
Os líderes do mundo inteiro na COP27 (1) discursam fazendo vista grossa sobre os crimes de Sissi e olham para outro lado
A detenção, a menos de uma semana do início da Conferência, pelas Forças de segurança egípcias de um arquitecto e activista ambiental indiano de renome, Ajit Rajagopal – que se estava a preparar para fazer uma marcha pacífica, de oito dias, do Cairo até Sharm el-Sheikh, para sensibilizar a população local para as questões das alterações climáticas – ilustra o processo repressivo em curso, no Egipto, desde o golpe de Estado que levou o marechal Sissi ao poder, há nove anos.
As interpelações ilegais são moeda comum. Sessenta mil prisioneiros políticos, incluindo activistas dos direitos humanos e do ambiente, têm vindo a apodrecer nas prisões egípcias durante a última década, sob falsas acusações, e a tortura é o seu destino. Quando um detido é libertado, outros dez ocupam o seu lugar.
É neste contexto que os líderes do mundo inteiro discursam fazendo vista grossa sobre os crimes do Regime militar egípcio e olham para outro lado.
MILHARES DE MILHÕES DE AJUDA DOS EUA E DO FMI PARA O REGIME MILITAR
O Regime recebe uma ajuda norte-americana de 1,3 mil milhões de dólares, todos os anos, desde que assinou os Acordos de paz com o Estado de Israel, em 1978. No Outono de 2021, o Departamento de Estado dos EUA “reteve” 130 milhões de dólares desta ajuda, afirmando que a questão dos prisioneiros políticos era a principal razão para esta decisão.
Em Janeiro de 2022, a Administração de Biden restaurou o pagamento, redireccionando os 130 milhões de dólares para outros programas. Durante a sua campanha eleitoral Biden disse: “Acabaram-se os cheques em branco para o ditador preferido de Trump”… Em meados de Outubro, Sissi mandou prender centenas de pessoas no Cairo, Alexandria, Matrouh, Gizé e Suez, em resposta a apelos nas redes sociais para a realização de manifestações populares na próxima sexta-feira, 11 de Novembro. Não contra decisões ambientais, mas directamente contra a inflação que está a “estrangular” milhões de Egípcios e contra a subida dos preços dos bens de primeira necessidade que os estão a lançar na miséria.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), que negoceia com o Governo egípcio desde Março de 2022, anunciou oficialmente, a 27 de Outubro, que iria fornecer 3 mil milhões de dólares de ajuda ao Egipto. A quarta ajuda em seis anos. Em troca, exigiu a desvalorização da libra egípcia em 15% e pediu que ela flutuasse de acordo com o mercado das divisas.
A MISÉRIA PROMETIDA A MILHÕES DE EGÍPCIOS
No mesmo dia desse anúncio, a libra depreciou quase 18%, o que agrava a inflação. O Regime egípcio tinha, inicialmente, pedido uma ajuda ao FMI no valor de 12 mil milhões de dólares. A modesta opção pelos 3 mil milhões de dólares, “que se assemelha mais a um penso rápido do que a uma jangada salva-vidas, para um país abalado pelas consequências da guerra na Ucrânia”, como refere o jornal New York Times de 28 de Outubro de 2022, está parcialmente relacionada com o facto do Regime egípcio não ter implementado, com a amplitude necessária, as reformas económicas e as privatizações, prometidas ao longo dos últimos seis anos, nomeadamente o fim das participações do Estado numa série de sectores económicos, incluindo os controlados pelos militares. Pelo contrário, o Regime tem dado cada vez mais projectos aos Serviços militares e aos Serviços de informação, que já controlam uma grande parte da economia egípcia.
Com a guerra na Ucrânia, quase 22 mil milhões de dólares fugiram do Egipto, levando a uma grande escassez de moeda estrangeira. Resultado: no início de Outubro, oitocentas mil toneladas de trigo, quase metade da quantidade que o Egipto importa todos os meses, foram bloqueados nos portos do país devido à falta de dólares para pagar aos fornecedores.
Como consequência, 80% dos moinhos produtores de farinha para o sector privado estão parados. Alguns estão a dispensar pessoal. O preço do trigo sobe em flecha no mercado local e, por ricochete, o do pão, das massas e das forragens para o gado. O mesmo é válido para muitos outros produtos que o Egipto importa, incluindo medicamentos e material médico.
A miséria é prometida a milhões de Egípcios, um terço dos quais já está a viver abaixo do limiar da pobreza.
PARA EVITAR UMA SUBLEVAÇÃO…
Preocupado em evitar uma sublevação e inquieto com os apelos nas redes sociais para a manifestação de 11 de Novembro, durante a COP27, o Governo aumentou o salário mínimo para 3 mil libras, ou seja, cerca de 130 euros (embora o próprio Sissi tenha admitido que o aumento deveria ser para 10 mil libras, cerca de 430 euros). Decidiu também manter o congelamento dos preços da electricidade até Junho de 2023, bem como o preço do pão subsidiado, do óleo e do arroz.
Alaa Abdel Fattah
Alaa Abdel Fattah é um militante egípcio que foi um dos mais activos no derrube do ditador Hosni Mubarak, em Janeiro de 2011. Depois de ter passado a maior parte dos últimos dez anos nas prisões do Regime militar, foi preso em 2019 e condenado, no final de 2021, a cinco anos de prisão por “difundir informações falsas” – de facto, por ter denunciado a morte de um preso devido às torturas que sofreu. Já em greve de fome, também deixou de beber água no primeiro dia da COP27. Eis a nota que, da prisão, ele escreveu à sua irmã: “Último copo de água. Decidi, neste momento oportuno, intensificar a luta pela minha liberdade e dos outros prisioneiros. Alaa Abdel Fattah, 31 de Outubro de 2022.”
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(1) A 27ª Conferência do clima da Organização das Nações Unidas, mais comumente referida como Conferência das Partes da UNFCCC, ou COP27, está a ocorrer – de 6 a 18 de Novembro de 2022 – em Sharm El Sheikh, no Egipto.
Crónica da autoria de Samir Hassan, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 731, de 9 de Novembro de 2022, do Partido Operário Independente de França.