O chamado “Acordo para o Chile” é um ataque à democracia

Declaração da Coordenação Nacional Não+AFP (plataforma nacional contra os Fundos privados de pensões) no Chile

Três meses após a rejeição, em referendo, da proposta de uma nova Constituição, o presidente Gabriel Boric acaba de anunciar, a 12 de Dezembro, um acordo alcançado entre as duas câmaras (o Parlamento e o Senado), ao nível do Congresso Nacional, para a elaboração de um novo projecto de Constituição.

Publicamos aqui a Declaração da Coordenação Nacional dos Trabalhadores Não + AFP (plataforma nacional contra os Fundos privados de pensões de aposentação).

Para a nossa organização, a proposta do Congresso Nacional intitulada “Acordo para o Chile” é um grave ataque à soberania e à democracia do nosso país. Esta proposta é uma farsa de processo constituinte e, ao mesmo tempo, é um ataque à democracia, porque se recusa grosseiramente a reconhecer a vontade popular.

1. A sua base constitucional não é mais que a ratificação dos princípios da Constituição de Pinochet que está actualmente em vigor. E é ainda mais grave porque estes princípios enquadram ou limitam aquilo que é chamado processo constituinte, tendo por base as mesmas exigências que foram feitas ao processo constituinte (que foi referendado). Porque o que é fundamental para a Direita é assegurar a manutenção do sacrossanto direito de propriedade, a liberdade de fazer negócios em detrimento dos direitos sociais e conservar intactas todas as instituições postas em causa pela revolta de 18 de Outubro de 2019 (1).

Desde quando é que um processo constituinte pode impedir que seja abordado o carácter do regime político de um Estado? Desde quando é que um processo constituinte estabelece, a priori, o direito à “liberdade do ensino” colocando-o acima do direito à educação?

2. Os órgãos do processo constitucional são uma ofensa à inteligência das Chinelas e dos Chilenos. Trata-se de estabelecer um “Conselho Constitucional”, composto por cinquenta pessoas, que tomará posse quatro meses após a “Comissão de peritos” – nomeada pelo Congresso – ter elaborado um ante-projecto que, sem dúvida, vai ao encontro dos interesses daqueles que escolheram esses peritos.

Que pessoa sã de espírito poderá imaginar que esta proposta tenha qualquer coisa de democrático, quando ela é limitada à partida a áreas que não afectam os interesses daqueles que, durante décadas, têm concentrado nas suas mãos o poder económico, político e mediático? Trata-se da maior farsa da História.

A nossa Coordenação – que luta, há mais de dez anos, para restabelecer a Segurança Social como um direito fundamental para aqueles que vivem no nosso território – só pode exprimir a sua rejeição absoluta por esta fraude da democracia, a qual, se for consumada, tornaria mais difícil restabelecer os direitos pelos quais o povo se levantou, a 18 de Outubro, exigindo respostas que até hoje ainda não chegaram.

A Coordenação Nacional de Trabalhadores Não+AFP

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(1) O 18 de Outubro de 2019 foi o início de uma revolta em que os Chilenos gritaram, por todo o país: “Não é por 30 pesos, mas por 30 anos!”, referindo-se aos 30 pesos de aumento nos bilhetes do Metro e mostrando-se determinados a recuperar os seus direitos, retirados por 30 anos de ditadura. 

Notícia publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 737, de 21 de Dezembro de 2022, do Partido Operário Independente de França.

STAYAWAY COVID-19

Recebemos do nosso camarada José Luz este artigo de opinião.

A “aplicação” da discórdia, verdadeiro vírus na democracia?

Num Estado de Direito não é admissível que a Polícia, sem mandato, tenha o poder de fiscalizar um cidadão. Quando uma proposta destas parte de um Governo que se diz socialista, temos o dever de nos questionarmos. É um imperativo de consciência, pela defesa das liberdades públicas. A falta de investimento do Governo na área da Saúde, não pode justificar estes episódios de distraçcão em maré de Orçamento do Estado.

António Costa recuou, inevitavelmente, na proposta de tornar obrigatório o descarregamento da «app STAYAWAY COVD», naquilo que se revelou como um desfecho previsível para todos. Pediu o PM ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, para suspender o debate da proposta (in TSF).

A implementação desta aplicação tem sido amplamente discutida nos meios de Comunicação social e nas redes sociais. Temas de discórdia? A obrigatoriedade do seu uso, questões sobre a privacidade de dados e sobre as desigualdades ao acesso da aplicação.

Nos relatórios europeus de 2018 e de 2019, dos índices de digitalidade da economia e da sociedade portuguesas, pode-se ler-se que “metade da população portuguesa não possui as competências digitais básicas necessárias para utilizar eficazmente a Internet e 30% não tem quaisquer competências digitais.” (in Postal, Sociedade).

É neste contexto que o Governo veio propor que fosse decretada uma lei sobre a utilização da aplicação, a ser «devidamente fiscalizada pelas forças policiais, com a obrigatoriedade do seu uso em determinados contextos.» (JN).

A talhe de foice, quanto custou, para já, o negócio da «app STAYAWAY COVID»? Segundo o portal sapo, o financiamento até à data é de 400 mil euros e é do INESC TEC, uma instituição de privados. Segundo Rui Oliveira, do INESC TEC, «ou compensamos isto ou vamos ter prejuízo, e esse prejuízo vai repercutir-se em recursos humanos” (in sapo).

Desde o anúncio desta medida que diversas personalidades do meio científico alertaram para a necessidade de um debate transparente que clarificasse, de forma simples, as questões éticas, jurídicas e técnicas.

Luciano Floridi, professor da Filosofia e Ética da Informação e Director do Laboratório de Ética Digital na Universidade de Oxford escreveu um artigo que começa do seguinte modo: “A app deve ser tornada ética ou é melhor renunciar a ela?”) (in Agenda Digitale).

Na proposta do Governo adiada sine die, consta que será obrigatório o uso da app, no contexto laboral ou equiparado, escolar e académico, a saber, «pelos possuidores de equipamento que a permita». Razão pela qual, adianta-se, «a vigilância do seu cumprimento ficará a cargo da Guarda Nacional Republicana (GNR), Polícia de Segurança Pública (PSP), Polícia Marítima e polícias municipais» (in executive digets, sapo). Não, não estamos em 1973. E, para rematar, no mesmo tom autoritário do Estado em tempos Covid, decreta-se que o incumprimento poderá, caso a Assembleia da República legisle nesse sentido, «dar origem a multas entre os 100 e os 500 euros».

Marcelo, constitucionalista, face aos factos, disse que prefere mil vezes enviar para o Constitucional a obrigatoriedade da «Stayaway Covid» do que assistir ao “arrastar da polémica”.

A obrigatoriedade do uso da aplicação bem como o seu policiamento causou resistência dentro do próprio PS, na bancada e não só. Sérgio Sousa Pinto escreveu no facebook que «aplicações digitais e política é um casamento tenebroso».

Isabel Moreira, deputada do PS, fazendo-se ouvir de fora para dentro, disse mesmo em voz alta: “No dia em que a polícia pudesse pedir-me o telemóvel sem mandado judicial, eu preferia ser arrastada pelas ruas.” (in Visão).

Marques Guedes, presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, em declarações à Renascença, arrasou a proposta do Governo sobre a aplicação. Entre várias críticas sobre as dúvidas constitucionais, aquele deputado refere-se a uma lei que não poderá ter eficácia: «Para ter qualquer condição de eficácia seria necessário que houvesse uma obrigação legal, que não faz sentido nenhum, de as pessoas andarem com telemóvel. Mesmo as pessoas que têm telemóvel podem não andar com telemóvel, podem deixá-lo em casa. Não há nenhuma obrigação legal para que se ande, no dia-a-dia, com telemóvel”.

Lendo os sinais de Belém, da sociedade e do interior do próprio PS, o Governo – temendo um chumbo em toda a linha da sua proposta – recuou ou, por outra, activou a solução «b» em carteira.

Há uma grande diferença entre descarregar e usar efectivamente a aplicação. A eficácia do uso da aplicação depende, em grande medida, das chamadas «habilidades digitais básicas».

Por outro lado, será que as questões sobre privacidade podem ser consideradas menos urgentes em detrimento do contexto em si? Este é um ponto de discórdia.

De acordo com um artigo de opinião publicado no Jornal Médico: «É importante salientar que a aplicação irá sinalizar a possibilidade e não o contacto de alto risco propriamente dito, definido pela Norma 015/2020». Ali se questiona também «o que deverá fazer um indivíduo assintomático quando é sinalizado pela aplicação de que teve um contacto de elevado risco? Não existem orientações.»

Defender a Constituição de Abril é denunciar os ataques aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. É denunciar a falta de investimento na Saúde (na contratação de profissionais), é denunciar os constrangimentos do acesso universal aos cuidados básicos de saúde. É exigir o direito à segurança e à saúde no trabalho. A proposta do Governo, sobre esta aplicação de telemóvel, esconde a incompetência política na gestão da pandemia e faz-nos recordar os versos de José Gomes Ferreira:

«Acordai/ acordai/ homens que dormis/ a embalar a dor (…)».

José Luz

Viva o 25 de Abril!

25_Abril

Carta aos deputados que invocam representar o povo trabalhador na Assembleia da República

É com um sentimento misto, de orgulho e de profunda tristeza, que – na passagem dos 44 anos da aprovação da Constituição Portuguesa – assistimos a ser posto à consideração dos deputados na Assembleia da República a renovação do Estado de Emergência, o qual suspendeu o direito à greve, o direito de reunião e o direito de resistência, aí inscritos.

Orgulho, por termos feito parte daqueles que, nesse ano de elaboração da Constituição, procuraram ser uma voz na Assembleia Constituinte do movimento de fundo que mobilizou todas as camadas da população trabalhadora, de Norte a Sul do país. Nos principais centros fabris e nas aldeias mais remotas eram desmanteladas as instituições da ditadura e criadas formas de organização autónoma, dos sindicatos livres e independentes às Comissões de Trabalhadores e Comissões de Moradores, das Unidades Colectivas de Produção às Cooperativas Agrícolas e de Distribuição. Continuar a ler