Rússia: Vírus e eleições

A “Rússia milenar”, como Putin lhe chama, está rodeada de inimigos. Pela enésima vez. E cada vez mais. Hoje, está ameaçada… no contexto das vacinações e das eleições legislativas!

Mas o inimigo não levará a melhor! A vacinação obrigatória foi decretada em dez grandes regiões do país; nas outras regiões, está a ser tornada “voluntariamente” obrigatória.

Dezenas de milhares de pessoas não vacinadas são oficialmente contactadas, todos os dias. Foi posto em prática um sistema de certificados de vacinação, que dá direito a continuar a trabalhar, a viajar para o estrangeiro ou, simplesmente, a ir ao restaurante.

Mas, por alguma razão, alguns cidadãos não querem ser vacinados com a vacina “Putin” e preferem comprar um certificado, cujo preço subiu de 3.000 para 7.000 rublos (de 35 para 81 euros) em Moscovo, numa semana.

Ao longo de mais de um ano, as medidas de Putin não têm tido qualquer relação com a propagação ou o declínio da epidemia. Na terceira vaga, foram montadas zonas de fãs para jogos de futebol, festas,…

MILITANTES PRESOS E SEVERAMENTE CONDENADOS

Ninguém nega que o Estado russo reprime severamente a ausência de máscaras e de qualquer reunião com muita gente. No entanto, isto aplica-se quando se trata de política. Um único piquete de Igor Glanov em Novokuznetsk, de Victoria Abramova em São Petersburgo, ou de Marina Shiryaeva e Yevgenia Smetankina, no mesmo local, foi severamente reprimido, com detenções e buscas judiciais: todos eles foram acusados de violação do Código Administrativo, por terem infringido as normas sanitárias durante a sua detenção. Por este motivo, muitos militantes foram presos e acusados de crime.

Falta cerca de um mês para as eleições legislativas na Rússia. O partido Rússia Unida, de Putin, caiu muito nas sondagens; por isso, é importante para as autoridades silenciarem e liquidarem aqueles que se opõem ao partido. As listas por ele apresentadas incluem militantes de vários partidos, contra os quais foram iniciados processos criminais em várias ocasiões.

Outras pessoas foram impedidas de concorrer, por causa das novas leis que proíbem a eleição de cidadãos que tenham pertencido a organizações “indesejáveis” e “extremistas”. A lista de tais organizações inclui não só organizações russas (as quais, contudo, não têm objectivos revolucionários), mas também organizações internacionais. De acordo com as estimativas da organização pública Golos, nove milhões de pessoas foram assim privadas do direito a candidatar-se às eleições na Rússia. É quase um eleitor em cada dez.

PUTIN APERTA AINDA MAIS O CERCO

O antigo Parlamento, 87% do qual era constituído por dirigentes da Rússia Unida, estava bem preparado para que as novas eleições o tornem tão reaccionário quanto possível. Putin pediu ao Rússia Unida para obter mais de 40% da votação. As eleições, agendadas para 19 de Setembro, serão novamente distribuídas por três dias (tal como aconteceu com a votação sobre o referendo para alterar a Constituição).

Houve um projecto de lei, apresentado pelo Partido Comunista da Federação Russa, para tornar a vigilância vídeo obrigatória durante as eleições, a fim de prevenir a fraude. Mas este projecto foi rejeitado.

Os próprios observadores públicos não estão em medida de poder controlar a legalidade das eleições, durante três dias, especialmente porque os boletins de voto permanecem nas assembleias de voto durante a noite (geralmente realizadas em edifícios escolares) e sem qualquer segurança. Portanto, é previsível que o resultado não provoque uma mudança da situação actual. E Putin está a apertar o cerco repressivo e liberticida contra o seu próprio povo, num contexto onde é possível, através dos conflitos militares, atiçar os sentimentos chauvinistas.

Crónica do correspondente russo Anton Poustovoy, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières”Informações operárias – nº 667, de 11 de Agosto de 2021, do Partido Operário Independente de França.

O Covid e o “Job Reset” (reorganização do emprego)

Quando a epidemia de Covid começou a interromper as cadeias de abastecimento mundiais, os líderes das multinacionais não entraram em pânico. Os grandes patrões pensam com frieza.

Eles governam o mundo, mas da retaguarda. Como de costume, eles têm sido apoiados pelas suas empresas de consultoria para determinar a melhor estratégia. A crise é inevitável. O que deve ser feito para ganhar com ela?

Assim que o Covid apareceu, as consultoras Boston Consulting Group, KPMG, Pricewaterhouse Coopers, Bain ou McKinsey – que aconselham os líderes das multinacionais e orientam as suas decisões estratégicas (1) – apressaram-se a prescrever, mais ou menos, a mesma receita: reduzir custos; rever, nos mínimos detalhes, as cadeias de produção e a sua implantação mundial; redireccionar os investimentos para o digital; convencer os assalariados sobre as histórias fabricadas (“storytelling”) por comunicadores de serviços de recursos humanos.

A crise de Covid é vista como uma bênção por muitos “líderes” mundiais. Transferindo a responsabilidade das perturbações económicas para os próprios povos – acusados de serem os vectores do risco de infecção – a Covid tem, para alguns, virtudes milagrosas.

Aquando da publicação dos resultados financeiros de uma multinacional, os gestores explicaram-se, como de costume, perante uma plateia de analistas da Goldman Sachs, do Bank of America, da Merrill Lynch, e do Morgan Stanley… Os eminentes representantes do capital financeiro entraram em pânico quando a Administração dessa multinacional anunciou – devido ao colapso dos rendimentos ligado à crise sanitária – o cancelamento de dividendos? De modo algum. A vida real às vezes perturba certos padrões ou certas crenças. A questão dos banqueiros e analistas financeiros era: como sair mais forte da crise?

É claro que alguns grupos económicos têm enriquecido, como é o caso da Amazon, cujo rendimento líquido aumentou 84% em 2020. A empresa de consultoria Bain & Company congratulou-se, sem revelar o nome do seu cliente: “Depois de ter desenvolvido uma nova solução significativamente mais eficiente do que o melhor produto disponível, uma empresa de serviços farmacêuticos estava prestes a fazer o que as empresas fazem muito frequentemente: aplicar uma abordagem de preços convencional a um novo produto, perdendo assim uma oportunidade de ouro para obter mais lucro. Nós trabalhámos com a empresa para corrigir a situação (…). Como resultado, (ela) foi capaz de identificar oportunidades para aumentar, em 50%, a receita do lançamento da inovação, em três anos.”

Uma vez as medidas sanitárias terem sido adoptadas nas empresas, o assunto passou rapidamente para segundo plano. Em contrapartida, a propaganda continuou a ser desenvolvida até à overdose, com base principalmente na saturação (organizada) dos sistemas hospitalares e no enorme impacto económico da crise sanitária. Com que propósito? Para entender isto, temos que voltar ao essencial.

No início de Junho de 2021, terá lugar a “Cimeira Job Reset” do Fórum Económico Mundial de Davos. “Job Reset” (Reorganização do emprego): esta fórmula expressa a extensão da mudança desejada e organizada, pelas cúpulas do capital financeiro, para acelerar a “uberização” de toda a sociedade.

Os organizadores da Cimeira não escondem as suas intenções: “Do lado positivo, a pandemia tem acelerado tendências que se faziam esperar há muito tempo: a digitalização dos postos de trabalho e a economia das plataformas, a expansão do teletrabalho e o ensino virtual. Contudo, pela primeira vez nestes últimos anos, a criação de empregos começa a ficar para trás em comparação com a destruição de empregos – e este factor está prestes a afectar trabalhadores desfavorecidos com ferocidade particular.” Muito preocupados, desde o início da pandemia, “com o aumento do desemprego e da insegurança alimentar (o que) pode rapidamente transformar-se em agitação política, violência e conflitos”, eles apelam já ao reforço dos sistemas de repressão das populações.

“A FRANÇA ESTÁ SOBRE UM VULCÃO”. ELA NÃO É A ÚNICA

Para a empresa de consultoria Pricewaterhouse Coopers: “Os CEOs (Directores executivos) já estavam a fazer malabarismos face aos problemas de custos antes da epidemia de Covid-19.” Aliás, o meu patrão – dirigente de uma multinacional mundial – não mencionou o colapso da receita para justificar os milhares de cortes de empregos que veio anunciar. Ele até disse: “O plano de redução de custos não está relacionado com dificuldades económicas.” Surpreendente, não é? Tratava-se de um problema mais profundo: era necessário rever completamente a cadeia de valor e os métodos de trabalho, reorganizar as empresas subsidiárias e deslocalizar para países onde os salários são mais baratos.

Mas antes do Covid, as condições não estavam totalmente reunidas para fazê-lo. Pelo menos, à escala desejada. E por um bom motivo. Apesar das reformas realizadas nas últimas décadas, por todo o mundo, para enfraquecer os direitos sociais e sindicais, o equilíbrio de poder entre as classes não mudou substancialmente. Enquanto Elon Musk e Jeff Bezos, não sabendo mais o que fazer com a sua imensa fortuna, divertiam a galeria com projectos de viagens a Marte ou de uma colónia no espaço, ao mesmo tempo que milhões de seres humanos morrem de fome na Terra, a economia está-se a afundar na crise. Regimes políticos eram abalados por “degagismo” (rejeição dos regimes pelos povos dos respectivos países). Na Argélia, no Líbano, no Chile, em Hong-Kong,…, os povos levantaram-se, uns após outros, como que ligados por uma corrente comum, a qual não desapareceu. A classe operária e a juventude não foram esmagadas. “A França está sobre um vulcão”, e ela é não é a única.

A UTILIZAÇÃO DO COVID

O capital não inventou o Covid. Ele usou os impactos enormes do Covid na economia e nas empresas para tentar assegurar a modificação da relação de forças de que precisa desesperadamente para sobreviver e abrir novas perspectivas. Como escreve o jornal Atlantic Council, com sede em Washington: “Desde o início, a pandemia abriu caminho para o controlo do Hirak (2) pelo Regime argelino.” Até o jornal conservador alemão Die Welt não pode esconder os factos: “Durante a primeira vaga da pandemia de Coronavírus, em Março de 2020, o ministro do Interior fez um apelo – para fins políticos – a cientistas de várias instituições de investigação e universidades. Ele pediu aos investigadores do Instituto Robert-Koch e de outras instituições que estabelecessem um modelo matemático, com base no qual a administração do Ministério do Interior (…) queria justificar medidas duras contra o Covid.” O Poder amplificou ao máximo os efeitos da epidemia, com muitas campanhas na Comunicação social de uma amplitude jamais vista, para fortalecer a sua política de opressão, a começar pela restrição das liberdades e dos direitos. Surpreendentemente, militantes sinceros foram levados a acreditar que era para o seu próprio bem. Contudo, o capital e os seus representantes – a começar por Macron – não dão a mínima importância à saúde deles. Quando o meu CEO anunciou os milhares de cortes de empregos, ele concluiu o seu e-mail com estas palavras, que se tornaram famosas: “Cuidem-se!”.

FECHAR AS ESCOLAS PARA SE PROTEGER DO VÍRUS?

O Covid teve efeitos poderosos, quase transcendentais, em certas mentes que se puseram a aceitar o inaceitável. Até exigir o fecho de escolas para se proteger do risco de infecção, sem entender que o mundo de antes não existe mais e que o confinamento “sanitário” seria utilizado para acelerar o fecho permanente, parcial ou total, de sectores inteiros de escolas e universidades, bem como de empresas (3). A realidade é que a “uberização” da sociedade implica uma polarização extrema dos empregos (4), nomeadamente em relação aos baixos salários, e uma desqualificação em massa da população.

Um estudo do Cepremap (Centro para as Investigações Económicas e as suas Aplicações) recorda que: “Desde meados da década de 1990, o mercado de trabalho do sector privado francês sofreu uma forte polarização do emprego. (…) O ritmo da polarização dos empregos em França foi particularmente rápido (…) durante os anos que se seguiram à crise (de 2008), nos quais o número de empregos qualificados diminuiu consideravelmente. Não só a queda foi muito mais importante do que antes, mas aconteceu ainda mais rapidamente e num período mais curto.” E isso não teria impacto na Escola, sobre a qual os governos, desde há décadas, continuam a dizer-nos que ela se deve adaptar às necessidades das empresas?

O mundo mudou e é importante compreender isso. O capital só se protegerá a si próprio. Enquanto ele estiver no Poder, isso destruirá continuamente a Natureza. Os hospitais ficarão cada vez mais sem sangue e a Escola será reservada a uma elite. A miséria e as doenças vão atacar mais a população. São muito astutos aqueles que proclamam: “Primeiro, protegemo-nos! Confinamos e fechamos!” E se a epidemia ou epidemias estiverem apenas a começar? Ficaremos confinados para sempre?

Somente a luta de classes reduzirá o medo. Ela lançará as bases para a reconquista e a protecção das populações, a defesa de Escola e da Medicina, e de uma abordagem rigorosamente científica e fundamentada das infecções. Os mortos não são problema para o capital. Eles até se podem tornar numa vantagem e numa dádiva de Deus… se os dólares estiverem no fundo do caixão.

Como afirma a agência financeira Bloomberg: o Covid “atinge os pobres com muito mais força do que os ricos. Uma das consequências será a agitação social permanente, e até revoluções.” É aqui que começa a real preocupação do grande Patronato. E isto numa situação em que esta vontade manifesta de recusa Sistema por parte da classe operária e dos jovens não encontra, nas cúpulas dos sindicatos ou na maioria dos partidos políticos, o apoio que eles deveriam dar-lhes. E isso é o mínimo que podemos dizer.

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(1) Não apenas as multinacionais recorrem a essas consultoras, mas também as Administrações dos Estados para a gestão dos assuntos públicos.

(2) O “Hirak” é um profundo movimento nacional de rejeição do Regime militar em vigor na Argélia.

(3) A “surpresa divina” do Covid provavelmente está a chegar, para os patrões, com o teletrabalho. As economias gigantescas feitas na ocupação de escritórios continuam a surpreender e entusiasmar os CEOs.

(4) A polarização dos postos de trabalho refere-se à queda de postos de trabalho de qualificação intermédia e à sua concentração em dois extremos: num pólo, empregos pouco ou nada qualificados (com salários muito baixos); e, no outro pólo, empregos altamente qualificados e bem pagos.

Crónica de Alex Duboi publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 653, de 6 de Maio de 2021, do Partido Operário Independente de França.

Movimento para a sindicalização nos EUA

Na semana passada concluiu-se a votação dos 5.800 empregados do armazém da Amazon em Bessemer, Alabama, sobre a proposta de constituir, ou não, o primeiro sindicato da história da Amazon nos EUA, uma campanha empreendida pelo sindicato RWDSU, que faz parte da confederação AFL-CIO. Um combate que tem importância e repercussão em todo o território dos EUA, e também para além das suas fronteiras.

Nos EUA, um sindicato só pode representar os assalariados de uma empresa ou estabelecimento se a sua maioria votar a favor de ser representada por ele. (Revogar isto foi uma promessa não cumprida de Obama). Nesse caso, são obrigados a aderir ao sindicato, ou, pelo menos (sobretudo nos Estados que proibiram a sindicalização obrigatória), a descontar para o sindicato uma quantia fixa para pagar o “serviço” que o sindicato faz por eles, negociando em seu nome.

Este sistema explica a presença de sindicatos muito poderosos em certos sectores (nomeadamente, na indústria, em particular no sector automóvel, no ensino ou nos meios de comunicação social) e a ausência total de sindicatos noutros sectores mais recentes (a informática ou Amazon, por exemplo). Em 1983, 20,1% dos trabalhadores dos EUA estavam sindicalizados; estes números tinham caído para 10,3% em 2019 (segundo os números do Instituto de Estatística do Trabalho do governo dos EUA).

Ainda não se conhecem os resultados finais desta votação, que foi uma das mais concorridas da história sindical dos EUA.

Os trabalhadores da fábrica da Bessemer, 85% dos quais são de raça negra, constituem menos de 0,5% dos trabalhadores da empresa de Jeff Bezos (o dono da Amazon), mas esta abordou o desafio sabendo que eles tinham nas suas mãos uma decisão-chave para o futuro da empresa. Até agora a Amazon – ainda que em alguns países europeus, como a Espanha ou a Alemanha, não tenha tido outro remédio senão aceitar a presença de sindicatos – tinha conseguido evitar que os seus empregados norte-americanos de fazerem o mesmo.

A campanha foi extremamente dura. A Amazon forrou inclusivamente as paredes das casas de banho com slogans como “os sindicatos não podem, nós podemos” e enviou até cinco mensagens por dia para os telefones dos seus trabalhadores, pedindo-lhes para “não abandonarem a equipa vencedora”.

Organizou também palestras, de presença obrigatória, para desacreditar os sindicatos, enquanto estes tinham que fazer campanha nos parques de estacionamento da empresa.

Ao mesmo tempo que se desenrolava esta campanha de sindicalização em Alabama, no passado 22 de Março os 40 mil trabalhadores da Amazon, em Itália, entraram em greve. Foi a primeira vez que todos os sectores da empresa pararam o trabalho e 75% dos trabalhadores de todas as categorias continuavam em greve (90% entre os motoristas-distribuidores). Entre centenas de mensagens de solidariedade, eles receberam um vídeo do Alabama, em que os trabalhadores de Bessemer, através da sindicalista Jennifer Bates, lhes fizeram chegar a sua solidariedade: “É uma luta internacional, uma luta pela justiça, estamos ao vosso lado”. Na Alemanha, os trabalhadores da Amazon há mais de 4 anos que fazem greves e mobilizações para exigir o respeito pelo contrato de trabalho do comércio a retalho. Trata-se de greves parciais, mas continuadas. Nesta mesma semana, há vários centros de distribuição que estão em greve.

Um movimento profundo

As mobilizações desencadeadas após a morte de George Floyd provocaram mudanças na situação dos EUA. Não se trata da repetição dos movimentos da década de 1960 do movimento pelos direitos civis, mas antes de manifestações que trouxeram à rua, unidos, Negros, jovens Brancos, Latinos e sindicalistas. Foram, sem dúvida, manifestações contra o racismo sistémico, mas também assumiram uma dimensão económica e social.

Utilizando a pandemia, o patronato norte-americano procedeu a uma onda de despedimentos e de reestruturações muito importante. Os Negros, os jovens Brancos e os Latinos têm, muito frequentemente, pequenos biscates ou são precários, sem direitos. Uma situação que explica a pujança dessas manifestações.

O facto de que numerosos sindicalistas e sindicatos de base tenham participado nelas foi uma indicação de que se trata de um primeiro elo de unidade entre os Negros, os Latinos, os jovens Brancos e uma parte do movimento operário organizado. Uma segunda fase deste movimento está a desenvolver-se através de uma onda de importante sindicalização, sobretudo por parte dos Negros.

Um impulso para a sindicalização

Após décadas de constante declínio da sindicalização, é espantoso ver como hoje se desenvolvem várias tentativas de constituir sindicatos em grandes empresas onde eles não existiam: a Amazon, a Google e também fábricas de automóveis no sul dos EUA.

O caso da Amazon é particularmente marcante: nunca houve nenhum sindicato em qualquer dos estabelecimentos norte-americanos desta empresa, onde as condições de trabalho são muito difíceis.

Mas seria um erro limitar este o assunto à Bessemer ou mesmo à Amazon.

Em Janeiro, 230 assalariados da Google, da sua empresa-mãe (Alfhabet) e de subempreiteiros, decidiram constituir um sindicato minoritário (que, portanto, não tem negociação directa com os seus empregadores). Segundo o jornal Washington Post, de 7 de Janeiro, este sindicato conta já com mais de 700 aderentes. Ainda que seja uma parte mínima dos assalariados da Google, é um dado significativo sobre a vontade de se voltarem para os sindicatos para se defenderem colectivamente.

A página web deste sindicato refere-se, com relevância, à campanha levada a cabo pelos professores de Chicago no ano passado para conseguirem uma melhoria do seu Acordo colectivo de trabalho.

Explica também como contactaram com o Sindicato das Telecomunicações (CWA) para pôr em marcha, conjuntamente, uma campanha para construir sindicatos no sector da Informática (digital).

Numa fábrica da Nissan, no Tennessee, foram 87 técnicos da manutenção – de entre os milhares de assalariados da fábrica – que deram o primeiro passo para construir um sindicato, enquanto esse processo foi rejeitado, por poucos votos, nas empresas da indústria automóvel deste Estado.

Dos super-explorados trabalhadores e precários dos armazéns da Amazon aos engenheiros altamente remunerados da Google, passando pelos operários especializados do sector automóvel, este impulso para a formação de sindicatos é sintomático de uma vontade da classe operária de defender a sua própria existência.

De facto, embora o número de sindicatos tenha diminuído em 2020, a sua proporção aumentou: na vaga de despedimentos que o imperialismo desencadeou, com a desculpa do Covid, os trabalhadores sindicalizados têm sido muito menos afectados do que os outros. É este impulso para a sindicalização que está em jogo, numa altura em que as grandes empresas norte-americanas se servem da pandemia para se reestruturarem de forma massiva.

Os Democratas, a começar por Biden, tentam canalizar este movimento para o quadro estabelecido das boas relações entre a confederação AFL-CIO e o Partido Democrata. É assim que Biden expressou o seu apoio ao direito dos assalariados da Amazon a se sindicalizarem, tal como o fez Bernie Sanders.

Biden anunciou medidas favoráveis aos sindicatos, contra as chamadas leis de “direito ao trabalho” (leis que, em certos Estados americanos, proíbem a sindicalização obrigatória sem autorizarem os sindicatos minoritários) e pelo respeito do direito à negociação.

Mas, embora estas medidas sejam importantes, estão longe de satisfazer as necessidades dos trabalhadores norte-americanos, sobretudo no que diz respeito ao direito ao subsídio de desemprego, aos cuidados de saúde e ao próprio salário mínimo.

A actual epidemia e a reestruturação massiva que a utiliza como pretexto colocam estas questões de forma mais aguda sobretudo entre as camadas mais exploradas. É importante constatar que este movimento está particularmente enraizado no Sul dos EUA, em locais como o armazém da Amazon em Bessemer, onde a maioria dos empregados são Negros. Junta-se assim às poderosas manifestações deste Verão que se seguiram à morte de George Floyd, no momento em que se abre o julgamento do seu assassino.

Uma vitória em Bessemer seria um ponto de apoio não só para este movimento de sindicalização, mas também para todo o movimento de resistência da classe operária contra a reestruturação em curso de todo o imperialismo norte-americano. Os sindicatos acreditam que, mesmo que percam a votação, haverá um antes e um depois de Alabama, tanto para a Amazon como para o país.

O exemplo do Google mostra que este movimento, ao mesmo tempo que procura inscrever-se no conjunto do movimento sindical, não espera o aval de ninguém para se constituir e se reforçar.

Em Espanha, são contínuos os problemas com a Amazon que, ao instalar-se aqui, quer acabar com a negociação colectiva, através da super-exploração, concedendo trabalho a falsos independentes ou mesmo entrando em confronto com milhares de pequenas empresas, às quais impõe condições leoninas para a instalação nelas de pontos de venda dos seus produtos.

Do Alabama ao Estado espanhol

No nosso país, os ataques aos direitos sindicais também têm estado muito presentes. A mobilização dos trabalhadores conseguiu que fosse a revogado o infame artigo 315.3 do Código Penal (cuja aplicação pelos tribunais impunha para a proibição dos piquetes de greve). Mas continuam de pé as reformas laborais que – através da caducidade dos contratos colectivos, da prevalência dos Acordos de empresa, da possibilidade dos empresários modificarem o que foi pactuado no Contrato e da criação de comissões de negociação sem intervenção sindical – procuram enfraquecer a capacidade de acção colectiva das classes trabalhadoras através dos seus sindicatos.

A resistência de milhares de quadros sindicais, e de muitos sectores da classe operária, travou esta ofensiva dos governos (central e das regiões) contra a organização da classe, e também obrigou os dirigentes, em muitos casos, a agir.

Os nossos sindicatos são, sem dúvida, claramente melhoráveis, os seus dirigentes são, em muitos casos, um obstáculo à acção; mas as classes trabalhadoras sabem, em Espanha e no Alabama, que precisam de ter organizações para poderem defender os seus direitos, as suas conquistas e as suas reivindicações.

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Publicado na Carta semanal nº 829 (de 5 de Abril de 2021) do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI), Secção da 4ª Internacional no Estado espanhol, com o título “O significado da luta dos trabalhadores da Amazon no Alabama para fundar o seu sindicato”.