Putin continua a desmantelar as conquistas de Outubro

A 19 de Novembro, o Parlamento da Federação da Rússia adoptou um novo conjunto de alterações à legislação, em conformidade com as emendas à Constituição propostas por Putin, no passado mês de Janeiro.

A Lei federal sobre acusações judiciais foi modificada. Este conjunto de legislação visa a perda dos poderes dos juízes e a supressão dos Tribunais constitucionais das diversas regiões do país. A primeira emenda refere-se à comunidade profissional dos juízes, a qual já era dependente do Executivo. Com a lei alterada, os juízes ficam agora simplesmente agregados a esse Executivo. A segunda emenda é outro golpe contra a organização constitucional da Rússia. De acordo com a Lei, a Rússia é uma federação, o que significa uma união de regiões iguais em direitos. Actualmente, existem 85 regiões. A supressão dos Tribunais constitucionais irá afectar principalmente as Repúblicas nacionais, onde eles são mais solicitados, devido aos direitos suplementares das minorias nacionais.

O próprio conceito de “minoria nacional” está ausente da legislação russa, e a Declaração dos Direitos do Homem – em termos de direito à autodeterminação dos povos – foi posta em causa por Putin. No novo projecto de Constituição este direito deixará de existir. Há 22 Repúblicas nacionais na Rússia, além da Crimeia (território em litígio com a Ucrânia – NdT), cada uma tendo a sua própria Constituição. Em geral, ela legaliza duas línguas do Estado no território da República: a Russa (federal) e a língua da população local. De igual modo, nas Repúblicas locais, a protecção da cultura nacional de uma minoria nacional pode ser estipulada.

Cada Tribunal constitucional é responsável por monitorizar a aplicação da Constituição local – nomeadamente a igualdade das línguas e a ausência de discriminação sobre a base da língua – mas, em contrapartida, esse Tribunal depende do poder executivo local. Em particular, na região de Chelyabinsk, a 1 de Março de 2014, por decisão do Governador, o Tribunal constitucional local foi abolido em razão do conflito, pois esse Tribunal tinha anteriormente declarado ilegal a decisão do Governador.

Há três anos, o Parlamento federal adoptou alterações à Lei sobre a Educação, que proibiam, de facto, o estudo obrigatório das línguas dos povos da Federação Russa. Desde então, os professores das línguas nacionais já não as ensinam por falta de procura.

Por outro lado, o Conselho de pais da cidade de Yoshkar-Ola (a capital da República de Mari El) dirigiu-se a Putin, numa carta em que se queixava de que os seus filhos tinham sido forçados a aprender a língua Mari. É de notar que as organizações chamadas “comités de pais” ou “reuniões de pais” são controladas por militantes clericais e ultra-conservadores. Em particular, eles opõem-se à Justiça para os menores e ao aborto, e são a favor das leis homofóbicas. Após esta carta, o Kremlin decidiu que as línguas locais deixavam de ser obrigatórias, o que significa que não são financiados pelo Orçamento, e portanto o seu ensino já não é gratuito.

A maioria dos habitantes das Repúblicas nacionais são forçados a partir para trabalhar fora da sua região, nas grandes cidades, e são condenados a esquecer a sua língua natal. Isto é também muito mau para a igualdade das línguas no seio das Repúblicas. Muitas das vezes, as indicações e os anúncios nos locais públicos existem apenas em Russo. E também, com a abolição da aprendizagem das línguas na escola, a linguagem escrita literária (a qual, na maioria das vezes, foi criada graças à política nacional de Lenine, na década de 1920) dos povos da Rússia está votada à extinção.

O terceiro golpe (do projecto de Constituição) é o mais terrível. Trata-se da abolição das Repúblicas nacionais, como última garantia de preservação pela sociedade das culturas nacionais. Mas será que as culturas nacionais das próprias 22 Repúblicas ficam asseguradas a partir de agora? De acordo com o Atlas das línguas do mundo que estão ameaçadas, editado pela Unesco, das 22 línguas nacionais das Repúblicas russas só a língua Tártara é ensinada, estando as outras à beira da extinção ou, então, em curso de ter uma utilização limitada.

A base principal da consciência nacional de si próprio é também o conhecimento da História do seu próprio povo; mas, na Rússia, a disciplina de História ensinada na escola é apenas a História da etnia russa. A História dos Estados e dos povos que faziam parte do Império Russo ou que foram conquistados por ele não faz parte dessa disciplina (…).

É, de facto, a continuação do desmantelando das conquistas de Outubro, que o imperialismo russo tem muita pressa de enterrar definitivamente.

Análise de Anton Poustovoy, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 634, de 9 de Dezembro de 2020, do Partido Operário Independente de França.