A “CRISE CRÓNICA” DO CAPITALISMO

Nas últimas semanas, houve o colapso de alguns grandes bancos (primeiro nos EUA e, em seguida, na Europa – Suíça e Alemanha). Divulgamos uma análise feita pelos nossos camaradas de Espanha, de 20 de Março, com o título «NÃO SE TRATA APENAS DE UMA NOVA CRISE BANCÁRIA, É A “CRISE CRÓNICA” DO CAPITALISMO».

Na sexta-feira passada, dia 10 de Março, o Silicon Valley Bank (SVB) fechou. Dois dias mais tarde, domingo 12 de Março, o Departamento de Serviços Financeiros de Nova Iorque (NYDFS) dos EUA fecha o Signature Bank, sobre o qual existem suspeitas de ocultação de informação. Outros bancos parecem aproximar-se perigosamente da mesma situação, tais como o First Republic Bank, o Western Alliance, o Metropolitan Bank ou o Customer Bancorp, cujas acções na Bolsa caíram mais de 60%. na segunda-feira dia 13. De novo um turbilhão de crises bancárias, fortes quedas nos preços das acções… e pânico geral.

O SVB especializou-se no financiamento de novas empresas tecnológicas (na sua gíria, start-ups), que têm tido grandes receitas, entre outras causas pelo enorme investimento de capital de risco que nelas foi feito. A enorme liquidez do banco (fala-se em 175 mil milhões de dólares) foi largamente utilizada para comprar títulos da Dívida pública, cujo preço se afundou pelo aumento brutal das taxas de juro impostas pela Reserva Federal. Quando os principais clientes do banco levantaram massivamente o seu dinheiro, o banco teve de vender os seus títulos, incorrendo assim em perdas inicialmente estimadas em 1,8 mil milhões de dólares. Mas a espiral já estava em marcha e os levantamentos de depósitos bancários aumentaram abruptamente, até 42 mil milhões, em dez horas (em 2008, foram retirados quase 17 mil milhões de dólares do Washington Mutual, mas em dez… dias).

Face a esta situação, outras fracções do capital procuram fazer negócios, tais como o banco britânico HSBC, que comprou por uma libra esterlina a filial do SVB no Reino Unido.

Como em outras ocasiões, a crise impulsionará a centralização do capital. A Administração dos EUA está a tentar reagir: “Estamos a tomar medidas decisivas para proteger a economia dos EUA, mediante o reforço da confiança pública no nosso sistema bancário”, afirmam, numa Declaração conjunta, Jerome Powell, Janet Yellen e Martin Gruenberg – respectivamente, presidente da Reserva Federal, secretária do Tesouro e presidente da Corporação Federal de Seguros de Depósitos (FDIC). Estas medidas são apresentadas com o objectivo de evitar “resgates e custos para os contribuintes” e cobrir os depósitos bancários superiores acima do limite garantido de 250.000 dólares. Mas são dotados de 25 mil milhões de dólares para isso com o Programa de Financiamento a Prazo do Banco.

Será esta resposta suficiente, e quais serão as consequências? Trata-se de uma crise pontual de um banco menor, sem grandes efeitos, ou poderá desencadear um cataclismo como o colapso do Lehman Brothers em 2008? Quem pagará a factura?

Se este novo episódio fosse o que a propaganda afirma, poderia ser debatido apenas enquanto tal. Mas temos que encará-lo como um novo episódio de uma crise muito mais profunda, que vem de um período tão distante que as suas origens remontam a antes da crise que eclodiu em 2007-2008.

É uma espécie de crise crónica do capitalismo, no sentido de uma sucessão de crises sem períodos expansivos intercalados entre elas, já desde a que irrompeu virulentamente no início dos anos 1970. Uma “crise crónica” directamente ligada à inevitável tendência à queda da força motriz da acumulação capitalista, que é a rentabilidade, tal como explica Marx no terceiro livro de o Capital (de cuja terceira secção, em particular, recomendamos vivamente a leitura), formulando-a como a “Lei da Baixa Tendencial da Taxa de Lucro” (LBTTL).

Por isso, é claro que este episódio poderá eventualmente ser travado pela acção do Estado, mas sem modificar as causas últimas que o explicam e que levam a discussão para outro terreno.

Porque houve esta falência e o que é que ela significa?

Acontece agora como em 2007, quando o incumprimento das hipotecas subprime (1) foi o detonador da crise, mas não a sua causa de fundo: a falência do SVB e as suas consequências não se devem simplesmente a problemas de liquidez devido à queda do valor de certos títulos, mas são muito mais profundas e certamente não se vão solucionar com uma intervenção pontual por parte do Governo.

Em primeiro lugar, há que considerar que este modelo de negócio bancário está ligado a um sector empresarial tão volátil e instável como o das startups e os Fundos de capital de risco (já se acumulam mais de 250.000 despedimentos desde finais de 2022). Perante as dificuldades de valorização do capital nas actividades produtivas de mais-valia, enormes massas de capital estão a ser investidas em actividades especulativas. A razão de fundo reside nos problemas de rentabilidade que Marx detectou (a LBTTL). Por isso mesmo, ele expõe-nas antes das questões financeiras, que não são a causa dos problemas, mas uma resposta às mesmas (a lei da rentabilidade acima referida), que é certamente desesperada. Razão pela qual é tão frágil a ideia da “financeirização” (injecção de dinheiro) que, se contivesse o colapso, tornaria possível resolver os problemas.

Tão frágil porque, mais uma vez, se apela para a ilusória ideia de um capitalismo bom, que seria viável limitando o capital mau (especulativo) e promovendo o capital bom (produtivo). Como se não existisse uma lógica geral que rege a acumulação de capital, presidida pela conformação do capital financeiro que integra todas as actividades possíveis de negócio, desde as produtivas até às especulativas, passando pelas comerciais, etc.

Em segundo lugar, assistimos à conivência dos Estados com estas práticas, proporcionando-lhes cobertura legal. Após a crise de 1929, Roosevelt promulgou a Lei Glass-Steagall para conter, até certo ponto, a especulação financeira. Mas em 1999 Clinton acabou com ela, com a Lei Gramm-Leach-Bliley e a nova lei que Obama promoveu em 2010, a Lei Dodd-Frank, foi tão modesta que não inverteu a situação.

Além disso, Trump modificou alguns aspectos na linha de uma maior desregulamentação. Por isso, o SVB teve as mãos livres para certas práticas, ao não se considerar “banco sistémico” (o que não era verdade, porque o seu tamanho tinha aumentado de 50 mil milhões para 250 mil milhões e já tinha um balanço positivo de 220 mil milhões).

Quais são as consequências disto? Por um lado, ainda não é claro que existam outros bancos que possam incorrer em situações similares, em particular pelos laços que mantiveram com o SVB. Por outro lado, já se sabe que existe uma factura a pagar. E mesmo que Biden tenha declarado que não vai ser paga principalmente pela classe trabalhadora (ele disse contribuintes), há diferentes formas de o fazer, com toda a segurança, se repercutirá sobre a maioria da população: de uma forma ou de outra – pois se trata de despesas públicas que têm de ser financiadas – quer seja mediante emissão monetária (que nunca é realizada para qualquer fim social), quer seja através de outras políticas de ajustamento permanente exigidas pelo próprio capital financeiro, cujas práticas provocam situações como a que estamos a tratar. Não nos devemos esquecer que o SVB era o 16º do país (EUA) e que as conexões com outras entidades têm amplas ramificações que se estendem por todo o mundo.

E na Europa, o que se passa?

Estas ramificações estão a causar uma onda de choque, que se reflecte na rentabilidade de uma infinidade de capitais que se deterioram por toda a parte. Por exemplo, os seis maiores bancos espanhóis perderam, na segunda-feira (13 de Março), quase 12 mil milhões de euros na Bolsa de valores.

O chefe do Governo, Pedro Sánchez, declarou na quarta-feira, dia 14 de Março, que o sector bancário em Espanha tem níveis de liquidez e solvência “acima da média”. Mas a situação na Europa não está, de modo algum, blindada e logo nessa altura produziu-se o colapso do banco Crédit Suisse na Bolsa de valores, que em poucas horas perdeu 30% da sua capitalização bolsista. No dia seguinte, quinta-feira, dia 15 de Março, o banco anunciou que tinha contraído um empréstimo de cerca de 50 mil milhões de euros ao Banco Central suíço para “reforçar, de forma preventiva, a sua liquidez”. Tudo isto teve uma correspondente onda de choque que, entre outros efeitos, provocou uma queda de 4% no IBEX 35 (2), acumulando os principais bancos espanhóis perdas de 24 mil milhões de euros (o Banco Sabadell perdeu 1,8 mil milhões, 24,5% do seu valor).

Evidentemente, as autoridades monetárias europeias declararam imediatamente que isto nada tem a ver com a crise dos EUA. Mas o FMI vem anunciando o risco de um colapso financeiro do tipo do que houve em 2007-2008.

Actualmente, existem no mundo enormes massas de capitais que procuram oportunidades de investimento e a esfera financeira especulativa é um dos seus principais destinos, ainda que também o sejam os sectores que se privatizam ou são negligenciados (veja-se, por exemplo, a entrada massiva de Fundos de investimento na Educação em Espanha, particularmente em Universidades e na Formação profissional).

Toda esta situação, típica das crescentes contradições do capitalismo, é agravada pelas consequências da pandemia, da guerra na Ucrânia e de todas as políticas criminosas que lhe estão associadas, incluindo as sanções. É a própria expressão da decomposição do modo de produção capitalista.

Claro que há uma saída, mas não no Sistema capitalista!

Desde o final de 2020, o FMI tem alertado repetidamente para o risco de uma explosão social. E não se engana. A devastação social provocada pela sobrevivência do capitalismo é terreno fértil para um crescente mal-estar que se exprime, constantemente, de uma forma ou de outra. Porque a classe trabalhadora pode identificar-se a um ser vivo que, como tal, tem instinto de sobrevivência e se mobiliza para sobreviver. Estendem-se assim, por todo o mundo, as expressões de resistência. Os planos do capital não podem ser implementados devido a esta resistência.

É o caso do programado desmantelamento do Sistema público de pensões (de aposentação) no Estado espanhol, que não pôde ser implementado, salvo de forma marginal, precisamente devido a esta resistência. De facto, a última medida do Governo foi um passo atrás, que só pode ser explicado pela constante mobilização da classe trabalhadora, promovida pelas plataformas em defesa do Sistema público de pensões. É o caso da população grega que se ergueu perante um trágico acidente de comboio, que causou 57 mortos devido ao total abandono da rede ferroviária, em resultado dos cortes orçamentais. É o caso da mobilização na Alemanha contra a guerra, bem como noutros países. E é também o caso, entre muitos outros, das gigantescas mobilizações em França contra o ataque às pensões (de aposentação) pelo governo de Macron, cujas políticas não têm a aprovação de 80% da população.

O capital tem pânico de todas as mobilizações, consciente de que nada garante que será capaz de aplicar um ataque mais profundo contra as condições de vida da classe trabalhadora, como aconteceu após a eclosão da crise de 2007-2008.

Porque o problema hoje não é um caso particular de crise bancária, nem esta ou aquela medida. O problema é a sobrevivência do capitalismo e da barbárie crescente que isso implica.

Nós temos a posição literalmente oposta: temos toda a confiança em que a mobilização da classe trabalhadora tornará possível uma saída para os problemas e, como 4ª Internacional, mantemos o nosso compromisso incondicional com ela.

CARTA SEMANAL DO COMITÉ CENTRAL DO POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção da 4ª Internacional em Espanha), Nº 931, de 20 de Março de 2023

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(1) Subprime é um crédito de risco, concedido a um credor que não oferece garantias.

(2) O IBEX-35 é índice bolsista das 35 maiores empresas cotadas na Bolsa de Madrid.

UCRÂNIA: Uma guerra mundializada

Soldados da Bundeswehr (o Exército da Alemanha), 1ª Divisão Panzer, aquando da sua chegada ao porto de Klaipeda, na Lituânia, a 4 de Setembro de 2022, sob a supervisão da NATO.

A entrega de armas à Ucrânia está a aumentar, enquanto as tropas de Putin continuam a bombardear, o que as tropas ucranianas também estão a fazer. Esta guerra está agora mundializada. O imperialismo norte-americano e os países da NATO são cobeligerantes, com os seus fornecimentos de armas e instrutores militares.

Biden acaba de anunciar, a 4 de Setembro, um novo pacote de 11 mil milhões de euros de ajuda à Ucrânia, ao longo de três anos, mostrando assim acreditar que a guerra irá durar anos.

Ao contrário do que os governos ocidentais explicam, não é a guerra que provoca a inflação, pois ela já estava a acontecer antes dela. A guerra é apenas uma expressão da crise do Sistema capitalista mundial. É isto que eles querem esconder, procurando razões externas para a guerra, da mesma forma que, em 2019, inculparam a pandemia pela crise do Sistema capitalista.

A declaração de Macron de que “estamos em guerra” faz sentido. A economia de guerra é um meio de impor a inflação aos trabalhadores e às populações. E a inflação é uma necessidade para o capital, para baixar o custo da mão-de-obra e aumentar os lucros, numa situação de crise generalizada do Sistema.

Nesta situação, o imperialismo norte-americano procura realinhar todas as relações mundiais e enfraquecer e isolar a Rússia, mas visa sobretudo a China e o seu lugar na economia mundial. Putin, Jinping e Biden estão a tentar defender os seus interesses, mas dentro do quadro do mercado mundial capitalista de que todos eles dependem e que nenhum deles pretende pôr em causa.

Para o povo ucraniano bombardeado, para o povo russo sancionado e para todos os povos do planeta é preciso pôr fim a esta guerra que ameaça toda a Humanidade.

Nem Putin nem NATO!

Não à união nacional!

Levantamento dos estados de emergência, fim da repressão!

Parar as reformas dos Códigos do Trabalho!

Crónica da autoria de Lucien Gauthier, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” Informações operárias – nº 722, de 7 de Setembro de 2022, do Partido Operário Independente de França.

A INDÚSTRIA DE ARMAMENTO SUSTENTA O CAPITALISMO MORIBUNDO

Manifestação contra a guerra, em Madrid, no passado mês de Março.

Antes da queda do Muro de Berlim, a indústria de armamento era um dos pilares que asseguravam a sobrevivência do sistema capitalista, sustentando artificialmente o seu crescimento.

As indústrias de armamento tornaram-se fortemente interligadas com a máquina política dos Estados. Após a queda do Muro, foi necessário acabar com os excedentes. Por conseguinte, a década de 1990 assistiu a um desenvolvimento de conflitos “de baixa intensidade” (a intensidade é baixa quando os conflitos não afectam directamente os comentadores). Com o máximo cinismo, os países imperialistas (UE, Reino Unido, França,…) e, depois, a Rússia, acabaram com os seus excedentes.

Na década de 2000, tornou-se necessário reinventar e assegurar o fornecimento de novos equipamentos. Da robótica à Inteligência Artificial, à guerra assimétrica ou à guerra irregular, a indústria de armamento inovou com novos produtos, vestindo a sua imagem como razão de Estado, como necessidades democráticas e, inclusivamente, como ajuda humanitária. Depois desta mudança hipócrita, esta indústria continuou a desenvolver-se e a criar mercados para vender os seus produtos. Na década de 2010 surgiu um mercado de armas em segunda mão. Assim, a África e a América Latina ou parte dos países asiáticos, equiparam-se com armamento ligeiro (espingardas, lança-foguetes, minas, munições,…), enquanto que os países do Golfo Pérsico podiam pagar fragatas, aviões, mísseis de médio/longo alcance.

Um aumento vertiginoso das despesas militares

Em 2018, as despesas militares a nível mundial foram de 1800 biliões (1) de dólares (1.565 biliões de euros) ou seja, 4,93 biliões de dólares por dia e 57.000 dólares por segundo. Desde a década de 2000, tem havido um aumento constante das despesas em muitos países: os da NATO (incluindo a Turquia), os do Golfo Pérsico, muitos países asiáticos (em especial a China, em ascensão).

2020 foi um ano recorde, com 2000 biliões de dólares. Diego Lopes da Silva, investigador do programa de armamento e despesas militares “SIPRI”, explicou: “Podemos dizer com certeza que a epidemia não teve um impacto significativo nas despesas militares mundiais em 2020”. Na Europa, as despesas com a Defesa aumentaram nesse ano (+2%), particularmente em resposta à Rússia, que é considerada uma ameaça crescente desde a anexação da Crimeia em 2014.

Em 2021, a tendência é confirmada. Só os EUA representam quase 40% das despesas militares mundiais, de acordo com a política de Trump, continuada por Biden: “Os recentes aumentos nas despesas militares dos EUA são principalmente explicados por fortes investimentos na investigação e desenvolvimento, em vários projectos a longo prazo, tais como a modernização do arsenal nuclear norte-americano e a aquisição de armas em grande escala”. De acordo com Alexandra Marksteiner, investigadora do SIPRI, “Isto reflecte as crescentes preocupações sobre as ameaças vindas de concorrentes estratégicos como a China e a Rússia”.

A guerra na Ucrânia está a acelerar este processo. Os orçamentos militares estão a subir em flecha. Países como a Alemanha e o Japão, que são supostamente países sem Exército para actuação no exterior, estão a aprovar orçamentos colossais para armas.

As despesas militares globais totais aumentaram 0,7% em termos reais, em 2021, para 2.113 biliões de dólares. Os cinco maiores gastadores em 2021 foram os EUA, a China, a Índia, o Reino Unido e a Rússia, os quais, no seu conjunto, representam 62% das despesas, segundo os novos dados sobre a despesa militar global publicados pelo Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo: “O aumento do gasto total em 2020 decorreu, em grande parte, dos EUA e da China. Os EUA aumentaram as suas despesas militares pelo terceiro ano consecutivo atingindo 778 biliões de dólares em 2020 (+4,4% desde 2019, mas -10% em relação a 2011). (…) A despesa militar da China estima-se em 252 biliões de dólares (+1,9% desde 2019 e +76% desde 2011). Isto representa o maior período de aumentos ininterruptos (26 anos consecutivos) por parte de um país, de acordo com a base de dados do SIPRI sobre despesas militares. Com 72,9 mil milhões de dólares (+2,1%), as despesas militares da Índia ocupam o terceiro lugar no mundo. As despesas militares totais da Rússia ascenderam a 61,7 biliões de dólares (+2,5%). O quinto país mais esbanjador, o Reino Unido, aumentou as suas despesas militares em 2,9% em 2020. Esta é a segunda maior taxa anual de crescimento do país em 2011-2020, uma década caracterizada até 2017 por cortes nas despesas militares.”

Estados Unidos da América, o país mais vendedor de armas

Em 2021, “41 empresas norte-americanas figuravam entre as 100 maiores vendedoras de armas, com uma quota de 54%, 26 empresas europeias representaram 21% das vendas totais. Seguem-se a China (13% do total, com cinco empresas) e a Rússia (5%, com nove empresas). Contando em separado cada país europeu, a China passa para segundo maior país e o Reino Unido é o terceiro (sete empresas, 7,1%), à frente da Rússia (nove empresas, 5%) e da França (seis empresas, 4,7%).” (Le Monde, Dezembro de 2021).

A guerra económica (da venda de armas) não tem precedentes. Assim, “os Norte-americanos equipam massivamente os países considerados como aliados contra adversários mais ou menos declarados: os países árabes contra o Irão; os países europeus contra a Rússia; Taiwan, Japão e Coreia do Sul contra a Coreia do Norte e a China. Os Russos estão a armar os Chineses e Venezuelanos, que são alvo de embargos ocidentais. Para pesar sobre a relação de concorrência, por vezes os Estados sugerem que não tentarão aproveitar-se da sua influência e que os seus clientes continuarão a ser perfeitamente soberanos. Muitos vendedores franceses usam este argumento: comprar os nossos produtos é fugir das restrições russas e norte-americanas. (…) Os EUA vão um pouco mais longe: proibir a exportação de qualquer equipamento que contenha componentes norte-americanas. Por conseguinte, exigem que a França, por exemplo, peça autorização para entregar certos mísseis de cruzeiro MBDA SCALP utilizados no avião Rafale… porque incluem um microprocessador fabricado nos EUA”. Vender, mas também controlar a quem se vende.

Em 2019, as vendas das 25 maiores empresas mundiais de armamento aumentaram 8,5% em comparação com 2018, para um total de 361 biliões de dólares, com 5 empresas dos EUA (Lockheed Martin, Boeing, Northrop Grumman, Raytheon e General Dynamics) no top 10.

Os povos são as primeiras vítimas

Em 2021, as despesas militares superaram todas as expectativas dos accionistas; 2022 promete também ser um bom ano para eles. A venda de armamento não se limita a munições, mísseis ou espingardas. Durante os últimos 20 anos, novas armas – que vão desde pistolas Taser, flash-balls, até drones ou cães-robô – procuram mudar os paradigmas da guerra: haver menos homens no terreno e a guerra ser mais limpa porque os homens estariam longe dela.

Pergunta-se: então, quem matam? São os civis que suportam a pior parte dos horrores dos conflitos armados, por mais “intensos” que sejam. Em 2020, “a ONU registou quase 12 mil vítimas civis só no Afeganistão, na Síria e no Iémen”. Os civis também enfrentam a violência sexual, a tortura, os desaparecimentos, as migrações em massa, a insegurança alimentar e inclusivamente a fome. (…)

No final de 2020, mais de 99 milhões de pessoas estavam a enfrentar níveis graves ou perigosos de insegurança alimentar aguda, em 23 países, onde havia os conflitos e instabilidade. Estes números são superiores aos de 2019, quando havia 77 milhões. (fonte: unric.org).

A África foi, em 2020, o continente mais afectado por conflitos, com mais de uma dezena de guerras, principalmente relacionadas com a captura de matérias-primas.

Venda de armas: contra quem?

Países como os EUA, o Reino Unido, a França, Israel, a Rússia, a China,… estão a desenvolver feiras de armas: demonstração, novas técnicas… Milhões investidos para milhares de milhões de dólares em contratos feitos à medida.

A apresentação destas feiras está cada vez mais focada no combate urbano. Como mais de metade da população vive nas cidades, os soldados do futuro devem ser capazes de controlar este espaço. Portanto, a separação entre o Exército e a Polícia é cada menos nítida. A Polícia está equipada de modo análogo ao Exército, o exército actua cada vez mais como uma força policial. Assim, em Dezembro de 2020, o Ministério do Interior francês, após o episódio dos coletes amarelos, destacou 90 veículos blindados do Exército capazes de se movimentarem em terreno urbano.

Em relação à questão da manutenção da ordem, o “know-how” (saber-fazer) francês continua a ser exportado. Nas Escolas militares norte-americanas estuda-se a Batalha de Argel, dirigida por Massu e teorizada por Trinquier para eliminar o que se chama “o inimigo interno”, um inimigo considerado esquivo porque se coloca no meio dos civis. O Exército norte-americano aplicou, amplamente, métodos franceses para esmagar o povo iraquiano, durante a ocupação do Iraque e mais particularmente em Bagdad, também utilizando exércitos de subcontratados (ou companhias militares privadas) com uma intervenção na estratégia a adoptar, ou inclusivamente o direito de decisão sobre o Centro de Comando dos EUA.

A primeira das vítimas continua a ser a classe operária, que se está a levantar e se confronta com as duas últimas muralhas que a separam do poder: a Polícia e o Exército.

Isto também explica a reestruturação destes órgãos de defesa da burguesia. Tanto na questão dos fluxos de refugiados, como na da contra-insurreição (na cidade de Faluja, durante a guerra no Iraque, na Síria, na Colômbia,…), a gestão dos movimentos sociais, o controlo da população e o mercado de armas desenvolvem-se dentro dos Estados, com um aumento das novas armas (Tasers, granadas de borracha, balas de atordoamento, marcadores,…), sistemas de controlo coercivo (câmaras, drones, scanners, leitores de emblemas, triangulação telefónica,…). E não se trata apenas de França, muito inovadora neste campo, mas também da repressão na Birmânia, em Hong Kong, no Egipto,…

Opor-se à política de guerra é hoje em dia a pedra de toque de qualquer organização que afirme defender as classes trabalhadoras. E não só porque são os trabalhadores quem pagam e sofrem com as guerras, mas também porque esta política se opõe às reivindicações mais elementares. Têm razão os trabalhadores alemães quando dizem: “Aumentos salariais sim, rearmamento não; hospitais e mais pessoal sim, armamento não”.

Este é o conteúdo do NÃO à guerra. E no nosso país, em particular, “Não à NATO, fora com as bases militares”.

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(1) Um bilião equivale a mil milhões.

Carta Semanal do Comité Central do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI) – Secção da 4ª Internacional em Espanha) – nº 887, de 16 a 22 de Maio de 2022