeroporto de Pisa – que tinha descoberto armas em caixotes enviados por comboios humanitários para a Ucrânia – apelou a uma manifestação, a 19 de Março de 2022, com a USB, que denunciou “esta terrível surpresa para a qual nos arrasta o clima de guerra do governo de Draghi”. Em Junho de 2022, uma série de greves tinha sido lançada no sector dos transportes – e, em particular a de 17 de Junho, ao apelo dos sindicatos da USB, “contra a guerra, contra todas as formas de despedimento, pela segurança no trabalho, pelo salário mínimo e contra o aumento dos preços”.
A 24 de Outubro – o dia em que o Governo tomou posse – um dos maiores jornais diários italianos, o Corriere della Sera,publicou a manchete: “Continuidade e transição ordenada”, para ilustrar o aperto de mão entre Mario Draghi e Giorgia Meloni. Este foi o fim-de-semana que Emmanuel Macron escolheu para visitar a Itália e tornar-se, assim, no primeiro Chefe de Estado a encontrar-se com Meloni, depois desta se ter tornado primeira-ministra. Joe Biden, pelo seu lado, foi ainda mais directo quando disse: “Estou ansioso por trabalhar com Meloni”. Nas eleições antecipadas de Setembro passado, o capital financeiro tinha feito a sua escolha. O que o diário francês Le Monde salientou nestes termos: “Em Itália, a comunidade empresarial está a inclinar-se para a candidata de extrema-direita Giorgia Meloni”. Era necessário encontrar um outro líder para a política de privatizações e economia de guerra. O capital continua a ser o capital, e sabe onde estão os seus valores. Perante isto, militantes italianos estão a tentar construir a força política de ruptura que ainda falta em Itália.
A Unione Popolare (União Popular), que recebeu o apoio de Jean-Luc Mélenchon, em conjunto com a organização Potere al Popolo (Poder ao Povo), está a construir uma política de ruptura com a política de Draghi – continuada por Meloni – e isto logo após a realização das eleições legislativas, num contexto em que a Itália registou a maior taxa de abstenção de sempre em eleições políticas.
Avançando para um reforço da sua organização – nomeadamente com a Assembleia Popular Nacional, realizada a 4 de Dezembro – a Unione Popolare está envolvida em iniciativas políticas contra a guerra e os seus militantes participam em greves e manifestações sindicais.
Esta vontade de romper e de se organizar, em Itália, oferece uma perspectiva aos trabalhadores italianos.
Crónica da autoria de Ophélie Sauger, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 738, de 4 de Janeiro de 2023, do Partido Operário Independente de França.