
Impedir o colapso, salvar o SNS
Quantos utentes do SNS, com doenças crónicas, aguardam há meses por uma consulta presencial, quantos tratamentos ficaram adiados, quantos disgnósticos, alguns deles de cancro, ficaram por fazer?
Infelizmente é esta a realidade com que nos deparamos, diariamente.
Tem sido uma constante a política de desmantelamento e desinvestimento no SNS, iniciada com os governos do tempo da Troika, incluindo o chamado governo da “geringonça” e o actual do Partido Socialista.
Ao mesmo tempo, a resistência das populações e do pessoal médico e de enfermagem em defesa desta conquista de Abril, sentida como uma das mais importantes, pela grande maioria dos portugueses, tem permitido, apesar de sucessivos golpes, que o essencial da sua estrutura se mantenha, como um Serviço de saúde público e universal para todos.
Podemos recordar as mobilizações em 2007 e 2008 – a nível local, regional e nacional – contra o plano do ministro da Saúde do governo do PS, Correia de Campos, de encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente (SAP) e dos hospitais de proximidade como o da Anadia, levando à sua demissão.
Não esquecendo as lutas contra o aumento das taxas moderadoras, por um número de médicos de família que assegure a cobertura de todos os utentes, pelo aumento das valências nos Centros de Saúde e as exigências dos médicos e enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica, pelo reconhecimento das suas carreiras profissionais.
Foram estas lutas e mobilizações, entre tantas outras, que garantiram a continuidade do SNS para, hoje, poder desempenhar o papel, que todos consideram ter sido decisivo no combate à pandemia no nosso país.
Nove meses passados, após o início da crise epidémica e apesar do empenhamento dedicado e abnegado dos profissionais de saúde do sector público, o recrudescer dos surtos ameaça fazer colapsar os Centros de Saúde e os Hospitais Públicos.
Investimento imediato e continuado em recursos humanos no SNS
A exaustão a que foram e estão a ser submetidos os médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal auxiliar, com horários de trabalho e ritmos esmagadores, para além da carga nervosa imposta pelo contacto permanente com o risco, coloca hoje como uma questão central para a sobrevivência da população portuguesa, em condições de dignidade, o investimento imediato e continuado em recursos humanos no SNS.
A intensidade e o prolongar da crise pandémica trouxeram, à luz do dia, a situação dramática de grande parte dos doentes “não covid”, nos Centros de Saúde e Hospitais Públicos, de Norte a Sul do país.
Em declarações ao jornal Público, de 25/10/2020, Noel Carrilho presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) afirmou: “Vamos sentir, durante muitos meses, possivelmente muitos anos, a falta de assistência a doentes não covid. Estas consequências vão perseguir-nos.”
E, ao mesmo jornal e no mesmo sentido, também o porta-voz do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos acrescenta: “Aquilo que está a acontecer, neste momento, é uma situação perfeitamente inadmissível. Os hospitais estão preocupados, e bem, com o covid, mas as outras patologias que já existiam estão a ficar em segundo plano. Há muitos utentes que não estão a ser tratados, muitas patologias agravam-se e alguns já faleceram por isso.”
Pelo seu lado, o Sindicato Independente dos Enfermeiros Portugueses (SINDEPOR), no comunicado anunciando o pré-aviso de greve de 9 a 13 de Novembro, exige do Governo: “Que, de uma forma célere, justa e com critérios idênticos para todos, proceda ao descongelamento das progressões da carreira de todos os Enfermeiros, independentemente do vínculo ou da tipologia do contrato de trabalho, contabilizando a totalidade do tempo congelado; vínculos de trabalho iguais para enfermeiros iguais; a equiparação, sem discriminações, dos vínculos de trabalho para quem tem Contrato Individual de Trabalho (CIT). e para quem tem Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP); retomar e concluir as negociações do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), interrompidas há mais de 1 ano; um subsídio de risco, com valor justo, aplicável a todos os enfermeiros independentemente do local de trabalho, categoria profissional ou vínculo laboral, uma vez que esse risco é inerente à profissão; pelas mesmas razões de penosidade da profissão, que as condições de acesso à aposentação voluntária dos enfermeiros e com direito à pensão completa sejam os 35 anos de serviço e 57 de idade (base inicial de negociação); que sejam admitidos mais Enfermeiros com vínculo contratual sem termo.”
E concluem afirmandoque “A carência de recursos humanos antes da pandemia era evidente, mas agora a realidade tornou-a ainda muito mais trágica. Todos os dias vemos serviços a encerrar por falta de enfermeiros e vemos muitos colegas a cair de cansaço pela sobrecarga de trabalho.”
A proposta de OE apresentada pelo Governo impede o reforço do SNS
É nesta situação de grave crise económica, social e sanitária – acelerada pela pandemia – que decorre a discussão e votação da proposta de OE para 2021, apresentada pelo Governo na Assembleia da República.
A população portuguesa vem assistindo a uma campanha dos grandes meios da Comunicação Social, de enorme intensidade e servida hora a hora, onde se procura justificar a falta de recursos nos serviços públicos de Saúde como sendo, apenas, fruto da epidemia. Campanha iniciada e articulada pelo Presidente da República, agarrada e secundada pelo Primeiro-ministro.
Ela traduz-se num apelo a uma política de unidade nacional, em torno de uma proposta de OE que – apesar dos anúncios públicos e da engenharia dos números – recusa, na realidade, inverter as políticas de desinvestimento no SNS dos anteriores governos e tomar as medidas de fundo que se impõem para permitir o seu reforço.
Um estudo de Eugénio Rosa– reputado economista da CGTP – sobre essa Proposta de OE tem esta citação elucidativa: “Se fizermos uma análise mais fina, concluímos que o aumento previsto em 2021 nas «despesas com pessoal», no sector público de Saúde, é apenas de 2,5% (entre 2020 e 2021, aumentam de 4.822,1M€ – milhões de euros – para 4942,2M€, ou seja, apenas em 120,1M€).”
É igualmente significativa a sua conclusão e o apelo deixados: “Em 2020, a despesa do SNS financiada com receitas de impostos atingirá 10.311,2M€ e, em 2021, será de 10.315,2M€, ou seja, apenas mais 4M€. É este o grande reforço do SNS, tão «badalado» pelo actual Governo. Será que a esquerda que defende o SNS ficará passiva perante tudo isto, pois é austeridade a mais e perigosa pois é na Saúde?”.
Mobilização em unidade para salvar e reforçar o SNS
A resposta que esperam e pretendem os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e auxiliares – que constituem a coluna vertebral do SNS – é que as organizações sindicais que os representam se mobilizem em unidade, para defenderem as suas carreiras profissionais com direitos, um regime de dedicação plena no SNS e um aumento de número de profissionais que responda às necessidades e permita reforçar o SNS.
É a mesma resposta que os milhões de utentes dos Centros de Saúde e dos Hospitais Públicos, de Norte a Sul do país, aguardando desesperadamente por consultas, exames e intervenções cirúrgicas, esperam das forças políticas que se reclamam do 25 de Abril e das suas conquistas, em vez da subordinação aos critérios de uma Proposta de OE que recusa reverter as políticas de desinvestimento na Saúde e responder às necessidades do país.
É neste terreno de resistência e mobilização em unidade das populações e dos profissionais de Saúde – que permitiu defender, até agora, a estrutura do SNS – que é preciso prosseguir para o salvar e reforçar como um Serviço que responda às reais necessidades dos seus utentes.
Para ajudar à mobilização em unidade, é este o caminho no qual se inserem os militantes do POUS, agrupados em torno de O Militante Socialista (MS).
A Comissão de redacção do MS
Saudação
O Militante Socialista – jornal impulsionado pelo POUS – não pode deixar de saudar a posição assumida pela Mesa Nacional do Bloco de Esquerda (BE), expressa no voto contra a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2021 apresentada pelo Governo na Assembleia da República.
Os seus militantes partilham as razões invocadas e destacadas pelos deputados do BE em reprovarem uma proposta de OE que, em nome de evitar a crise, significa na realidade mais um passo para a agravar, impedindo que a população trabalhadora possa ver garantido o direito ao trabalho e impedindo, igualmente, o investimento para reforçar e salvar o SNS, pilares essenciais neste momento que o país atravessa.
Manifestam também e desde já o seu total empenhamento em associarem-se às iniciativas de mobilização pela proibição dos despedimentos e pela defesa do SNS.