Itália: queda do Governo

Roma, 5 de Julho de 2022: Taxistas em greve contra as políticas do Governo italiano.

O Governo italiano, formado em torno de Mario Draghi, afundou-se estrondosamente a 20 de Julho. A queda de Draghi lançou o pânico em todos os círculos governantes dos Estados europeus, em Bruxelas e mais além. O jornal The New York Times prevê uma “nova época de caos político, num período crítico para a União Europeia”. Foram convocadas novas eleições em Itália, para 25 de Setembro.

O que fez cair Draghi? Que consequências se estão a desenhar? O jornal Le Monde recorda: “O líder italiano, que chegou ao poder em 2021 – ele próprio ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) – era considerado por Bruxelas como o garante de um retorno à confiança, através de reformas concebidas para colocar de novo no bom caminho a Itália, encarada como um elo fraco da Zona Euro”.

Draghi tinha ganho o apoio de quase todos os membros do Parlamento, da extrema-direita ao Partido Democrático (um partido composto pelos restos do Partido Comunista italiano e da Democracia Cristã), para atacar as pensões de aposentação, para privatizar cada vez mais, continuar a desregulamentar o trabalho e impor a austeridade à população.

A 29 de Junho, Draghi esteve em Madrid com os outros 39 chefes de Estado e de Governo para a Cimeira da NATO. O Presidente dos EUA, Biden, tinha exigido de Draghi e de eles um compromisso cada vez maior para com a guerra, tanto no aumento dos orçamentos para a Defesa como no reforço das bases de ocupação da NATO, já muitos presentes em Itália. E Draghi e os outros chefes de Estado e de Governo fizeram um compromisso com Biden.

Sim, mas o povo, os trabalhadores e os jovens de Itália querem viver e estão a lutar, por todos os meios, para evitar serem cada vez mais empurrados para a miséria, a precariedade e o caos. A privatização total do mercado da energiaque Draghi queria finalizarestá a atingir gravemente o conjunto da população italiana. Nos últimos quatro meses, tem havido grandes mobilizações contra o aumento das tarifas da electricidade. Os assalariados não querem a desregulamentação do trabalho, nem o aumento da idade da reforma, e estão a procurar defender-se contra isso, realizando greves, apesar de os líderes sindicais já terem aceitado muita coisa.

O POVO ITALIANO RECUSA A GUERRA E A ESCALADA GUERREIRA

De acordo com uma sondagem de 23 de Junho, é em Itália que o sentimento antiguerra é mais forte: “52% dos Italianos são a favor de uma paz incondicional”. Uma maioria recusa o envio de armas (para a Ucrânia). De facto, a mobilização revolucionária do pós-Segunda Guerra mundial impôs que fosse inscrito na Constituição italiana, em 1947: “A Itália repudia a guerra como instrumento de ataque à liberdade de outros povos e como um método de resolução de conflitos internacionais (…)”.

Desde Fevereiro de 2022 e o início da guerra na Ucrânia, tem havido fortes mobilizações em Itália contra as bases da NATO. Tem havido greves contra o envio de armas, no aeroporto de Pisa e nos portos marítimos, nomeadamente em Génova e Livorno.

A recusa – pela massa da população da política de Draghi – combinou-se com uma crise enorme na cúpula do Estado.

Todas as contradições, até agora contidas, foram exacerbadas com a recessão à vista e a guerra. O jornal Le Monde, comentando novamente a queda de Draghi, considera: “Assim terminou o paradoxo que queria conciliar o Parlamento mais eurocéptico da história de Itália com um Presidente do Conselho que personificava a salvação da Zona Euro”.

Os partidos que apoiavam Draghi entraram em crise, quiseram negociar o seu apoio ao Governo, argumentando em particular que o envio de armas deveria ter sido discutido no Parlamento, tal como está previsto na Constituição.

O muito confuso Movimento 5 Estrelas – na esperança de superar a sua própria crise – estabeleceu novas condições para o apoio a Draghi, propondo: a introdução de um subsídio para pessoas sem trabalho ou subsídio de desemprego; a introdução de Salário mínimo; um decreto estipulando, com precisão, as regras para contratos a termo certo. Exigências muito modestas que, no entanto, são incompatíveis com as exigências do capital financeiro e do BCE (para reduzir a dívida do Estado italiano) e uma economia que dá prioridade à guerra.

Além disso, Biden exigia que o governo de Draghi – tal como os outros governos – deixasse de comprar gás russo (que representa 40% das importações italianas de gás). Isto significaria impor um abrandamento brutal de toda a Economia italiana.

Finalmente, a queda de Draghi coincide com a decisão do BCE – de 21 de Julho (mas conhecida há muito tempo) – de aumentar as taxas de juro, o que também significa um abrandamento da Economia e, para as famílias, empréstimos ao consumo mais caros.

APÓS A QUEDA DE JOHNSON NO REINO UNIDO E DE DRAGHI EM ITÁLIA, QUEM SERÁ O SEGUINTE?

O chefe do Governo espanhol, Pedro Sanchéz, explicou a 19 de Julho: “A Europa precisa de líderes como Mario Draghi”. Enquanto o jornal Le Monde resumiu o perigo da seguinte forma: “A sua demissão, numa altura em que os dois outros pilares da UE, o Chanceler Scholz e o Presidente Macron, estão enfraquecidos – o primeiro em virtude das consequências da agressão russa à Ucrânia, e o segundo pela perda da sua maioria parlamentar – representa um grande choque para a consolidação da União, para a sua liderança e para a sua coesão na cena internacional.”

As causas da derrocada de Draghiguerra, recessão, exigências dos EUA provocadoras de caos nas economias, resistência por parte da população, crise institucional e crise da União Europeiavão muito para além da Itália.

Em Itália, ganha corpo a constituição do movimento Verso l’Unione Popolare (Para a União Popular) que visa lutar contra a guerra e “unir todos aqueles que são não alinhados com o Sistema e que querem contribuir para uma ruptura com o Sistema”. (1)

De facto, estas grandes questões estão na linha da frente, em Itália e não só.

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(1) Ver, a este respeito, uma entrevista com Luigi de Magistris (ex-Presidente da Câmara de Nápoles), publicada no nº 715 deste semanário “Informations Ouvrières”, que é apoiante da Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES), encabeçada por Jean-Luc Mélanchon.

Crónica de Bruno Ricque, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 716, de 27 de Julho de 2022, do Partido Operário Independente de França.

Itália: A crise governamental atinge o seu clímax

O homem: Draghi, “o banqueiro político”, ou “Sr. BCE”, como ele é conhecido. Os meios: a união sagrada (nacional) em toda a sua essência. Todos os partidos estiveram presentes desde o primeiro dia. A começar pela Liga de Matteo Salvini, que dantes proclamava que “Draghi é o partido do PIB”. É seguramente esta uma das razões por que – depois de ter passado anos, dentro e fora do Governo, a utilizar uma retórica veemente contra Bruxelas – se apressou a juntar-se ao novo Presidente do Conselho de ministros. Ele não é o único.

Por unanimidade, os partidos fizeram fila em frente à casa de Draghi, que afirma: “A solução para os nossos problemas está na Europa”. Todos aderiram a esta escolha providencial que vai ditar ao país como usar os 209 mil milhões de Fundos europeus.

A caça aos ministérios tem sido uma luta furiosa. Grillo, em nome do Movimento Cinco Estrelas, foi o primeiro, nesta “grande orgia”, a reagir e a obter quatro postos no Governo, incluindo um para Di Maio, que se mantém nos Negócios Estrangeiros. Mas há postos para todos, em particular para os chamados ministros técnicos. Inclusive para o físico que gerou indignação ao criar o primeiro Centro de investigação público-privado, ao qual foi atribuído o Ministério do Ambiente – uma novidade na gama de ministérios italianos – que irá gerir os 70 mil milhões de euros que lhe competirão e que, de acordo com a UE, a Itália deve investir no sector. O grande patronato já se declarou pronto para a conversão ecológica.

Mas muitos editorialistas advertiram: em França, a política de unidade nacional de ecologia de Macron produziu os Coletes Amarelos. A Liga de Salvini (de extrema-direita e separatista, recordemo-lo) obtém três ministérios, incluindo o Ministério do Desenvolvimento Económico. O Sul (Mezzogiorno) está muito preocupado com o facto de o desenvolvimento em questão não chegar até ele. A Forza Italia, de Berlusconi, também obteve três pastas no Governo, que também arriscam provocar tumultos na população: a dos Assuntos Regionais e das Autonomias, bem como a do Sul e da Coesão Territorial. Estes postos, unidos com aos da Liga, reforçam as posições das regiões ricas do Norte. De facto, Salvini e Berlusconi tinham feito um pacto entre si durante as consultas para a formação do Governo. E por fim, ataques, é quase certo que haverá principalmente na Administração Pública, uma vez que é o terceiro ministério que Forza Italia obteve.

A União Sindical de Base qualificou, imediatamente, esta atribuição a Brunetta (o ministro indigitado para este último cargo) como uma bofetada aos funcionários do sector público. Com efeito, este teórico do neo-liberalismo tinha – na altura em que esteve no governo de Berlusconi – lançado os maiores ataques contra a Função pública. O Partido Democrata também obteve três pastas ministeriais, incluindo a do Trabalho, uma espécie de ilusão de óptica.

DRAGHI IRÁ EXECUITAR A DANÇA SOZINHO…

No entanto, sabemos que Draghi irá liderar sozinho dança, juntamente com a Comissão Europeia, e que os ministros serão seus garantes.

Mas as fissuras nos partidos já se estão a ver. O Movimento Cinco Estrelas – cujo fundador, Beppe Grillo, não poupou esforços para convencer os seus membros – já se dividiu em dois (59% para a linha de Grillo e 41% para aqueles que recusaram a entrada no governo com a extrema-direita, mas não têm líder).

É especialmente no Sul que a raiva tem dificuldade em ser contida, porque é aí que o Movimento Cinco Estrelas tinha produzido mais ilusões, recolhendo até 60% dos votos. “Vão ter de agradecer aos céus por sermos não violentos, pois foi uma decisão a que era preciso ter respondido com bastões e tacos”, diz uma responsável de Nápoles. Pelo seu lado, o Partido Democrata está um pouco desconfortável e já perdeu algumas cabeças de cartaz, como é o caso da antiga ministra Rosy Bindi, acusando-o de “suavidade”, enquanto outros membros consideram que a promiscuidade com a direita e a extrema-direita no Governo é um pouco difícil de engolir.

Os partidos não são os únicos que responderam como um só homem ao convite de Draghi. As três confederações sindicais (CGIL, CISL e UIL) – aconselhadas pelo Secretário-Geral da CGIL, Landini – participaram na “consulta aos corpos intermédios” com Bonomi, o Presidente da principal Confederação patronal, a Cofindustria. À saída da reunião, Bonomi declarou ao jornal Il Sole 24 ore, contente: “Agora, temos de agir bem e depressa!”. E o quotidiano da finança conclui que Draghi tem o apoio de todos os parceiros sociais. Landini, pela sua parte, acrescentou: “É bom discutir com os parceiros sociais, o que não acontecia desde há muito tempo”. Notemos que o Secretário-Geral da principal Central sindical italiana – que conta com de mais de cinco milhões de membros – não se tem poupado, especialmente nos últimos meses, na sua oferta de serviços ao governo de Conte e agora ao de Draghi. A propósito, não afirma Draghi que a unidade é um dever?

Assim que a nomeação de Draghi foi anunciada, o pequeno partido Risorgimento socialista-Lega socialista lançou um apelo público contra este Governo. É também o caso do Potere al popolo (Poder ao Povo) e da Unione sindacale di base (União Sindical de Base) que afirma estar a trabalhar para a “construção da mobilização”.

O programa de Draghi baseia-se principalmente na utilização do Fundo de incentivo para o trabalho. Entendamos para os patrões. E para a transição ecológica. Entendamos para os patrões. As grandes empresas dos sectores da energia e dos transportes já estão na grelha de partida. Nada sobre Saúde pública, que está exangue; nada para a Educação, que está de joelhos.

A comunidade empresarial já está a avisar que vai ser difícil governar. Ela já está preocupada sobre quem “saltará primeiro para fora” (do Governo). O ex-primeiro ministro Conte já está a preparar a sua emboscada. Mas, mais importante ainda, existe em todo o lado uma cólera surda, num país onde 35% dos jovens (aqueles que são chamados “a geração perdida”) estão no desemprego.

Mas este Governo tem, acredita ele, tudo planeado. Para além do consenso e do forte apoio que lhe oferece a Direcção da CGIL, um dispositivo será mecanicamente activado: o único partido da oposição – porque há um – assumirá automaticamente as presidências-chave, a da RAI (Rádio e Televisão Italiana), a da Caixa dos Depósitos e Empréstimos, e a da Comissão parlamentar para a segurança da República. Trata-se do partido fascista, Fratelli d’Italia.

Assim, o dispositivo de guerra contra os trabalhadores, o povo e a República está posicionado em ordem de batalha.

Análise de Veronica Delle Ginestre, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 642, de 18 de Fevereiro de 2021, do Partido Operário Independente de França.