Ambiente: a miragem da “transição justa”

A COP26 em Glasgow deu lugar a uma enxurrada de comunicações e anúncios. Tratou-se de um “ponto de viragem para a humanidade”, de acordo com o Primeiro-ministro britânico Boris Johnson.

Mas, se há algo a ser recordado da Cimeira, é a demonstração de que a finança privada está supostamente a “reverdecer”, para estar “no centro da transição energética”, num cenário de milhões de empregos a serem destruídos e de milhares de milhões de euros a serem embolsados pelos capitalistas.

E também os apelos ao consenso em torno de uma chamada “transição justa”, vindos de vários quadrantes. No entanto, nada foi resolvido… As realidades são mais fortes do que os discursos que lançam ilusões.

O trabalho de base foi feito na Conferência da OIT

A Conferência internacional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) adoptou, a 17 de Junho, uma “Resolução respeitante a um apelo mundial à acção para uma retoma centrada nas pessoas – que seja inclusiva, durável e resiliente – para sair da crise provocada pelo Covid-19”.

Entre as recomendações da Resolução, destacam-se o “aproveitamento das oportunidades oferecidas pelas transições digitais e ambientais justas”, como é o caso do desenvolvimento do teletrabalho.

Guy Ryder, Director-Geral da OIT (Le Monde, 22 de Outubro), martelou: “Precisamos de um consenso social para que a transição seja bem sucedida.”

E acrescentou: “No entanto, um elemento essencial para o sucesso da transição ecológica é a descarbonização da economia, porque os custos sociais podem ser elevados. Se a informação não for feita antecipadamente, as populações reagirão de forma negativa e essa transição será bloqueada. É necessário um consenso social para que isto seja bem sucedido. Sem medidas de acompanhamento fortes, as situações no terreno podem tornar-se dramáticas.”

É um dado adquirido por todos os apoiantes do consenso: o capital deve restaurar as suas margens de lucro, beneficiar de milhares de milhões em subsídios, enquanto os trabalhadores e os povos pagarão um preço muito elevado, ficando os governos responsáveis por assegurar a “aceitabilidade social” dos planos.

Quanto aos danos sociais, eles já estão em curso: segundo a OIT, foram perdidos 125 milhões de empregos desde o início de uma crise da qual o Covid19 é apenas um acelerador, mas de forma alguma a causa profunda.

Uma Declaração para “apoiar as condições para uma justa transição à escala internacional”

Catorze governos, incluindo os da França, Alemanha e Estados Unidos da América, bem como a Comissão Europeia, assinaram esta Declaração, a 4 de Novembro, no decurso da Conferência de Glasgow (1)… que se baseia em textos da OIT.

Ficamos também a saber que “o texto desta Declaração foi preparado em estreita colaboração pela Direcção do governo britânico que tem a cargo a Transição Justa, a CSI (Confederação Sindical Internacional), a IndustriALL Global Union e a IndustriALL Europe” (2). Portanto, uma co-escritura entre os organismos sindicais internacionais mencionados e os governos.

Eles querem que acreditemos que existem garantias; mas, na realidade, não existe um verdadeiro compromisso.

Por exemplo, lemos que os signatários “apoiam os trabalhadores na transição para novos empregos”, “apoiam e promovem o diálogo social e o envolvimento das partes interessadas”,  implementam “as suas estratégias económicas conducentes ao desenvolvimento sustentável, incluindo o apoio aos países dependentes dos combustíveis fósseis para diversificar as suas economias”, e promovem “a criação de empregos locais, inclusivos e decentes, a fim de evitar a externalização dos novos empregos verdes”.

Destruição de empregos

A questão-chave é outra. A reestruturação mundial em curso do capital e as suas modalidades tornam-se um objectivo partilhado… e as suas consequências, também consideradas inevitáveis, são avaliadas através do “diálogo social”, a fim de definir conjuntamente as modalidades de implementação.

IndustriALL vê isto como “uma grande vitória para nós”. A Secretária-Geral da CSI, Sharan Burrow, também deu o seu apoio a esta Declaração (3). E ela acrescentou: “A África do Sul é um modelo a seguir por outros governos”…

Uma “Parceria Internacional para uma Transição Justa” foi assinada com o governo de Ramafosa (Primeiro-ministro da África do Sul), decorrente da Declaração anterior. Mas a União Nacional dos Trabalhadores Mineiros (Num) e a União Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos da África do Sul (Numsa) são críticas, para dizer o mínimo: duzentos mil empregos estão em jogo, num país onde três quartos dos jovens estão desempregados. Um modelo a seguir? De verdade?

Sharan Burrow acrescentou: “Entre os governos com planos de transição credíveis incluem-se: a Argentina, a União Europeia (UE), a Alemanha, o Quénia, os Países Baixos, a Noruega, a Espanha e o Suriname.”

Para a UE, fiquemos descansados, é a instituição BlackRock – o maior Fundo especulativo do mundo – que irá aconselhar a União Europeia para a promoção do “financiamento sustentável” no continente. E para a França, entre outras coisas, o Plano europeu inclui uma exigência de reforma das pensões de aposentação, a fim de reduzir os défices “estruturais” causados pelos subsídios dados com vista à transição verde.

Expandir o reino de especulação

As finanças decidiram “tornar-se verdes” para sugarem milhares de milhões em subsídios públicos. De acordo com a revista Capital (6 de Outubro), fala-se de 1 milhão de milhões em dez anos, através do Banco Europeu de Investimento, “chamado a tornar-se o banco do clima” (sic).

O jornal Le Figaro (1 de Outubro) salienta: “As valorizações de algumas empresas da economia verde estão a atingir novos picos. (…) O dinheiro está a entrar a jorros em finanças verdes. Os activos dos Fundos especializados cresceram um terço em cinco anos, atingindo 35 milhões de milhões de dólares, de acordo com o Banco das Compensações Internacionais (BCI). Eles representam, actualmente, mais de 35% dos activos sob gestão em todo o mundo. E espera-se que esta tendência se torne ainda mais forte.”

É neste contexto que a iniciativa da Glasgow Financial Alliance for Net Zero (Gfanz) deve ser colocada. “A finança mundial está a mobilizar-se para o clima”, regozija-se o jornal patronal francês Les Echos (3 de Novembro). Mais de 450 instituições financeiras de 45 países, representando 130.000 mil milhões de dólares em activos, juntaram-se ao Gfanz. Segundo esse jornal, “só o sector financeiro tem capacidade de deslocar os fluxos de financiamento das indústrias poluidoras para uma economia sustentável”. Um jackpot estimado pelo mesmo jornal em 100.000 mil milhões de dólares durante as próximas três décadas, à escala mundial.

Tudo é bom para justificar novas áreas para especulação: direitos a poluir, compensações por destruição, reflorestação, taxação do carbono, obrigações verdes. Basta pôr um preço na Natureza, que se tornou “capital natural”.

De acordo com o economista Benjamin Coriat, “as finanças criaram produtos que são supostos oferecer compensações ambientais que se trocam, que são negociados. Mas trata-se apenas de produtos financeiros, sem qualquer realidade por detrás deles”. O mercado da reflorestação está agora inundado de dinheiro, e algumas das árvores são agora virtuais (4).

Predação

A energia eólica é particularmente lucrativa para os “investidores”. É por esta a razão pela qual foi elevada ao pináculo das energias renováveis? O exemplo do parque eólico da Baía de Saint-Brieuc, contra o qual os pescadores estão a lutar, é ilustrativo.

Foi concedida uma concessão de vinte anos pelo Estado à empresa Ailes Marines, uma filial do Grupo Iberdrola. Mas trata-se de uma operação para acentuar a desregulamentação do serviço público de electricidade, quebrando o monopólio de que a EDF há muito gozava, o qual dava a garantia de igualdade de acesso a este serviço público. E, para além disso, é a privatização de uma parte do espaço público marítimo.

E o Estado garante à empresa Ailes Marines uma renda de pelo menos 4,7 milhões de euros, graças a um preço de compra garantido da electricidade por ela produzida, bem acima do preço médio de produção, para trabalhos estimados em 2,3 mil milhões de euros. Trata-se da electricidade mais cara da Europa e, além disso, “o equilíbrio ecológico dos ventos offshore é desastroso. Mas isso dá dinheiro”, segundo o presidente de uma Associação que se opõe ao projecto (5).

É de admirar que o presidente socialista do Conselho regional da Bretanha apoie o projecto a 100%… tal como o candidato ecologista, Jadot (6)? Para eles, o serviço público pertence ao passado.

Aquecimento nas casas, um luxo?

Em França, a primeira “Jornada Nacional da Precariedade Energética” teve lugar a 10 de Novembro. Foi revelado que doze milhões de Franceses sofrem com o frio e, sem surpresa, que isso favorece o desenvolvimento de doenças respiratórias crónicas; 53% dos agregados familiares são obrigados a restringir o seu consumo de energia a fim de limitar a factura a pagar.

Não há nenhum mistério nisto. A tarifa de gás regulamentada em França aumentou 57% para as famílias desde 1 de Janeiro. A electricidade está a seguir o mesmo caminho: passou de 120 euros por megawatt/hora a 190 euros, em dez anos.

E isto é apenas o começo: a loucura das tarifas é organizada de acordo com os mecanismos do “mercado” europeu. O preço da energia é fixado pela última componente posta no mercado, ou seja, a menos eficiente, e portanto a mais cara; e, por isso, ele depende directamente do aumento do preço do gás. Mecanicamente, o preço é fixado no preço de revenda mais elevado. No total, o preço da electricidade tornou-se um empilhamento de mecanismos bolsistas… E temos de pagar pelos lucros dos “investidores” em energias renováveis (a mal denominada “contribuição de serviço público” que figura na factura de electricidade).

As facturas da electricidade vão ter aumentos astronómicos em 2022, e isso não vai parar. Alguns vêem-no como uma forma de combater os gases com efeito de estufa: aquecimento central para os ricos e frio para os restantes?

Temos direito a viver!

Há três anos, os “Coletes amarelos” ocuparam as ruas e as rotundas para se oporem à “taxa de carbono” introduzida em nome do financiamento da “transição energética”. Não há inevitabilidade para a explosão dos

preços da energia, pois isso decorre da privatização e das rendas que são pagas ao capital. Os “Coletes amarelos” tinham razão. O Governo teve de recuar na implementação da taxa, que permanece em fase de preparação.

A verdadeira face da “transição energética” está a tornar-se cada dia mais clara: destruição de empregos, especulação, privatização e predação da Natureza… Mas não certamente a protecção da humanidade em relação às desregulamentações ambientais.

A dúvida está a ganhar terreno, como vimos entre os manifestantes em Glasgow, os quais, no entanto, depositavam esperanças na COP26:

“Neste momento, a COP26 é uma feira de negócios. Estou a manifestar-me porque o que está em jogo é o futuro dos nossos filhos. Podemos ver como as alterações climáticas já nos estão a afectar; por isso, imaginem o que nos irá acontecer dentro de cinquenta anos, se os governos continuarem a agir para salvaguardar os interesses dos ricos.” E outro manifestante declarou: “Estamos aqui para alertar as pessoas para o facto de os mega-projectos de mineração e de energia eólica, de empresas francesas ou espanholas, estarem a destruir os nossos territórios. As nossas terras estão a ser militarizadas e exploradas em nome do capitalismo verde (7).”

O capitalismo não pode ser reorganizado, tem de ser combatido. E isso começa com a defesa dos nossos empregos, dos nossos salários, das nossas pensões de aposentação, dos serviços públicos, das regras de higiene, de segurança e ambientais, da nossa saúde.

Eles têm medo da reacção dos povos do mundo. E têm razões para isso!

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(1) Os signatários são o Reino Unido, a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca, a França, a Alemanha, a Grécia, os Países Baixos, a Nova Zelândia, a Noruega, a Espanha, os EUA e a Comissão Europeia.

(2) IndustryAll é a federação internacional de sindicatos da indústria.

(3) Sítio web da CSI. Declaração de 10 de Novembro.

(4) Mediapart, 5 de Fevereiro de 2020: “Reflorestamento, tigre virtual, mercado do carbono: as miragens da finança verde”.

(5) “Parque eólico na Baía de Saint-Brieuc: as razões para a revolta”. France 3, Regiões, 2 de Maio de 2021.

(6) Le Télégramme, 6 de Setembro.

(7) Mediapart (6 de Novembro): “COP 26, em Glasgow, a juventude enfurecida contra a inacção climática”.

Crónica de Jacques Diriclet, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières”Informações operárias – nº 681, de 17 de Novembro de 2021, do Partido Operário Independente de França.

Cimeira do Clima

Perante a “lavagem ao cérebro” sistemática que as instituições do imperialismo e os seus órgãos de Comunicação social estão a fazer – reforçada agora com a realização da Cimeira do Clima – pareceu-nos importante publicar esta análise dos nossos camaradas do Partido Operário Socialista Internacionalista, secção espanhola da 4ª Internacional.

COMO USAR A DESCULPA VERDE PARA JUSTIFICAR OS ATAQUES DO IMPERIALISMO

A Cimeira das Alterações Climáticas, que está a ter lugar nestes dias em Glasgow, é um novo escândalo da chamada “economia verde”. Glasgow já foi um dos centros industriais do mundo, e o que resta não é nem sequer uma sombra disso. Na Cimeira não irão discutir a reindustrialização, mas sim como prolongar esse desastre.

O drama está encenado: “O resultado da Cimeira determinará, em grande medida, como é que os 7 mil milhões de seres humanos sobreviverão, num planeta mais quente, e se se podem poupar as gerações futuras a níveis piores de aquecimento.”

“A temperatura média global subiu mais de 1 grau desde o início da Revolução Industrial. O consenso científico diz que, se subir agora 1,5 graus, aumentará significativamente o risco das piores catástrofes climáticas, com as inerentes sequelas de fome, doenças e conflitos.”

Mas o cinismo também está montado, pois o “consenso político” das multinacionais é contra as exigências dos dados científicos. A China acaba de anunciar que os seus planos de emissão de gases vão continuar como dantes. Mas o vídeo que Xi Jinping enviou para a Cimeira não falará seguramente sobre isto e propagandeará os seus alegados planos. Biden será o grande líder da Cimeira, mas os EUA – tal como a Rússia, a Noruega e a Grã-Bretanha, anfitriã da Cimeira –, de acordo com o New York Times, “irão aumentar drasticamente a sua produção de petróleo, gás e carvão nas próximas décadas”. O cinismo é completado pelo regateio de esmolas que as grandes potências vão dar aos países atrasados para compensar o aumento de gases poluentes que as multinacionais estão a produzir neles. E que, depois, tão pouco costumam pagar.

Todos os dias os meios de Comunicação social, os governos e as instituições internacionais ao serviço do capital financeiro bombardeiam-nos com estes dados. Entrámos numa espiral para ver quem mais exagera sobre os perigos que nos esperam.

Defendemos a Ciência e o método científico. Mas o imperialismo utiliza também os cientistas no seu interesse. O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre as Alterações Climáticas (IPPC) nunca dirá que certos sectores devem ser nacionalizados, que há que pôr fim à exploração, às guerras e ao armamento. Nunca dirá que os responsáveis são as multinacionais, que há que acabar com o capitalismo.

O que o IPPC e a ONU fazem é atribuir a culpa às pessoas e, portanto, fazê-las pagar pelos seus pecados. Há que comer menos carne – na Índia, apenas 6% das pessoas comem carne vermelha e, em Espanha, a maioria das pessoas não pode sequer comer carne vermelha uma vez por semana – há que pagar por poluir (electricidade cara, portagens de auto-estrada, etc.).

Confiamos na evidência científica e, por isso, analisamos e denunciamos a vasta operação de mistificação que está a ser preparada, a fim de procurar o apoio da população – e o consenso das organizações operárias – às “necessárias e dolorosas” transformações que estão a ser preparadas. Para a o bem do nosso planeta, segundo nos dizem, há que desmantelar a grande maioria das indústrias, fechar as minas, perder centenas de milhares de empregos bem pagos e com direitos, e inclusive renunciar a pretensos luxos como o consumo de carne.

Algumas das consequências destas transformações que estão a ser preparadas, já as estamos a sentir. Por exemplo, o desproporcionado aumento do preço da electricidade – causada, entre outras coisas, pela eliminação da produção em centrais térmicas de carvão e pelo aumento dos preços do gás. Aumento que é devido ao aumento da procura, mas também ao aumento dos direitos de emissão de CO2 (Antes da pandemia COVID-19, o contrato de emissão de carbono rondava os 20 euros por tonelada; em Dezembro de 2020, superou pela primeira vez os 35 euros; e, no passado mês de Agosto, atingiu os 55,72 euros por tonelada de CO2). A vice-presidente do governo e ministra para a Transição Ecológica e Desafio Demográfico, Teresa Ribera, não defende o meio ambiente mas sim os planos, supostamente ecológicos, das multinacionais. Está a preparar um novo plano para a electricidade, que tem uma condição prévia: que garanta mais lucros às companhias eléctricas do que o descarado sistema actual.

As centenas de milhares de pessoas das classes trabalhadoras que vão passar frio este Inverno por não poder pagar a factura da electricidade, os trabalhadores das indústrias “electro-intensivas”, que estão a ser ameaçadas de encerramento, não podem aceitar a chantagem que enganosamente finge colocar as suas necessidades básicas em confronto com a defesa do planeta.

Todos “ecologistas”?

Ao mesmo tempo, cada vez mais organizações e partidos – incluindo os que afirmam representar a classe operária – declaram-se “ecologistas” ou “eco-socialistas”. A este respeito, é preciso lembrar que a Ecologia é uma ciência, mas a Ecologia política é uma corrente ideológica, E, portanto, não científica.

É inegável que os desequilíbrios climáticos se têm agravado nos últimos anos. Mas a atitude geral daqueles que se reclamam da Ecologia política é de responsabilizar os seres humanos pelos problemas climáticos e os danos do meio ambiente, numa grande campanha de culpabilização. Ao contrário, nós não responsabilizamos os seres humanos, mas sim o sistema capitalista. Porque não são os seres humanos que tomaram as decisões que nos conduziram a esta situação, mas antes a minoria capitalista, que mantém a propriedade privada dos meios de produção e que, na crise da sua agonia, multiplica a destruição. Só o socialismo poderá pôr fim às consequências destrutivas do capitalismo sobre o meio ambiente.

Evidentemente, isto não significa que defendamos que não haja nada a fazer daqui até à instauração do socialismo. Mas é necessário não nos enganarmos sobre qual é o inimigo. O responsável é o capital e não o ser humano.

São muitas as fábricas que poluem. Existem meios técnicos para reduzir essa poluição, mas isso significa fazer investimentos dispendiosos, e o capital não tem nenhum interesse nisso, a fim de preservar os seus lucros. Se a legislação ambiental o aperta, prefere deslocalizar a produção. Por exemplo, ao mesmo tempo que se encerra a Central térmica de As Pontes, na Corunha, uma multinacional francesa abre uma nova Central térmica a carvão em Safi (Marrocos), com uma potência de quase 1.400 megawatts (MW), mais do que qualquer Central nuclear espanhola e praticamente igual à de As Pontes, e com um custo de produção 50% mais baixo por MW. Não admitimos quaisquer encerramentos, nenhum despedimento com base numa suposta defesa do meio ambiente. E ainda menos quando o fazem com promessas de empregos alternativos que nunca chegam, como no caso das Astúrias, Leão, Galiza ou Teruel.

A população não é responsável

Quem é o responsável pela explosão que ocorreu em 2020 na plataforma petroquímica IQOXE em Tarragona, na qual morreram três pessoas? A população de Tarragona ou os patrões que não respeitam normas mínimas de segurança?

Não foram todos os governos, desta ou daquela cor política, que desenvolveram políticas de encerramento das linhas ferroviárias, de eliminação de comboios, de destruição da RENFE (Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles), em benefício das grandes empresas de transporte rodoviário, quatro vezes mais poluentes que os comboios?

Quem é o responsável pelo facto de cada vez mais habitantes deste país, sobretudo nas zonas rurais – confrontados com a desertificação médica, o encerramento dos serviços públicos e das agências bancárias, ou a supressão de linhas ferroviárias secundárias – não tenham outra opção senão deslocarem-se no seu carro para o trabalho, para ir a uma consulta médica, ir receber o salário ou a pensão de aposentação, ou levar os filhos à escola?

Quem decidiu a deslocalização para a China e para o Sudeste Asiático, que levou ao desemprego milhares de trabalhadores em Espanha (veja-se, por exemplo, os sectores dos têxteis ou dos pequenos electro-domésticos), e que resultou na produção de quase tudo na China, e, portanto, com o transporte de todas essas mercadorias por meio de navios porta-contentores gigantes, que funcionam com um combustível de muito má qualidade, tóxico, e emitindo consideráveis resíduos poluentes? Milhares e milhares de porta-contentores gigantes sulcam os mares do planeta. Quem é responsável pela difusão do plástico na Natureza ou nos mares, senão as grandes empresas fabricantes de plástico que generalizaram o seu uso em todo o lado, inclusive para muitas coisas que não são necessárias?

Os seres humanos não têm nenhuma responsabilidade pelo facto de se verem obrigados a comprar esses produtos.

Quem é responsável pela criação dessas enormes explorações industriais com milhares de vacas ou das explorações avícolas, altamente poluentes e que privam a agricultura tradicional da maior parte do mercado, em detrimento da qualidade dos produtos? Quem é responsável pela desflorestação, especialmente na Amazónia? As populações indígenas – que vivem da caça e da colheita manual, e que cortam algumas árvores – ou os grandes trusts capitalistas que organizam a desflorestação em massa da floresta amazónica?

Consenso com o capital “em defesa do planeta”?

O que exprimimos acima explica porquê a luta pela defesa do meio ambiente exige o combate contra o capital. E é por isso que, quando se ouve Biden, Pedro Sánchez, o FMI, a União Europeia, a ONU (e o seu novo vídeo do dinossauro a falar na Assembleia-Geral) e aos grandes patrões – incluindo as empresas de energia – pronunciarem-se a favor de uma transição energética, não nos devemos deixar enganar. De facto, eles não se converteram à reivindicação do uso dos recursos naturais compatível com a sua preservação; pelo contrário, estão a utilizar esta questão com um único objectivo: reorganizar a produção de ramos inteiros, com centenas de milhares de despedimentos, com o objectivo de abrir novos mercados, como, por exemplo, o automóvel eléctrico, apesar de se saber actualmente que a produção de um carro eléctrico gera três a quatro vezes mais emissões poluentes e que não há capacidade para reciclar as baterias que eles utilizam. No total, a poluição causada pela vida de um automóvel eléctrico é semelhante à de um carro convencional.

Para conseguir estes objectivos, através de uma intensa propaganda, os governos e o capital procuram, em nome da protecção do Clima, criar um consenso que reúna governos, patronato, sindicatos, ONG, políticos, por um “capitalismo verde”, ou seja, para a defesa do Sistema capitalista repintando-o de verde.

Repitamo-lo uma vez mais: não há que apontar para o inimigo errado. A luta pela defesa do meio ambiente não pode ser separada da luta contra o capitalismo, e esta exige opor ao consenso a independência de classe e a luta de classes.

Publicado na Carta semanal do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção espanhola da 4ª Internacional), nº 859, de 1 de Novembro de 2021

A Cimeira do Clima e os carros eléctricos

A 31 de Outubro, 120 Chefes de Estado e de Governo reunir-se-ão em Glasgow, na Escócia, na Conferência COP26 da ONU (a chamada Cimeira do Clima) para reduzir as emissões poluentes.

Os ambientalistas pedem-lhes que também monitorizem a extracção de hidrocarbonetos “para os tornar mais conformes com as propostas de venda de mais carros eléctricos”. Por outras palavras, está em marcha uma campanha mundial para liquidar a actual indústria automóvel, com a União Europeia a exigir que, depois de 2030, não sejam vendidos mais automóveis a gasolina ou a gasóleo, em nome da redução das emissões de CO2 e de outros poluentes.

E, no entanto, as mesmas pessoas que pedem essa liquidação, estão a promover a produção de mais hidrocarbonetos e de emissões de gases: “Quinze países, incluindo os EUA, a Noruega e a Rússia propõem-se multiplicar dramaticamente a produção de petróleo, gás e carvão nas próximas décadas.” “Até 2030, espera-se que as nações do mundo irão produzir mais 24% de carvão, mais 57% de petróleo e mais 71% de gás natural do que o estipulado para limitar o aquecimento global a 1,5º.” (The New York Times, de 21/10/2021).

Por exemplo, o Governo britânico está a preparar um grande Plano para aumentar a produção de petróleo.

E, no entanto, em nome da redução das emissões de CO2, está a ser desmantelada a indústria automóvel, apresentada como o grande inimigo do Clima. Os ambientalistas – que promovem a venda de carros eléctricos – nunca explicam qual é o custo “ambiental” do carro eléctrico.

“Investigadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, concluíram que «só na fase de fabrico um veículo eléctrico consome três a quatro vezes mais energia do que um veículo convencional». No final, a pegada de carbono de um veículo clássico a funcionar com base no petróleo é quase equivalente à de um veículo eléctrico […]. «A produção de carbono de um veículo clássico – que circula com base no petróleo – é quase equivalente à de um veículo eléctrico […].» Portanto, para esses investigadores dos EUA, «os veículos eléctricos podem ser tecnicamente possíveis, mas a sua produção nunca será ambientalmente sustentável».” (A Verdade – revista teórica da 4ª Internacional, nº 109, Outubro de 2021, pg. 56)

Com este esquema de produção de “veículos não poluentes” pretendem eliminar quatro milhões de empregos na indústria automóvel europeia.

Por ocasião da Cimeira de Glasgow, os meios de comunicação social estarão empenhados numa grande campanha de propaganda visando desmantelar a actual indústria automóvel, sem efeitos significativos sobre o Clima. E o que dirão eles sobre o facto dos EUA, do Reino Unido e da Rússia irem aumentar a produção de petróleo e de gás? Irão apresentar, seguramente, como uma meia vitória da Cimeira estes países irem aumentar a produção de gases poluentes, mas um pouco menos do que aquilo que anunciaram?

Irá o governo progressista de Sánchez participar na farsa? Numa reunião internacional, a Vice-Presidente do Governo – Teresa Ribera, ministra para a Transição Ecológica e Desafio Demográfico – propôs-se ajudar as economias em desenvolvimento “a não cometerem os mesmos erros” na emissão de gases com efeito de estufa que antes foram cometidos pelas grandes potências. Mas não disse nada sobre as políticas dos EUA, da Inglaterra,…

Artigo de A. Zarra, publicado no periódico Información Obrera – Tribuna livre da luta de classes em Espanha – nº 363, de 28 de Outubro de 2021.