A 7 de Agosto, em Bogotá, tomou posse Gustavo Petro, eleito na segunda volta das eleições presidenciais colombianas de 19 de Junho.
Este é sem dúvida um acontecimento histórico, pois foi a primeira vez – desde a independência da Colômbia, há dois séculos – que um Presidente, que reclama ser defensor dos trabalhadores e dos camponeses, chega ao poder.
A vitória eleitoral esteve directamente relacionada com a explosão social, que começou em 28 de Abril de 2021, contra a reforma fiscal implementada pelo governo do anterior Presidente, Iván Duque.
No seu discurso de posse, proferido na praça central de Bogotá (1), Gustavo Petro – sob os aplausos da multidão – insistiu nas seguintes questões:
É preciso acabar com a violência, que é o produto da política “antidroga” ditada pelos EUA. Oitocentos mil Colombianos morreram, nos últimos quarenta anos, numa guerra civil que não diz o seu nome. Petro insistiu que o Estado colombiano também tem sido responsável.
As enormes desigualdades sociais do país devem ser superadas: 10% da população possui 70% da riqueza. É necessária uma política de “redistribuição da riqueza”, o que significa fazer pagar mais aqueles que mais possuem.
Petro dirigiu-se ao FMI para que este aceite uma redução da Dívida pública da Colômbia.
Estas são, sem dúvida, boas intenções, mas que não podem esconder o facto de que a oligarquia que controla as instituições do país – nomeadamente o Exército, a Polícia e o Poder judicial – está ligada ao tráfico de droga, com laços mais do que estreitos com os monopólios imperialistas.
A Colômbia continua a ser um “porta-aviões” dos EUA. Sete bases norte-americanas estão instaladas no país, nomeadamente para ameaçar a Venezuela. Neste sentido, o restabelecimento de relações amigáveis com os países vizinhos é uma aspiração do povo colombiano.
O novo Governo da Colômbia está confrontado a enormes desafios. O interesse dos trabalhadores – da maioria oprimida nesse país e em todos os outros países da América Latina – é que o Governo avance na direcção certa.
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(1) Gustavo Petro ordenou que a espada do libertador Simon Bolívar fosse exibida no palco da concentração popular. Simon Bolívar foi o principal líder da luta pela independência da América Latina em relação à Monarquia de Espanha, no início do século XIX. O actual Rei de Espanha, Felipe VI, que foi convidado, cometeu a grosseria de permanecer sentado, durante esta cerimónia. O Rei de Espanha não é apenas um herdeiro do Franquismo, é um herdeiro da opressão colonial da Monarquia espanhola sobre os povos do continente americano.
Crónica de Andreu Camps, publicada no semanário francês“Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 719, de 18 de Agosto de 2022, do Partido Operário Independente de França.
Gustavo Petro e de Francia Marquez comemorando vitória da coligação Pacto Histórico.
A vitória de Gustavo Petro e de Francia Marquez da coligação Pacto Histórico – 50,4% dos votos contra 47,3% do direitista Rodolfo Hernández – na 2ª volta das eleições presidenciais na Colômbia, a 19 de Junho, é o resultado directo das grandes mobilizações (em particular, a do “Paro Nacional” de Maio-Junho de 2021), que, em plena pandemia, colocaram contra as cordas o governo de Duque e abalaram os partidos tradicionais da burguesia local.
Esse resultado é também uma derrota do imperialismo dos EUA, cujos governos – dos Democratas ou dos Republicanos – fizeram da Colômbia um “porta-aviões” dos seus interesses na região. O país – membro da OCDE e aliado da NATO, sob pretexto do combate ao narcotráfico – tem sete bases militares dos EUA no seu território, do qual partiram, por exemplo, ameaças recentes de intervenção militar na vizinha Venezuela.
Enormes desafios
Nada será fácil para que Petro e Francia (a primeira Negra a ocupar a vice-presidência) governem de acordo com os interesses da maioria explorada e oprimida do povo colombiano.
Os problemas estruturais do país são similares aos do Brasil e de outros países vizinhos: uma desigualdade social brutal, aumento da miséria e do desemprego, uma elite predatória, racista e
vendida ao imperialismo. Some-se a isto a violência, herdada de décadas de “guerra suja” contra as guerrilhas, continuada por grupos paramilitares que contam com cumplicidade no interior das Forças Armadas.
Derrota do Regime pró-EUA tem impacto em toda a América Latina
Reforma Agrária, concluir o processo de paz com a guerrilha (interrompido no governo de Duque), retomar a actividade económica produtiva no país para criar empregos – foram as
prioridades anunciadas por Petro na campanha. Mas, para que o seu Governo – como disse Francia Marquez na comemoração da vitória – “seja o Governo dos que não são ninguém, da dignidade e da justiça social”, será preciso que se apoie permanentemente na mobilização popular e nas organizações do povo trabalhador, fugindo do impossível consenso com os seus inimigos históricos. É o que esperam os povos de toda a América Latina.
Crónica da autoria de Lauro Fagundes no jornal “O Trabalho” – cuja publicação é da responsabilidade da Secção brasileira da 4ª Internacional (corrente do Partido dos Trabalhadores do Brasil) – edição nº 902, de 20 de Junho de 2022.
No cartaz está escrito: Se um povo protesta e marcha em plena pandemia, é porque o seu Governo é mais perigoso que o vírus.
Nos últimos 15 dias, a Colômbia tem sido abalada por uma profunda mobilização das massas populares, as quais enfrentam uma severa repressão policial-militar do governo de direita de Iván Duque – um homem do “uribismo” (de Álvaro Uribe, ex-presidente e mentor do actual presidente) – que tem seguido as políticas dos seus antecessores, transformando a Colômbia numa base de operações do imperialismo norte-americano, quer para atacar a vizinha Venezuela, quer como um modelo para outros governos reaccionários da região, tais como o de Bolsonaro no Brasil.
O detonador da revolta popular foi o apelo a uma greve nacional, no dia 28 de Abril, por parte de três confederações sindicais – CUT, CTC e CGT – e da Federação de Professores (Fecode), a que se juntaram organizações estudantis, os Indígenas Minga (1) e outras organizações populares, contra a proposta de “reforma fiscal” do Governo que visava aumentar os impostos (19% no IVA) sobre os produtos de primeira necessidade, as taxas dos serviços públicos e os combustíveis, fazendo recair sobre a população os custos da crise económica (uma queda de 6,8% do PIB), num país onde há um desemprego de 16,8%, e metade da população no sector informal e na pobreza.
A “greve nacional”, com concentrações, bloqueios e marchas por todo o país, prosseguiu e marcou o dia 1º de Maio, forçando Duque a retirar a sua proposta de reforma, juntamente com a demissão do ministro das Finanças, a 3 de Maio, o qual disse não querer ser um obstáculo a uma “solução consensual”. Mas as ruas continuavam a inflamar-se contra a repressão violenta que já causou mais de 30 mortes, 79 detenções e 200 pessoas desaparecidas.
Uma vez acabado o pânico da pandemia, os protestos regressaram às ruas
De Maracaibo (Venezuela) estabelecemos um diálogo com militantes colombianos. José Arnulfo Bayona, da Rede Socialista, enviou-nos um artigo onde diz: “O povo compreendeu que a reforma Uribe-Duque foi um assalto (…); por essa razão e contra todas as expectativas, ele juntou-se em massa na «greve» nacional de 28 de Abril. O desespero de saber que uma tal reforma iria aumentar o seu sofrimento, conduziu-o a superar o pânico da pandemia, não dando ouvidos à propaganda suja dos meios de Comunicação social, que visava culpar os convocadores da iniciativa pelos futuros contágios. O povo desobedeceu à «sentença» autoritária de uma juíza do Tribunal de Cudinamarca – que ordenava ao Governo nacional, bem como aos governadores regionais e locais que proibissem as manifestações – e saiu para as ruas, as estradas e as praças públicas, em todo o país (…).
De acordo com o balanço da organização da greve, mais de 7 milhões (2) de trabalhadores, camponeses, mulheres, pensionistas, jovens, motoristas de táxi, camionistas, mineiros, estudantes, médicos, enfermeiros, Negros, povos indígenas, ambientalistas, feministas, defensores dos direitos humanos, comerciantes, donos de pequenas e médias empresas, levantaram as suas vozes contra a reforma fiscal e o Regime inepto, incapaz, injusto e corrupto de Uribe e do seu actual presidente (…). Eles disseram estar fartos do genocídio e do terrorismo de Estado, da exterminação dos povos indígenas, de camponeses e de ex-combatentes das FARC, da pilhagem dos recursos de Saúde pública; disseram não à reforma fiscal, não às reformas do trabalho e das pensões, exigiram um rendimento mínimo para milhões de famílias afundadas na pobreza, bem como vacinas grátis imediatas para toda a população.”
Pelo seu lado, Ricardo Sanchez Angel, professor na Universidade Nacional, escreveu a 5 de Maio: “Todos eles, na sua maioria jovens, têm afirmado a sua dignidade e beneficiam da solidariedade dos adultos das suas famílias, que também participam nas manifestações. «Apenas a luta nos fará livres e felizes», tal é a convicção de uma juventude privada de futuro, sem oportunidades, sem educação de qualidade e gratuita para todos, sem garantia de direito à saúde. Encurralada, sem saída, no desastre da civilização capitalista.”
O COMITÉ NACIONAL DE GREVE APELA À REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIAS POPULARES, SINDICAIS E ASSOCIATIVAS
Em Cali, a segunda maior cidade do país, os delegados dos pontos de concentração e de bloqueio da Greve Nacional reuniram-se em assembleia, a 6 de Maio, na Universidade de Valle. Depois de constatarem que não há uma liderança unificada da greve, tomaram as seguintes decisões: “Denunciar a campanha de desinformação contra as causas e os actores da greve nacional, que a ditadura Uribe-duquista e as chefias militares atribuem a frentes de guerrilha, a vândalos e outros bandos criminosos (…); convocar assembleias populares, em todos os pontos de concentração e de bloqueio, que culmine numa grande assembleia inter-municipal que irá elaborar um guião de luta unido, programático e democrático.”
A 9 de Maio, o Comité Nacional de Greve (CNG) reuniu-se na capital, Bogotá, com delegados dos comités regionais e decidiu apelar a uma nova mobilização nacional, a realizar em 12 de Maio, “para rejeitar a militarização, as mortes, os prisioneiros e as pessoas desaparecidas devido à violência policial, e exigir um processo de negociação das exigências dos sectores mobilizados”. Foi decidido também realizar “assembleias populares, sindicais e associativas para informar, ajudar a dirigir e reforçar a greve nacional”.
A 10 de Maio, sem que a mobilização tivesse sido interrompida, o Governo recebeu uma delegação do CNG. Nada de concreto saiu dessa reunião, excepto a declaração tardia de que o Governo estaria disposto a negociar.
A 11 de Maio, Duque viajou para Cali onde, no domingo, dia 9 de Maio, a Polícia tinha estado a proteger civis armados, os quais estavam a disparar sobre os indígenas que bloqueavam as ruas em bairros ricos da cidade.
Toda a solidariedade para com a luta do povo colombiano, exigindo o respeito do direito de manifestação e o fim da repressão.
Em vários países já estão a decorrer meetings e manifestações, e essas iniciativas devem ser intensificadas, porque a luta do povo colombiano é a luta de todos nós.
Alberto Salcedo, de Maracaibo (Venezuela)
11 de Maio de 2021
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(1) Minga é um termo de origem quíchua que significa a organização conjunta de pessoas e de recursos, a fim de alcançar um objectivo comum. No contexto actual, a Minga é uma organização de luta e defesa de direitos na Colômbia (NdR).
(2) A Colômbia tem uma população de cerca de 50 milhões de pessoas.
Análise publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 655, de 19 de Maio de 2021, do Partido Operário Independente de França.