EUA: crise, confusão e caos

Às 0h30 de Washington (6h30 de Paris): o número de votos dos dois candidatos é muito próximo. Contrariamente ao que diziam as sondagens, não houve uma onda favorável a Joe Biden.

O resultado final vai ser decidido nos três Estados do nordeste dos EUA: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. Estes três Estados, tradicionalmente democratas, votarão em 2016 por Trump, que aparecia como um candidato de ruptura e anti-elite de Washington. Era a expressão da fractura social nos EUA.

Estes três Estados são chamados o Rust belt (a cintura industrial oxidada). Com efeito, são Estados desindustrializados nos quais os trabalhadores não encontram emprego.

Às 0h30 de Washington, Joe Biden pronunciou-se, de maneira inabitual, visto que os resultados ainda não eram conhecidos. Afirmou que estava bem posicionado para ganhar, mas que era necessário esperar por todos os resultados. E acrescentou: “Não compete a mim nem a Trump declarar o resultado das eleições, mas sim ao povo norte-americano”. Não era o candidato democrata que se expressava, mas sim o homem de Estado tentando preservar o Regime, fazendo um apelo à calma. Imediatamente, Trump colocou no Tweet: “Querem roubar-nos as eleições!”. Após esse tweet, Trump discursou na Casa Branca. Reivindicou a vitória, denunciou as eleições como sendo uma fraude e apelou ao Supremo Tribunal. A crise…

Antes das eleições, Trump já tinha dito que, no caso de Biden ganhar, isso seria um produto da fraude e que rejeitaria a “transição democrática”. O Sistema dos EUA baseia-se, efectivamente, no bipartidarismo: Partido Democrata e Partido Republicano. O Presidente é eleito a 3 de Novembro e assume as suas funções a 21 de Janeiro.

Durante esse período, o Presidente cessante continua no poder e a sua equipa transmite os documentos à equipa do Presidente eleito. Posto que, com um novo Presidente muda toda a Administração.

O discurso de Biden expressa o terror perante uma radicalização de ambos os lados: as milícias pró-Trump que ameaçam com a guerra civil; mas também, do outro lado, os Negros, os jovens, os Latinos, etc.

Este discurso de Biden expressa a crise das instituições dos EUA, a crise da classe dominante do imperialismo mais poderoso – confrontado com uma crise económica sem precedentes – e também o lugar ocupado pelos EUA à escala mundial. Trump tenta o golpe de força, arriscando-se a provocar o caos.

Na véspera das eleições, numa inabitual mensagem comum, as organizações patronais dos EUA declararam: “Exortamos todos os norte-americanos a apoiar o processo eleitoral definido pelas leis e a manter a confiança na longa tradição de eleições pacíficas e justas do nosso país.”

Esta fractura nos EUA ficou marcada, principalmente no ano de 2020, pelas mobilizações após a morte de George Floyd contra o racismo sistémico, mas não só contra isso. A mobilização dos Negros, dos jovens brancos e dos Latinos – a que se juntaram muitos sindicalistas – foi uma explosão social contra a pobreza, a precariedade e a utilização da pandemia pelo capital, pondo no desemprego dezenas de milhões de trabalhadores, lançando para a rua milhões de Negros e de jovens precários. E agora o capital anuncia uma onda de reestruturações e de despedimentos em massa.

Esta mobilização, que juntou centenas de milhares de pessoas, surgiu espontaneamente e de maneira independente das cúpulas da AFL-CIO (principal Confederação sindical dos EUA cujos dirigentes apoiam, tradicionalmente, o Partido Democrata). Mas a presença de uma multidão de militantes e de responsáveis sindicais ao lado dos jovens, dos Negros e dos Latinos é a expressão de uma nova situação. Biden não se cansou de repetir promessas, tanto ao nível económico como social, para tentar captar os seus votos. Mas, caso seja eleito, ele será incapaz de cumpri-las porque isso implicaria atacar o capital do qual é um representante. Uma parte destes manifestantes votou em Biden, mas sem muitas ilusões. Na realidade, votaram para derrubar Trump.

Outros, decepcionados com o Sistema bipartidário, não votaram. Ninguém sabe o que irá acontecer nas próximas horas ou nos próximos dias. Mas uma coisa é certa: seja eleito Biden ou seja Trump, a crise política das instituições norte-americanas vai-se amplificar. O movimento que junta Negros, jovens, Latinos e sindicalistas colocará, necessariamente, a questão da sua independência em relação ao Partido Democrata, sobretudo se o eleito for Biden.

Seja eleito Biden ou seja Trump, esta mobilização gerará a procura de formas organizadas para o combate.

Uma nova situação está a abrir-se nos EUA. Uma nova situação está a abrir-se no mundo.

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Análise de Lucien GAUTHIER, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 629, de 4 de Novembro de 2020, do Partido Operário Independente de França.

EUA: “O próximo presidente herdará uma nação – e um mundo – em crise”

A um pouco mais de um mês das eleições, a campanha das Presidenciais nos EUA está a acelerar. O New York Times, apoiante de Biden, publicou a 27 de Setembro um artigo sobre as declarações de rendimentos do Presidente dos EUA, que este sempre se recusou a tornar públicas, ao contrário da tradição norte-americana.

Estas declarações mostram que as suas empresas – cuja gestão ele sempre elogiou como prova da sua capacidade para dirigir bem os assuntos de Estado dos EUA – perdem milhões de dólares todos os anos.

Elas também mostram declarações de despesas comerciais (não tributáveis) cuja legalidade parece questionável: 70.000 dólares em honorários de cabeleireiro, algumas centenas de milhares de dólares pagos à sua filha como consultora,…

Como resultado, ele não pagou nenhum imposto federal sobre o rendimento durante vários anos, e tanto em 2016 (o ano da sua eleição) como em 2017, pagou $750, menos do que um norte-americano médio. Isto é anedótico, mas revela a crise em que está mergulhado o aparelho de Estado dos EUA. Donald Trump foi eleito em 2016 como expressão desta crise e só contribuiu para a aprofundar. Ameaça agora usar a lei de 1807 contra insurreições, para subjugar as manifestações Black Lives Matter.

Esta lei, que permite ao Presidente utilizar os militares para reprimir um movimento insurrecional, foi utilizada amplamente ao longo da década de 1860 durante a luta para impor os direitos civis no Sul e, depois, para reprimir violentamente os movimentos pelos direitos civis quando os cidadãos recusaram ficar satisfeitos com a fachada de igualdade que as leis aprovadas lhes deram.

Trump também ameaça não reconhecer o resultado de 3 de Novembro, se ele não lhe for favorável. Tradicionalmente, o voto por correspondência representa 25% dos votos nas eleições norte-americanas e, com as restrições decorrentes do Covid, espera-se este ano uma subida exponencial desta percentagem: Trump coloca em dúvida, com antecedência, a autenticidade destes resultados, e diz-se pronto a contestá-los.

A sua decisão de nomear, na sequência da morte de Ruth Bader Ginsburg, uma nova juíza reaccionária para o Supremo Tribunal, a meio da campanha presidencial, aparenta-se a um golpe de força, apoiado por senadores republicanos, que há quatro anos recusaram que Obama tivesse feito o mesmo oito meses antes das eleições.

Neste contexto, Biden conseguiu o apoio de centenas de diplomatas e de oficiais superiores das Forças Armadas dos EUA, os quais, segundo o New York Times, “teriam apoiado qualquer membro do Partido Republicano, desde que não se chamasse Trump”.

Na sua carta de apoio, eles declaram: “O próximo presidente herdará uma nação – e um mundo – em crise (…). Apenas FDR (1) e Abraham Lincoln (2) ocuparam os seus postos face a crises mais monumentais do que o próximo Presidente.”

E é um facto. O Covid fez explodir a crise económica, latente desde 2008, com o seu cortejo de desempregados e despejos (os quais – proibidos desde 4 de Setembro, na sua maioria – serão retomados de novo a 1 de Janeiro). As manifestações Black Lives Matter continuam, e até recuperaram intensidade, depois de ter sido anunciado que os agentes da Polícia que mataram Breonna Taylor não seriam incomodados.

Por outro lado, as contra-manifestações de grupos violentos de Brancos radicais estão a multiplicar-se. A nível internacional, a guerra comercial com a China está ao rubro, enquanto a situação no Médio-Oriente continua a agravar-se. As sondagens prevêem uma vitória de Biden – mesmo se a experiência de 2016, quando a vitória de Clinton parecia garantida, incita à máxima cautela. Uma reeleição de Trump aprofundaria imediatamente a crise, tanto ao nível interno como internacional. Mas uma vitória de Biden não resolveria, de modo nenhum, os problemas com que o imperialismo norte-americano está confrontado.

A luta da classe operária pela igualdade real entre Negros e Brancos, por um Sistema universal de cuidados de Saúde, em prol de empregos reais com salários adequados está a ter lugar e continuará a seguir a estas eleições, independentemente do seu resultado.

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(1) Franklin Delano Roosevelt, eleito em 1932, em plena crise económica, foi Presidente durante toda a Segunda Guerra Mundial.

(2) Lincoln, eleito em 1860, foi Presidente dos EUA durante a Guerra Civil de Secessão.

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Análise de Devan Sohier publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 624, de 31 de Setembro de 2020, do Partido Operário Independente de França.

Coronavírus nos EUA: a urgência de um Sistema de Saúde universal

Trump

Com 20 mil mortos, os EUA são agora o país mais afectado pelo Coronavírus.

Mas nem todos os Norte-americanos são afectados da mesma forma. Só os estados de Nova Iorque e de Nova Jersey, que fazem fronteira com a cidade de Nova Iorque, registaram 11.700 mortes, ao ponto de valas comuns estarem a ser cavadas à pressa nesta cidade. A Louisiana, o Michigan e o Illinois também estão a ser fortemente afectados.

UMA DOENÇA QUE AFECTA TODOS, MAS ESPECIALMENTE OS NEGROS Continuar a ler