
Nas últimas semanas, houve o colapso de alguns grandes bancos (primeiro nos EUA e, em seguida, na Europa – Suíça e Alemanha). Divulgamos uma análise feita pelos nossos camaradas de Espanha, de 20 de Março, com o título «NÃO SE TRATA APENAS DE UMA NOVA CRISE BANCÁRIA, É A “CRISE CRÓNICA” DO CAPITALISMO».
Na sexta-feira passada, dia 10 de Março, o Silicon Valley Bank (SVB) fechou. Dois dias mais tarde, domingo 12 de Março, o Departamento de Serviços Financeiros de Nova Iorque (NYDFS) dos EUA fecha o Signature Bank, sobre o qual existem suspeitas de ocultação de informação. Outros bancos parecem aproximar-se perigosamente da mesma situação, tais como o First Republic Bank, o Western Alliance, o Metropolitan Bank ou o Customer Bancorp, cujas acções na Bolsa caíram mais de 60%. na segunda-feira dia 13. De novo um turbilhão de crises bancárias, fortes quedas nos preços das acções… e pânico geral.
O SVB especializou-se no financiamento de novas empresas tecnológicas (na sua gíria, start-ups), que têm tido grandes receitas, entre outras causas pelo enorme investimento de capital de risco que nelas foi feito. A enorme liquidez do banco (fala-se em 175 mil milhões de dólares) foi largamente utilizada para comprar títulos da Dívida pública, cujo preço se afundou pelo aumento brutal das taxas de juro impostas pela Reserva Federal. Quando os principais clientes do banco levantaram massivamente o seu dinheiro, o banco teve de vender os seus títulos, incorrendo assim em perdas inicialmente estimadas em 1,8 mil milhões de dólares. Mas a espiral já estava em marcha e os levantamentos de depósitos bancários aumentaram abruptamente, até 42 mil milhões, em dez horas (em 2008, foram retirados quase 17 mil milhões de dólares do Washington Mutual, mas em dez… dias).
Face a esta situação, outras fracções do capital procuram fazer negócios, tais como o banco britânico HSBC, que comprou por uma libra esterlina a filial do SVB no Reino Unido.
Como em outras ocasiões, a crise impulsionará a centralização do capital. A Administração dos EUA está a tentar reagir: “Estamos a tomar medidas decisivas para proteger a economia dos EUA, mediante o reforço da confiança pública no nosso sistema bancário”, afirmam, numa Declaração conjunta, Jerome Powell, Janet Yellen e Martin Gruenberg – respectivamente, presidente da Reserva Federal, secretária do Tesouro e presidente da Corporação Federal de Seguros de Depósitos (FDIC). Estas medidas são apresentadas com o objectivo de evitar “resgates e custos para os contribuintes” e cobrir os depósitos bancários superiores acima do limite garantido de 250.000 dólares. Mas são dotados de 25 mil milhões de dólares para isso com o Programa de Financiamento a Prazo do Banco.
Será esta resposta suficiente, e quais serão as consequências? Trata-se de uma crise pontual de um banco menor, sem grandes efeitos, ou poderá desencadear um cataclismo como o colapso do Lehman Brothers em 2008? Quem pagará a factura?
Se este novo episódio fosse o que a propaganda afirma, poderia ser debatido apenas enquanto tal. Mas temos que encará-lo como um novo episódio de uma crise muito mais profunda, que vem de um período tão distante que as suas origens remontam a antes da crise que eclodiu em 2007-2008.
É uma espécie de crise crónica do capitalismo, no sentido de uma sucessão de crises sem períodos expansivos intercalados entre elas, já desde a que irrompeu virulentamente no início dos anos 1970. Uma “crise crónica” directamente ligada à inevitável tendência à queda da força motriz da acumulação capitalista, que é a rentabilidade, tal como explica Marx no terceiro livro de o Capital (de cuja terceira secção, em particular, recomendamos vivamente a leitura), formulando-a como a “Lei da Baixa Tendencial da Taxa de Lucro” (LBTTL).
Por isso, é claro que este episódio poderá eventualmente ser travado pela acção do Estado, mas sem modificar as causas últimas que o explicam e que levam a discussão para outro terreno.
Porque houve esta falência e o que é que ela significa?
Acontece agora como em 2007, quando o incumprimento das hipotecas subprime (1) foi o detonador da crise, mas não a sua causa de fundo: a falência do SVB e as suas consequências não se devem simplesmente a problemas de liquidez devido à queda do valor de certos títulos, mas são muito mais profundas e certamente não se vão solucionar com uma intervenção pontual por parte do Governo.
Em primeiro lugar, há que considerar que este modelo de negócio bancário está ligado a um sector empresarial tão volátil e instável como o das startups e os Fundos de capital de risco (já se acumulam mais de 250.000 despedimentos desde finais de 2022). Perante as dificuldades de valorização do capital nas actividades produtivas de mais-valia, enormes massas de capital estão a ser investidas em actividades especulativas. A razão de fundo reside nos problemas de rentabilidade que Marx detectou (a LBTTL). Por isso mesmo, ele expõe-nas antes das questões financeiras, que não são a causa dos problemas, mas uma resposta às mesmas (a lei da rentabilidade acima referida), que é certamente desesperada. Razão pela qual é tão frágil a ideia da “financeirização” (injecção de dinheiro) que, se contivesse o colapso, tornaria possível resolver os problemas.
Tão frágil porque, mais uma vez, se apela para a ilusória ideia de um capitalismo bom, que seria viável limitando o capital mau (especulativo) e promovendo o capital bom (produtivo). Como se não existisse uma lógica geral que rege a acumulação de capital, presidida pela conformação do capital financeiro que integra todas as actividades possíveis de negócio, desde as produtivas até às especulativas, passando pelas comerciais, etc.
Em segundo lugar, assistimos à conivência dos Estados com estas práticas, proporcionando-lhes cobertura legal. Após a crise de 1929, Roosevelt promulgou a Lei Glass-Steagall para conter, até certo ponto, a especulação financeira. Mas em 1999 Clinton acabou com ela, com a Lei Gramm-Leach-Bliley e a nova lei que Obama promoveu em 2010, a Lei Dodd-Frank, foi tão modesta que não inverteu a situação.
Além disso, Trump modificou alguns aspectos na linha de uma maior desregulamentação. Por isso, o SVB teve as mãos livres para certas práticas, ao não se considerar “banco sistémico” (o que não era verdade, porque o seu tamanho tinha aumentado de 50 mil milhões para 250 mil milhões e já tinha um balanço positivo de 220 mil milhões).
Quais são as consequências disto? Por um lado, ainda não é claro que existam outros bancos que possam incorrer em situações similares, em particular pelos laços que mantiveram com o SVB. Por outro lado, já se sabe que existe uma factura a pagar. E mesmo que Biden tenha declarado que não vai ser paga principalmente pela classe trabalhadora (ele disse contribuintes), há diferentes formas de o fazer, com toda a segurança, se repercutirá sobre a maioria da população: de uma forma ou de outra – pois se trata de despesas públicas que têm de ser financiadas – quer seja mediante emissão monetária (que nunca é realizada para qualquer fim social), quer seja através de outras políticas de ajustamento permanente exigidas pelo próprio capital financeiro, cujas práticas provocam situações como a que estamos a tratar. Não nos devemos esquecer que o SVB era o 16º do país (EUA) e que as conexões com outras entidades têm amplas ramificações que se estendem por todo o mundo.
E na Europa, o que se passa?
Estas ramificações estão a causar uma onda de choque, que se reflecte na rentabilidade de uma infinidade de capitais que se deterioram por toda a parte. Por exemplo, os seis maiores bancos espanhóis perderam, na segunda-feira (13 de Março), quase 12 mil milhões de euros na Bolsa de valores.
O chefe do Governo, Pedro Sánchez, declarou na quarta-feira, dia 14 de Março, que o sector bancário em Espanha tem níveis de liquidez e solvência “acima da média”. Mas a situação na Europa não está, de modo algum, blindada e logo nessa altura produziu-se o colapso do banco Crédit Suisse na Bolsa de valores, que em poucas horas perdeu 30% da sua capitalização bolsista. No dia seguinte, quinta-feira, dia 15 de Março, o banco anunciou que tinha contraído um empréstimo de cerca de 50 mil milhões de euros ao Banco Central suíço para “reforçar, de forma preventiva, a sua liquidez”. Tudo isto teve uma correspondente onda de choque que, entre outros efeitos, provocou uma queda de 4% no IBEX 35 (2), acumulando os principais bancos espanhóis perdas de 24 mil milhões de euros (o Banco Sabadell perdeu 1,8 mil milhões, 24,5% do seu valor).
Evidentemente, as autoridades monetárias europeias declararam imediatamente que isto nada tem a ver com a crise dos EUA. Mas o FMI vem anunciando o risco de um colapso financeiro do tipo do que houve em 2007-2008.
Actualmente, existem no mundo enormes massas de capitais que procuram oportunidades de investimento e a esfera financeira especulativa é um dos seus principais destinos, ainda que também o sejam os sectores que se privatizam ou são negligenciados (veja-se, por exemplo, a entrada massiva de Fundos de investimento na Educação em Espanha, particularmente em Universidades e na Formação profissional).
Toda esta situação, típica das crescentes contradições do capitalismo, é agravada pelas consequências da pandemia, da guerra na Ucrânia e de todas as políticas criminosas que lhe estão associadas, incluindo as sanções. É a própria expressão da decomposição do modo de produção capitalista.
Claro que há uma saída, mas não no Sistema capitalista!
Desde o final de 2020, o FMI tem alertado repetidamente para o risco de uma explosão social. E não se engana. A devastação social provocada pela sobrevivência do capitalismo é terreno fértil para um crescente mal-estar que se exprime, constantemente, de uma forma ou de outra. Porque a classe trabalhadora pode identificar-se a um ser vivo que, como tal, tem instinto de sobrevivência e se mobiliza para sobreviver. Estendem-se assim, por todo o mundo, as expressões de resistência. Os planos do capital não podem ser implementados devido a esta resistência.
É o caso do programado desmantelamento do Sistema público de pensões (de aposentação) no Estado espanhol, que não pôde ser implementado, salvo de forma marginal, precisamente devido a esta resistência. De facto, a última medida do Governo foi um passo atrás, que só pode ser explicado pela constante mobilização da classe trabalhadora, promovida pelas plataformas em defesa do Sistema público de pensões. É o caso da população grega que se ergueu perante um trágico acidente de comboio, que causou 57 mortos devido ao total abandono da rede ferroviária, em resultado dos cortes orçamentais. É o caso da mobilização na Alemanha contra a guerra, bem como noutros países. E é também o caso, entre muitos outros, das gigantescas mobilizações em França contra o ataque às pensões (de aposentação) pelo governo de Macron, cujas políticas não têm a aprovação de 80% da população.
O capital tem pânico de todas as mobilizações, consciente de que nada garante que será capaz de aplicar um ataque mais profundo contra as condições de vida da classe trabalhadora, como aconteceu após a eclosão da crise de 2007-2008.
Porque o problema hoje não é um caso particular de crise bancária, nem esta ou aquela medida. O problema é a sobrevivência do capitalismo e da barbárie crescente que isso implica.
Nós temos a posição literalmente oposta: temos toda a confiança em que a mobilização da classe trabalhadora tornará possível uma saída para os problemas e, como 4ª Internacional, mantemos o nosso compromisso incondicional com ela.
CARTA SEMANAL DO COMITÉ CENTRAL DO POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção da 4ª Internacional em Espanha), Nº 931, de 20 de Março de 2023
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(1) Subprime é um crédito de risco, concedido a um credor que não oferece garantias.
(2) O IBEX-35 é índice bolsista das 35 maiores empresas cotadas na Bolsa de Madrid.