
Winston Churchill, primeiro-ministro da Inglaterra pertencente ao Partido Conservador, escreveu mais do que uma vez sobre Leon Trotsky e desejou que ele e as suas ideias morressem e fossem esquecidos pela História. Mas ele foi obrigado a reconhecer que talvez apenas Trotsky e Lenine sobrevivessem, na História, como os mais conhecidos personagens e líderes da Revolução russa de Outubro de 1917. O ódio brutal do principal líder da burguesia inglesa ao líder bolchevique era, na verdade, direccionado contra a Revolução russa, contra a classe operária que ousara tomar o poder, isto é, contra a revolução socialista mundial que assombrava os capitalistas.
Esse mesmo Churchill – como a maior parte das burguesias de todo o mundo – elogiou Hitler e os nazis, na década de 1930, pela capacidade que tiveram de reprimir e esmagar a mais poderosa classe operária de então, a alemã.
Estaline foi para além do ódio e ordenou a execução de Trotsky. Todo o enorme aparelho político da Internacional Comunista (3ª Internacional), os seus partidos, jornais e lideranças, mas também a Polícia estalinista dentro e fora da URSS – (a NKVD e, depois, a GPU) – perseguiram, de maneira implacável, Trotsky e todos aqueles que ousassem discordar da tirania estalinista que se afirmava.
Na Alemanha, Estaline também ajudou a abrir caminho a Hitler, dividindo a classe operária alemã, em 1933, impedindo a sua unidade para derrotar o nazismo. O ódio da burocracia estalinista contra o revolucionário russo – antigo presidente do Soviete de Petrogrado, em 1917, e criador do Exército Vermelho – tinha como alvo a democracia socialista e a possibilidade de concretização da revolução mundial.
Aferrada a crescentes privilégios e a uma ditadura cada vez mais brutal contra a classe operária e o povo soviéticos, a burocracia estalinista temia a revolução tanto quanto os capitalistas.
Para o grande acordo em defesa da convivência e estabilidade com os capitalistas, Estaline ofereceria o assassinato de Trotsky em 1940, mas antes procurou – em plena década de 1930, quando o mundo capitalista mergulhava em profunda crise – novos acordos com as burguesias dos principais Estados capitalistas.
Tratava-se das políticas de colaboração de classes ou Frentes Populares (como ficaram conhecidas) e que, de facto, colocavam as organizações operárias em frentes controladas por partidos das respectivas burguesias. Essa política teve o efeito desastroso, por exemplo, de bloquear a Revolução espanhola (1936-1939) ou de criar uma Frente com a burguesia francesa, no momento de ascensão da luta de classes na França.
A 3ª Internacional, depois de capitular e não combater o nazismo, submeteu-se completamente ao controlo dos chefes – nomeados de cima para baixo, por Estaline – e tornou-se num apêndice das manobras diplomáticas da política externa da URSS.
A Oposição de Esquerda e a 4ª Internacional
Após a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, em Janeiro de 1933, a Oposição Internacional de Esquerda passou a defender a proposta de se construir uma 4ª Internacional, a partir de uma orientação de Frente única, apelando à mais ampla unidade das organizações operárias para lutar contra o fascismo.
As organizações dirigidas pelo estalinismo defendiam, nesse momento, as Frentes amplas com as burguesias, as quais na prática – em nome da “unidade” ou da “democracia” – obrigavam e pressionavam os sindicatos, por exemplo, a abrir mão de salários, direitos e greves.
No Brasil, essa política traduziu-se na criação da ANL (Aliança Nacional Libertadora) – impulsionada pelo Partido Comunista (PCB) – que, ao contrário do que dizia o seu nome, procurava aprisionar a classe operária brasileira aos objectivos da burguesia.
Em 1936, Trotsky está empenhado também em impulsionar o “Movimento pela 4ª Internacional”, após a completa falência e burocratização da 3ª Internacional, que não esboçara nenhuma reacção face à derrota do movimento operário alemão ao nazismo. Depois de ser expulso da França e de, na Noruega, ser ameaçado de deportação para a URSS (onde seria fuzilado por Estaline), o governo de Lázaro Cárdenas (1), no México, ofereceu asilo ao velho revolucionário russo. A herança da revolução mexicana (1910-1917), de Pancho Villa e Emiliano Zapata, tornou-se presente nesse gesto.
“A crise da humanidade resume-se à crise da Direcção revolucionária”
Nos meses que antecederam a sua morte, Trotsky procurava fortalecer a recém-fundada 4ª Internacional, que se formara em 1938 e dava os seus primeiros passos. Como afirma o seu texto fundador – o Programa de Transição – “a crise da humanidade resume-se à crise da Direcção revolucionária”.
As condições objectivas para a Revolução socialista estavam maduras e era necessário construir uma nova Direcção revolucionária. Sem o socialismo, a humanidade estaria ameaçada de ser arrastada para a barbárie pela permanência do capitalismo.
A barbárie estava mesmo próxima. A Segunda Guerra mundial (1939-1945) – que mataria dezenas de milhões se seres humanos nos anos seguintes – apenas tinha começado. Trotsky assinalou nas suas últimas notas, escritas pouco antes do seu assassinato: “A Segunda Guerra Mundial coloca a questão da mudança de Regime, de maneira mais imperiosa e urgente do que a Primeira. É sobretudo uma questão de Regime político. Os operários sabem que a democracia naufragou, em toda a parte, e que o fascismo os ameaça mesmo onde ainda não existe. A burguesia dos países democráticos vai, naturalmente, utilizar este medo do fascismo por parte dos operários; mas, por outro lado, a falência das democracias, o seu desmoronamento e a sua dolorosa transformação em ditaduras reaccionárias obrigam os operários a colocar a questão do poder e torna-os responsáveis por a colocarem.”
Churchill e Estaline temiam os abalos que a conjuntura internacional provocaria na estabilidade política. Temiam que se repetisse o que ocorrera no final da Primeira Guerra mundial (1914-1918): a explosão das massas populares e as revoluções. Era essa a aposta de Trotsky e da 4ª Internacional. O estalinismo tornara-se a linha auxiliar da estabilidade internacional, apesar de todas as aparências em contrário. E o final da Guerra, em 1945, trouxe de facto milhões de pessoas para as ruas, numa onda revolucionária anticapitalista, que varreu todo o planeta. Nem Getúlio Vargas (2), no Brasil, escapou. Depois, teve lugar a destruição final da Internacional Comunista, em 1943, bem como os acordos de Yalta e de Postdam, no final da Segunda Guerra.
A vitória contra o fascismo de Hitler e de Mussolini só foi possível porque houve a Revolução de Outubro de 1917, que pôde transformar a Rússia rural e atrasada numa potência industrial, através da planificação económica socialista, com a eliminação da propriedade privada dos meios de produção. O objectivo do aparelho estalinista, ao eliminar Trotsky, era o de liquidar o fio de continuidade da Revolução de Outubro de 1917, a sua herança e o seu exemplo.
Trotsky sofreu um atentado em sua casa (às mãos de Mercader, agente de Estaline), no dia 20 de Agosto de 1940, mas só morreu no dia seguinte, num hospital da cidade do México.
81 anos depois, a 4ª Internacional prossegue o seu combate para ajudar a classe operária a colocar a questão do poder e pôr fim ao sistema da propriedade privada dos grandes meios de produção.
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(1) Membro do Partido Revolucionário Institucional, foi Presidente da República do México, entre 1 de Dezembro de 1934 e 30 de Novembro de 1940.
(2) Membro do Partido Trabalhista Brasileiro, foi Presidente da República do Brasil, entre 20 de Julho de 1934 e 29 de Outubro de 1945 e, de novo, entre 31 de Janeiro de 1951 e 24 de Agosto de 1954 (data da sua morte).
Adaptação do artigo da autoria de Everaldo Andrade, editado no jornal “O Trabalho” – cuja publicação é da responsabilidade da Secção brasileira da 4ª Internacional (corrente do Partido dos Trabalhadores do Brasil) – na sua edição nº 888, de 12 de Agosto de 2021.