A negociata da Jornada Mundial da Juventude

A chamada “Jornada Mundial da Juventude” (JMJ) vai ter lugar este ano em Lisboa, nos dias 1 e 6 de Agosto.

Acontece que a construção da infraestrutura para a realização deste evento religioso vai ser, em grande parte, financiada com dinheiros do Erário Público – nunca menos de 80 milhões de euros (M€), entre o que já está estipulado para o Governo (36M€) e para os municípios de Lisboa (35M€) e Loures (9M€), enquanto a Igreja acaba de divulgar agora que também irá “investir” 80 M€ (até aqui era outro “Segredo de Fátima” bem guardado?).

No passado mês de Novembro, José Sá Fernandes, Coordenador do grupo de projecto para a JMJ, defendeu as grandes potencialidades deste evento. Na Comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, da Assembleia da República, garantiu que “o retorno para o país (qual país?) será de 350 milhões de euros”

Este ex-vereador do PS foi designado para este cargo pelo Despacho n.º 7669/2021 (de 28 de Julho), emitido pela presidência do Conselho de Ministros e gabinete do primeiro-ministro, quando em 2021 era vereador na Câmara Municipal de Lisboa. Sá Fernandes tem como vencimento 4525,62 euros/mês, até Dezembro de 2023; além disto tem direito a três adjuntos; um secretário pessoal; três técnicos especialistas; e motorista. Todos à custa dos dinheiros públicos…

A polémica sobre os “gastos exorbitantes” deste evento (“negócio”) rebentou agora com a divulgação do valor a pagar (cerca de 6M€) pela construção do chamado “Altar- Palco” – uma estrutura faraónica que, seguindo as orientações dadas pela Organização da JMJ, terá 5 mil metros quadrados (metade de um campo de futebol!) e nela devem ter lugar 1000 bispos, 300 padres concelebrantes, 200 membros do coro e 90 da orquestra, 30 intérpretes de língua gestual e ainda convidados e equipa técnica, com as respectivas dependências para “equipamento” e lavabos.

Como diz a revista Visão, de 26/1/2023, “QUERER UM PALCO MEGALÓMANO NÃO É CRIME. MAS PODE SER UM PECADO”, fazendo uma blague com a recente afirmação do Papa Francisco de que “a homossexualidade não é crime, mas é pecado”.

O “choque” na opinião pública foi de tal ordem, que o próprio Bispo auxiliar de Lisboa e o Presidente da República (essas boas almas “cristãs” e sensíveis) vieram agora afirmar que “desconheciam” o valor “exorbitante” a empregar na construção do “Altar- Palco” – mostrando-se “magoados” com um tal “negócio” – enquanto o Primeiro-ministro António Costa (com o seu pendor para “os negócios”) enfatizou as “grandes potencialidades” do empreendimento.

Fazendo tábua-rasa da Constituição da República Portuguesa – onde é bem clara a separação entre a Igreja e o Estado – governantes e autarcas estão a usar somas enormes do Erário Público para financiar um evento religioso.

E isto, enquanto faltam dramaticamente verbas para a Saúde, a Educação, a Segurança Social,… Verbas para fazer face à inflação galopante, para pagar salários, pensões de aposentação e subsídios.

Traços gerais da Proposta de OE para 2021

A presente súmula tem por base, essencialmente, o estudo de Eugénio Rosa sobre a proposta do Governo do Orçamento do Estado para 2021, datada de 17 de Outubro de 2020.

Em relação ao trabalho e aos trabalhadores, agora à pala de virem fazer face à catástrofe económica derivada da pandemia, a proposta:

– Congela novamente os salários-base dos trabalhadores da Função Pública, mantendo a medida tomada pelos sucessivos governos nos últimos 12 anos (salvo os 0,3% de correcção salarial em 2020), período em que o índice de preços no consumidor (IPC) aumentou 11,7%;

– Congela as pensões de aposentação superiores a 659€ (e as inferiores a esse valor terão um aumento mensal de 10€ a partir de Agosto, sendo a antecipação desse aumento ao mês de Janeiro uma das “moedas de troca” para os grupos parlamentares do PCP e do PEV viabilizarem a Proposta de OE na votação geral global prevista para 26 de Novembro);

– Sobe o conjunto dos impostos em 2839 milhões € (um aumento de 6,9%), sabendo-se que os indirectos representam 56,6% das receitas totais de impostos e não têm em conta o rendimento dos contribuintes (pesando mais sobre a massa da população do que sobre a minoria com mais meios financeiros, ao contrário do que se passa com os impostos directos).

Em relação aos Serviços públicos (funções sociais do Estado) e aos seus trabalhadores, Eugénio Rosa traça o quadro seguinte: “Em 2019, o aumento dos pagamentos de despesas com pessoal (nos Serviços públicos) foi de 4,7%; em 2020, em plena pandemia, a subida diminuiu para 3,7%; e, em 2021, com ameaça de uma nova onda muito maior da pandemia, que poderá causar a ruptura dos Serviços públicos, nomeadamente de Saúde e Educação, o aumento, relativamente a 2020, é apenas de 1,9%, muito inferior ao previsto com a «aquisição de serviços a privados» (+3,4%) e com a despesa total das Administrações Públicas (+3,9%).”

Nos casos da Educação e da Saúde:

Reduz a despesa com o Ensino não superior e a Administração Escolar. Segundo Eugénio Rosa, a Proposta “prevê até uma diminuição das despesas com pessoal no Ensino Básico, Secundário e Administração Escolar de -0,1%, pois passarão, entre 2020 e 2021, de 5141 M€ para 5.137,7 M€ (Quadro 4.10, pág. 88 do Relatório do Orçamento do Estado para 2021)”;

Não reforça as transferências do OE para o SNS. Segundo Eugénio Rosa, “em 2020, a despesa do SNS financiada com receitas de impostos atingirá 10.311,2 M€ e, em 2021, será de 10.315,2 M€ (pág. 262 do Relatório OE-2021), ou seja, apenas mais 4 milhões €. É este o grande reforço do SNS tão «badalado» pelo actual Governo.”

Em relação ao conjunto da economia avizinha-se que o investimento público será insuficiente para reanimar a economia e criar emprego, pois o montante previsto é pouco superior ao consumo de capital fixo.

De facto, segundo Eugénio Rosa, “nos últimos anos o investimento realizado pelas Administrações Públicas (Central, Local e Regional) tem sido sempre inferior ao Consumo de Capital Fixo Público, ou seja, aquilo que se degrada ou destrói pelo uso e pela obsolescência. Daí a razão da degradação em que se encontram muitos equipamentos e serviços públicos (escolas, hospitais, transportes, etc.).

Em 2020, segundo dados da Conta das Administrações Públicas (contabilidade nacional) estima-se que o investimento público será inferior ao consumo de capital fixo publico em 507 milhões €, ou seja, insuficiente para compensar o que «desapareceu». Em 2021, se o investimento público previsto no Orçamento do Estado for efetivamente todo realizado (e na maioria dos anos isso nunca aconteceu devido a atrasos e cativações), mesmo assim o saldo positivo será apenas de 628 milhões €, um valor insuficiente para reanimar a economia e criar emprego.”

O que se pode pressupor sobre a discussão na especialidade da Proposta de OE?

É esta a estrutura geral, bem como as grandes linhas de força, da Proposta de OE do Estado para 2021, que foi aprovada na generalidade com o voto favorável apenas do grupo parlamentar do PS e viabilizado graças à abstenção do PCP, Verdes, PAN e das deputadas não-inscritas Cristina Rodrigues (ex-PAN) e Joacine Katar-Moreira (ex-Livre).

O que podemos esperar agora da discussão na especialidade e da votação final global?

Como tem acontecido habitualmente, vai ser usada largamente a arte da “engenharia financeira”, além da chantagem política que já foi empregue na votação na generalidade, para fazer com que esta Proposta de OE seja viabilizada “custe o que custar”, respeitando os “compromissos do Estado” com o capital financeiro e as suas instituições… sobre os quais o povo português nunca foi consultado!

Já referimos a questão do “aumento” das pensões de aposentação mais baixas, mas irá certamente haver também “uns grãos de milho” para contemplar “os animais” do PAN, bem como umas “dádivas ecológicas” para contentar este partido (e também o PEV)… caso os seus votos se tornem necessários para a viabilização final da Proposta.

Espanha: Pandemia e Orçamento

As mobilizações massivas e persistentes do pessoal da Saúde, sujeito a condições de trabalho desumanas, contrastam fortemente com as questiúnculas político-judiciais de governos e instituições. De facto, como temos vindo a salientar neste jornal, e voltamos a fazê-lo neste número, após mais de oito meses de pandemia não foram tomadas – nem por parte do Ministério, nem pelas comunidades autónomas – medidas sanitárias sérias para reforçar qualitativamente os meios para salvaguardar a população. Alguns governantes até se atreveram a caracterizar a situação dizendo que “não há falta de meios, mas sim de organização”. O que leva muita gente a perguntar: então para que servem aqueles que governam?

Vivemos num país onde um jornalista como F. Ónega, afim do Regime, não hesita em escrever, a 10 de Outubro, em La Vanguardia que “há dias em que temos a impressão que aqueles que governam este país são os juízes”. De facto, os tempos da “justiça” herdada do Franquismo não têm nada a ver com as necessidades da população, nem, é claro, com o respeito pelas liberdades e os direitos. Não se pode esquecer que, para além das pessoas que estão na prisão por motivos políticos, há mais de 2.400 cidadãos catalães arguidos, já para não mencionar a “Lei-mordaça” (1) ou o Artigo 315.3 do Código Penal (2).

O mesmo Tribunal de Justiça de Madrid que avalizou o confinamento dos bairros e das localidades das classes trabalhadoras diz, agora, que confinar outros (isto é, os seus próprios) viola direitos fundamentais. Deixam ir embora o ex-Rei ladrão e libertam o ex-ministro Rato (3), mas organizam as expulsões e a perseguição contra aqueles que ocupam casas ou contra os “rappers” que se atrevem a criticar o Sistema.

Nesta situação caótica em que as populações – e, em particular, o povo da cidade de Madrid – estão sujeitas a ordens e contra-ordens arbitrárias e sem qualquer garantia de eficácia, o governo de Sanchéz tirou da manga esta semana o anúncio do século.

Endividar-se em dezenas de milhares de milhões, para quê?

De facto, Sanchéz e Montero (o ministro das Finanças) estão a preparar um Orçamento para 2021 que excede o limite máximo de despesas (tecto aleatório ditado pelo capital financeiro) em quase 200 mil milhões de euros. O que não podia ser feito para manter os serviços de Saúde, aumentar as pensões, e proporcionar cuidados aos idosos e dependentes, pode ser feito agora.

Sejamos claros, o facto de que o Governo está a propor quebrar a disciplina do défice e da dívida que até agora tem sido imposta pela União Europeia, não estaria obviamente aberto a críticas. Agora, Bruxelas garante-lhe que pode furar essa disciplina, mas a questão é para quê e para quem vai reverter este maná de milhões.

A euforia das grandes multinacionais como a Amazon e a Iberdrola, ou outras, não nos deixa enganar. Mesmo sem especificar os números, o Governo diz que 70% desse valor irá ser destinado à transição energética (isto é, canalizado para as multinacionais da electricidade, do gás e da energia – que conseguem que neste país se pague a electricidade mais cara da Europa – e aos especuladores que se lançam agora para o negócio da energia “limpa”) e para a digitalização (ou seja, o teletrabalho que permitirá aos bancos despedir mais umas dezenas de milhares de trabalhadores), para reduzir as administrações públicas em detrimento da população forçada a ficar em longas filas de espera devido à falta de pessoal… Ou seja, a “investimentos” para destruir, enquanto continuam os encerramentos de empresas, como é o caso da Alcoa, da Navantia ou da Nissan – o coração industrial do país.

Dinheiro para especulação e para as grandes empresas que terá de ser pago no Plano de ajustamento já anunciado para 2022.

E, aparentemente, já ninguém fala de um Orçamento de urgência para a Saúde ou para o pretenso “tele-estudo” no Ensino superior (com o qual se abre caminho para o desmantelamento da Universidade pública).

Mais uma vez, a questão é quem manda e para quem se governa

O papel dos juízes e da sua justiça franquista é essencial. Os juízes agem, não nos esqueçamos, “em nome do Rei”, cúpula do aparelho de Estado, e o governo de Sanchéz e todos os seus ministros juraram “lealdade” ao Rei. Decidiram defender o Rei perante o povo catalão e o Exército perante todo o país. O desfile da Legião – da qual a ministra da Defesa afirmou que “representa o melhor da história de Espanha” –, no passado dia 12 de Outubro, é uma expressão acabada da submissão do Governo aos poderes de facto.

Que ninguém se deixe enganar: trata-se de um Orçamento a favor das multinacionais, e do respeito e defesa da Monarquia. E o aparelho de Estado, o Rei, os juízes e o Exército determinam quem governa e para quem se governa.

Para responder às reivindicações justas do pessoal da Saúde (mais meios, melhores condições de trabalho, salários justos), às dos reformados, ou às dos trabalhadores da indústria (em particular, aos trabalhadores da Alcoa que exigem a sua nacionalização, essencial para manter a última fábrica produtora de alumínio no país), tal como para responder às reivindicações dos desempregados que querem um emprego e aos quais se responde com um subsídio – além disso, administrado de forma mesquinha, como é o caso do Rendimento Mínimo – é imperativo responder à questão-chave: para quem se governa?

E se, como está a tornar-se cada vez mais claro, a Monarquia é o principal obstáculo, a tarefa dos militantes de vanguarda é agrupar forças para ajudar os trabalhadores a conseguir as suas justas reivindicações e abrir caminho à República. Este é o objectivo do Encontro Estatal de 7 de Novembro, organizado pelo Comité para a Aliança dos Trabalhadores e dos Povos.

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(1) Esta Ley Orgánica de Protección de la Seguridad Ciudadana – que é conhecida como “lei Mordaça” – é drasticamente limitadora da liberdade de expressão.

(2) Este artigo permite a prisão de sindicalistas que participem em piquetes de greve.

(3) Rodrigo Rato foi director do FMI, vice-presidente do Governo em Espanha, e ministro das Finanças e da Economia.

Editorial do periódico Información Obrera – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – Suplemento especial nº 19, de 15 de Outubro de 2020.