Decrescimento ou ruptura?

De acordo com o jornal Capital, o montante do financiamento concedido às tropas dos países da União Europeia atingiu 314 mil milhões de euros em 2022. Imagem do exercício Orion 23, no porto de Frontignan (Hérault, França), a 26 de Fevereiro.

“O decrescimento tem vinte anos”, escreve Serge Latouche, o principal líder e figura pública do movimento que tomou forma em França em 2003, antes de se espalhar pela Europa e no resto do mundo. Num artigo recente publicado pelo Observatório do Pós-Crescimento e do Decrescimento (OPCD), no sítio Internet da Universidade de Clermont-Auvergne, ele declara: “Temos de reconhecer que, para além da agitação mediática, dos grupúsculos militantes e das redes de investigadores académicos, a emergência da grande narrativa de emancipação através da alternativa do decrescimento tem tido dificuldade em impor-se.”

Isto é o mínimo que se pode dizer…

O que é o decrescimento? O OPCD define-o da seguinte forma: “Por decrescimento, entendemos uma redução da produção e do consumo, democraticamente planeada, para recuperar uma pegada ecológica sustentável, para reduzir as desigualdades e para melhorar a qualidade de vida.”

Um objectivo que parece agora interessar a Comissão Europeia, uma vez que esta acaba de conceder, pela primeira vez, um orçamento de 10 milhões de euros à Universidade Autónoma de Barcelona e à Universidade de Lausanne para a realização de trabalhos de investigação sobre o assunto.

UMA CONFERÊNCIA NO PARLAMENTO EUROPEU

Um tema que foi também objecto de uma Conferência no Parlamento Europeu, sem precedentes pelo seu âmbito – a 15, 16 e 17 de Maio – intitulada: “Para além do crescimento, vias para uma economia sustentável na UE”. Organizada conjuntamente por eurodeputados do grupo dos Verdes e do grupo da Esquerda Europeia, o evento reuniu 2.000 participantes e oradores de alto nível, incluindo a Presidente da Comissão Europeia, a Presidente do Parlamento Europeu, o Secretário-Geral Adjunto da Conferência das Nações Unidas (ONU) para o Comércio e o Desenvolvimento, um representante do Banco Mundial, bem como da OCDE e do Fórum Económico Mundial (de Davos), o Director-Geral Adjunto da Organização Mundial do Comércio, o ministro do Trabalho de Espanha e vários Comissários europeus. Sem dúvida, todos especialistas em decrescimento, desigualdades e ecologia. Como o próprio Serge Latouche nos recorda: “Em França, apesar de um programa de 800 milhões para reduzir a utilização de pesticidas em 50%, entre 2009 e 2021, esta utilização aumentou 15%!”.

DECRESCIMENTO DO CONSUMO E CRISE ALIMENTAR

De acordo com um estudo publicado no início de Abril, 80% dos Franceses reduziram o seu consumo alimentar (devido à inflação dos preços) e 42% dos assalariados declaram saltar uma refeição por dia. Enquanto os bancos alimentares serviram 820.000 pessoas em 2011, este número aumentou para 2,4 milhões em 2022. Um problema mundial a que a União Europeia, a OMC e o Banco Mundial não são certamente alheios.

De acordo com o Programa Alimentar Mundial da ONU, o mundo está a enfrentar uma crise de fome global a uma escala sem precedentes. Em apenas dois anos, o número de pessoas que já enfrentam ou estão em risco de enfrentar uma insegurança alimentar aguda passou de 135 milhões em 53 países – antes da pandemia – para 345 milhões em 82 países, actualmente.

Um relatório da Agência Fitch Solutions prevê mesmo que a produção mundial de arroz, em 2023, terá o maior declínio em duas décadas, levando a preços mais elevados para 3,5 mil milhões de pessoas, particularmente na região Ásia-Pacífico que representa 90% do consumo mundial de arroz.

De acordo com o Banco Central Europeu, até 2022 os lucros das empresas contribuíram para cerca de 70% do aumento dos preços. Os lucros estão a aumentar e o decrescimento não é para todos.

Segundo Serge Latouche, “em 2010, 368 pessoas tinham um património equivalente ao rendimento de metade da humanidade. Eles reduziram-se apenas a 5, em 2018.” Faz sentido realizar uma Conferência sobre a prosperidade na Europa com aqueles que mergulham o seu povo na miséria e procuram subordinar qualquer actividade económica às exigências da economia de guerra?

“REINDUSTRIALIZAÇÃO” OU RELANÇAMENTO DA ECONOMIA DE ARMAMENTO?

Sob o patrocínio da União Europeia, Macron lançou a sua operação de “reindustrialização”. Assim, a empresa Forges de Tarbes, nos Altos Pirinéus, viu a sua actividade ser relançada com a guerra na Ucrânia. Recrutou serralheiros para produzir, em massa, grandes peças ocas para colocação de obuses de 155 milímetros. Em 14 de Março, a empresa recebeu autorização do Ministério do Exército para exportar estas peças, em conformidade com as exigências da NATO. O patrão foi apelado a “reindustrializar” a sua fábrica. Anunciou um investimento de 7 milhões de euros, nos próximos 3 anos, para aumentar a sua produção de 40.000 peças para 160.000, o equivalente à produção dos EUA de mísseis de 155 milímetros em 2020. E, por uma boa razão: a Lei de Programação Militar, discutida no Parlamento francês, prevê um aumento das despesas militares, em 57%, até 2030.

A guerra na Ucrânia é tão lucrativa para as empresas de defesa dos EUA e da Europa que elas têm dificuldade em encontrar milhares de trabalhadores qualificados para fazer face a um afluxo recorde de encomendas, confirma o Wall Street Journal. Uma dádiva para a “reindustrialização” que é suposta trazer a prosperidade ao continente!

“A nossa primeira prioridade é, de facto, aumentar a capacidade de produção, o que, evidentemente significa aumentar o número de efectivos”, afirmou Patrice Caine, CEO do fabricante de equipamentos Thales, que planeia contratar 12.000 pessoas até 2023 para fabricar sensores subaquáticos e outros equipamentos militares.

Em 2022, as despesas militares mundiais aumentaram 3,7%, atingindo um valor recorde de 2240 mil milhões de dólares. As despesas militares europeias estão a crescer a um ritmo anual mais rápido desde há pelo menos 30 anos, de acordo com o Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo.

A maior empresa de defesa da Europa, a BAE Systems PLC, está a planear contratar vários milhares de pessoas. O fabricante de mísseis MBDA vai aumentar os seus efectivos em 15%. A Saab AB (o fabricante sueco do caça a jacto Gripen) e a Rheinmetall AG (a empresa alemã que ajuda a construir o tanque Leopard) também planeiam contratar milhares de novos assalariados. O mesmo acontece com a Lockheed Martin (o fabricante norte-americano de mísseis Javelin e de lançadores de foguetes Himars).

Tudo isto para que centenas de jovens Ucranianos e Russos morram por meio de bombas, para benefício exclusivo dos oligarcas e das grandes potências que já estão a partilhar o banquete. Enquanto um antigo fuzileiro norte-americano na Ucrânia explicava, à rádio ABC News, que a linha da frente é um “triturador de carne onde a esperança de vida dos soldados é de 4 horas”, o Presidente ucraniano Zelensky – o melhor amigo das grandes potências ocidentais – fazia aprovar uma lei para reforçar as sanções e a repressão contra os jovens que recusem alistar-se no Exército ou a obedecer a ordens.

SANÇÕES ECONÓMICAS: “A ARMA MAIS LETAL UTILIZADA PELAS POTÊNCIAS OCIDENTAIS”

Grandes potências que, de acordo com um estudo do Center for Economic and Policy Research – do qual o Financial Times, de 4 de Maio, refere as principais conclusões – impõe sanções a 27% dos Estados de todo o mundo: “29% da economia mundial está sujeita a sanções dos EUA, da UE ou da ONU. Isto representa um aumento acentuado nas últimas décadas: de facto, ainda na década de 1990, afectavam menos de 10% dos países e cerca de 5% da economia mundial.

Os factos demonstram, de forma decisiva, que as sanções pioram as condições de vida (com) efeitos sistematicamente negativos sobre a pobreza, a desigualdade e o crescimento, as condições de saúde e os direitos humanos. A dimensão do problema é dramática.

Um estudo estimou que as sanções resultariam numa baixa no Produto Interno Bruto de um Estado de até 26%, o equivalente à da Grande Depressão (nos EUA).

Um outro estudo constatou um declínio na esperança de vida das mulheres em 1,4 anos – semelhante ao efeito estimado na mortalidade global causado pela pandemia COVID-19. Em muitos casos, os danos são semelhantes aos sofridos num conflito armado, o que faz das sanções económicas a arma mais letal utilizada pelas potências ocidentais.

O principal canal através do qual as sanções operam é a restrição do acesso do sector público a divisas estrangeiras. As sanções são usualmente seguidas de uma redução das despesas com a Saúde pública, a Educação e a ajuda alimentar. A desvalorização da moeda e a inflação que daí resulta também conduzem a salários reais mais baixos.”

E deveríamos discutir a prosperidade na Europa com estas pessoas? Decididamente não; não pedimos aos carrascos para que reabilitem as suas vítimas.

A um ano do evento, algumas pessoas já devem estar a pensar nas Eleições europeias.

Seráque pensam que, fazendo o jogo das instituições e convidando os seus carrascos, ganharão a confiança dos povos estrangulados? Eles fariam bem em reflectir sobre isso e não esquecer que cerca de 8 milhões de eleitores se juntaram à candidatura de Jean-Luc Mélenchon, em 2022, numa linha de ruptura e não de acomodação ao Sistema e de conferências conjuntas com os seus representantes.

Decrescer ou romper, é preciso escolher.

Crónica, da autoria de Stéphane Marati, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 757, de 17 de Maio de 2023, do Partido Operário Independente de França.

União Europeia: Entrar “em modo de economia de guerra”

Os meios de comunicação social têm vindo a noticiar nos últimos dias, continuamente, a contra-ofensiva iminente de Zelensky, apoiada ou copilotada pela NATO.

Toda a gente é convidada a tornar-se num especialista militar, a conhecer todos os pormenores das estratégias, as armas utilizadas,… Será que devemos esquecer as vítimas civis e militares, centenas de milhares em ambos os lados? Será que devemos esquecer os jovens russos e os jovens ucranianos que morreram na frente de batalha, quer pelos interesses dos oligarcas quer pelos interesses das multinacionais?

A UNIÃO EUROPEIA VAI ENTRAR “EM MODO DE ECONOMIA DE GUERRA”

A 3 de Maio, o Comissário Europeu Thierry Breton apresentou o seu projecto de 500 milhões de euros para co-financiar “uma produção de 1 milhão de obuses por ano na Europa”. O Comissário afirmou: “Os nossos industriais devem passar para a economia de guerra, porque muitas fábricas estão longe de funcionar em plena capacidade.” Recordemos que esta escalada para a guerra, financiada pela União Europeia, é precisamente o que a Resolução – votada favoravelmente, a 30 de Novembro de 2022, na Assembleia Nacional (francesa) pelos deputados do partido de Macron, de “Os Republicanos”, do PS, do PCF e de “Os Verdes”.

A estes 500 milhões, serão adicionados uma parte dos fundos do Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (PNRR). Assim, Thierry Breton declarou: “Os Estados-membros que o desejem podem utilizar uma parte dos fundos do PNRR para o fabrico de munições.”

OS MILITARES TREINAM-SE PARA UMA “GUERRA DE ALTA INTENSIDADE”

No mesmo dia 3 de Maio, o jornal francês Le Monde fez um relato entusiástico sobre as manobras militares extraordinárias que se desenrolaram em França: “Durante três semanas, cerca de 12.000 homens, dos quais 9.000 combatentes, apoiados por 2.600 veículos – 400 dos quais são veículos blindados – enfrentaram-se nas planícies de Besançon a Amiens”.

O artigo diz-nos que se trata de “unidades maiores do que o habitual”. Que houve tropas norte-americanas, britânicas, espanholas, belgas e gregas a participar nas manobras em França. A tónica foi colocada nos reservistas, que foram chamados mais do que o habitual, e foi sublinhado que o seu número terá de ser aumentado no futuro.

Os governos da Europa e os generais preparam medidas terríveis para “massificar” na perspectiva da escalada da guerra: aumentar o número de reservistas, ou mesmo reintroduzir a conscrição (serviço militar obrigatório) como pretende o sítio Rubicon (um sítio da Internet dependente do Ministério das Forças Armadas).

Em suma, os militares estão a treinar para uma “guerra de alta intensidade” – termo militar e político para não dizer massacre em grande escala – e o jornal Le Monde elogia estas grandes manobras.

Porquê tanta publicidade ao Exército e às suas manobras militares? Isso parece como a continuação da lavagem ao cérebro iniciada pelo anúncio do presidente Macron, em 20 de Janeiro, de afectar um montante de 1,5 mil milhões de euros às Forças Armadas (anúncio feito na Base militar de Mont-de-Marsan).

SACRIFICAR OUTRAS DESPESAS PÚBLICAS À GUERRA

A Lei de Planeamento Militar (LPM), que prevê esta despesa de 413 mil milhões de euros de 2024 a 2030, está prestes a chegar à Assembleia Nacional.

O Orçamento anual passaria de 41 mil milhões em 2022 para 70 mil milhões em 2030. Não estão incluídos nestes 413 mil milhões as despesas com o Serviço Nacional Universal – NSU (3,5 mil milhões por ano) e o fornecimento de armas e munições a Zelensky.

Este Orçamento monstruoso implica “sacrificar outras despesas públicas”, como refere C. de Boissieu, economista ao serviço das multinacionais capitalistas. 413 mil milhões de euros para a guerra na LPM significa retirar estes milhares de milhões à Escola, à Cultura, aos investimentos na Saúde, à massa salarial dos funcionários públicos…

O interesse da população e dos trabalhadores é dizer: “Não aos 413 mil milhões para a Lei de Programação Militar; cessar-fogo imediato; não ao envio de armas; nem Putin, nem Biden; baixem as armas, aumentem os salários!”

Crónica, da autoria de Bruno Ricque, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 756, de 10 de Maio de 2023, do Partido Operário Independente de França.

Economia de guerra

A União Europeia acaba de anunciar a aceleração do fornecimento de munições e de armas à Ucrânia. A Polónia decidiu entregar à Ucrânia todos os seus aviões Mig herdados do período soviético, que a Polónia irá substituir por bombardeiros norte-americanos.

Os EUA anunciaram um novo plano para armar a Ucrânia. Um dirigente norte-americano chegou mesmo a dizer que o lugar da Ucrânia era dentro da NATO. A guerra tem de continuar. Como explica um oficial dos EUA, pode durar até 2024, ou mesmo 2025.

Esta é a economia de guerra que está a ser instalada. O diário francês Les Echos, de 25 de Abril, com base num Relatório do instituto Sipri (1), anuncia que: “As despesas militares na Europa atingiram o nível mais elevado dos últimos trinta anos”. Ainda segundo o jornal Les Echos, à escala mundial as despesas militares atingiram 2.240 mil milhões de dólares. É preciso que a guerra prossiga. A economia do armamento é uma força-motriz de toda a economia capitalista, que está em crise.

Mas a economia de guerra não é apenas um desenvolvimento massivo da indústria de armamento, é também a redução massiva dos orçamentos públicos para escolas, hospitais,… A economia de guerra é a inflação que atira toda a população para a pobreza. A economia de guerra é a repressão contra todos os que se mobilizam contra a guerra e o capital.

O capital está, ele próprio, a preparar-se para o pós-guerra. Os EUA já lançaram o seu plano para a reconstrução da Ucrânia. O ministro francês dos Transportes, Clément Beaune, numa visita a Kiev, apelou às empresas francesas para “estarem presentes” na reconstrução da Ucrânia. Anunciou que a França está disposta a trabalhar nos sectores dos transportes, das estradas, dos caminhos-de-ferro,… Claro que serão as migalhas que ficarem depois de os EUA se saciarem, os quais ficarão com a parte do leão.

A luta contra a guerra, por um cessar-fogo, não é apenas uma luta contra as políticas belicistas de Putin e de Zelensky (bem como dos seus pais internacionais – os EUA e a NATO), é também uma luta em apoio do povo ucraniano e do povo russo.

A luta contra a guerra é também a luta contra a economia de guerra, pela defesa dos direitos e das garantias dos trabalhadores na Europa.

A luta contra a guerra é inseparável da luta contra o capital e os governos ao seu serviço.

Crónica, da autoria de Lucien Gauthier, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 754, de 26 de Abril de 2023, do Partido Operário Independente de França.

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(1) Stockholm International Peace Research Institute – Instituto Internacional de Estudos de Estocolmo para a Paz, especializado na economia do armamento.