Na sociedade capitalista, tudo se compra, tudo se vende.
O semanário Expresso informa que é possível, em vários sites na Internet, comprar trabalhos académicos. Uma tese de mestrado, por exemplo, pode custar 800 euros, e apesar de se tratar de fraude académica compatível com expulsão da instituição de ensino, a prática não é criminalizada devido a um vazio na lei.
Se for aluno do Ensino Superior é provável que já lhe tenham aparecido anúncios destes nas redes sociais. Há vários sites na internet que comercializam serviços de produção de trabalhos académicos, sejam teses de mestrado, artigos científicos, monografias, relatórios, ensaios ou dissertações.
Segundo o semanário Expresso, que avança a notícia, a oferta é descrita de forma vaga, mas ao telefone é feita sem rodeios: “Fazemos tudo o que for preciso, incluindo a escrita integral”, cita o jornal.
Num dos sites consultados pelo referido jornal, pode mesmo ler-se: “Aqui pode comprar ou encomendar o seu trabalho académico”.
No caso de uma tese de mestrado, por exemplo, o serviço custa 800 euros, e há preços para várias carteiras. Tudo depende do serviço, da urgência e da língua em que se quer o serviço feito.
Apesar de se tratar de fraude académica, aos olhos da lei não é crime vender ou comprar um trabalho académico.
De acordo com um advogado consultado pelo semanário, há um vazio legal neste tema o que dá azo à prática sem punição deste tipo de “batota”.
“Sem dúvida que constitui um ilícito disciplinar que pode levar à expulsão da universidade e à anulação do grau, segundo o regulamento interno de cada instituição. Mas pode não constituir nenhum crime, já que há um vazio legal nesta área”, refere o especialista supracitado.
É um facto: na sociedade capitalista, tudo se compra, tudo se vende.
Perante a “lavagem ao cérebro” sistemática que as instituições do imperialismo e os seus órgãos de Comunicação social estão a fazer – reforçada agora com a realização da Cimeira do Clima – pareceu-nos importante publicar esta análise dos nossos camaradas do Partido Operário Socialista Internacionalista, secção espanhola da 4ª Internacional.
COMO USAR A DESCULPA VERDE PARA JUSTIFICAR OS ATAQUES DO IMPERIALISMO
A Cimeira das Alterações Climáticas, que está a ter lugar nestes dias em Glasgow, é um novo escândalo da chamada “economia verde”. Glasgow já foi um dos centros industriais do mundo, e o que resta não é nem sequer uma sombra disso. Na Cimeira não irão discutir a reindustrialização, mas sim como prolongar esse desastre.
O drama está encenado: “O resultado da Cimeira determinará, em grande medida, como é que os 7 mil milhões de seres humanos sobreviverão, num planeta mais quente, e se se podem poupar as gerações futuras a níveis piores de aquecimento.”
“A temperatura média global subiu mais de 1 grau desde o início da Revolução Industrial. O consenso científico diz que, se subir agora 1,5 graus, aumentará significativamente o risco das piores catástrofes climáticas, com as inerentes sequelas de fome, doenças e conflitos.”
Mas o cinismo também está montado, pois o “consenso político” das multinacionais é contra as exigências dos dados científicos. A China acaba de anunciar que os seus planos de emissão de gases vão continuar como dantes. Mas o vídeo que Xi Jinping enviou para a Cimeira não falará seguramente sobre isto e propagandeará os seus alegados planos. Biden será o grande líder da Cimeira, mas os EUA – tal como a Rússia, a Noruega e a Grã-Bretanha, anfitriã da Cimeira –, de acordo com o New York Times, “irão aumentar drasticamente a sua produção de petróleo, gás e carvão nas próximas décadas”. O cinismo é completado pelo regateio de esmolas que as grandes potências vão dar aos países atrasados para compensar o aumento de gases poluentes que as multinacionais estão a produzir neles. E que, depois, tão pouco costumam pagar.
Todos os dias os meios de Comunicação social, os governos e as instituições internacionais ao serviço do capital financeiro bombardeiam-nos com estes dados. Entrámos numa espiral para ver quem mais exagera sobre os perigos que nos esperam.
Defendemos a Ciência e o método científico. Mas o imperialismo utiliza também os cientistas no seu interesse. O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre as Alterações Climáticas (IPPC) nunca dirá que certos sectores devem ser nacionalizados, que há que pôr fim à exploração, às guerras e ao armamento. Nunca dirá que os responsáveis são as multinacionais, que há que acabar com o capitalismo.
O que o IPPC e a ONU fazem é atribuir a culpa às pessoas e, portanto, fazê-las pagar pelos seus pecados. Há que comer menos carne – na Índia, apenas 6% das pessoas comem carne vermelha e, em Espanha, a maioria das pessoas não pode sequer comer carne vermelha uma vez por semana – há que pagar por poluir (electricidade cara, portagens de auto-estrada, etc.).
Confiamos na evidência científica e, por isso, analisamos e denunciamos a vasta operação de mistificação que está a ser preparada, a fim de procurar o apoio da população – e o consenso das organizações operárias – às “necessárias e dolorosas” transformações que estão a ser preparadas. Para a o bem do nosso planeta, segundo nos dizem, há que desmantelar a grande maioria das indústrias, fechar as minas, perder centenas de milhares de empregos bem pagos e com direitos, e inclusive renunciar a pretensos luxos como o consumo de carne.
Algumas das consequências destas transformações que estão a ser preparadas, já as estamos a sentir. Por exemplo, o desproporcionado aumento do preço da electricidade – causada, entre outras coisas, pela eliminação da produção em centrais térmicas de carvão e pelo aumento dos preços do gás. Aumento que é devido ao aumento da procura, mas também ao aumento dos direitos de emissão de CO2 (Antes da pandemia COVID-19, o contrato de emissão de carbono rondava os 20 euros por tonelada; em Dezembro de 2020, superou pela primeira vez os 35 euros; e, no passado mês de Agosto, atingiu os 55,72 euros por tonelada de CO2). A vice-presidente do governo e ministra para a Transição Ecológica e Desafio Demográfico, Teresa Ribera, não defende o meio ambiente mas sim os planos, supostamente ecológicos, das multinacionais. Está a preparar um novo plano para a electricidade, que tem uma condição prévia: que garanta mais lucros às companhias eléctricas do que o descarado sistema actual.
As centenas de milhares de pessoas das classes trabalhadoras que vão passar frio este Inverno por não poder pagar a factura da electricidade, os trabalhadores das indústrias “electro-intensivas”, que estão a ser ameaçadas de encerramento, não podem aceitar a chantagem que enganosamente finge colocar as suas necessidades básicas em confronto com a defesa do planeta.
Todos “ecologistas”?
Ao mesmo tempo, cada vez mais organizações e partidos – incluindo os que afirmam representar a classe operária – declaram-se “ecologistas” ou “eco-socialistas”. A este respeito, é preciso lembrar que a Ecologia é uma ciência, mas a Ecologia política é uma corrente ideológica, E, portanto, não científica.
É inegável que os desequilíbrios climáticos se têm agravado nos últimos anos. Mas a atitude geral daqueles que se reclamam da Ecologia política é de responsabilizar os seres humanos pelos problemas climáticos e os danos do meio ambiente, numa grande campanha de culpabilização. Ao contrário, nós não responsabilizamos os seres humanos, mas sim o sistema capitalista. Porque não são os seres humanos que tomaram as decisões que nos conduziram a esta situação, mas antes a minoria capitalista, que mantém a propriedade privada dos meios de produção e que, na crise da sua agonia, multiplica a destruição. Só o socialismo poderá pôr fim às consequências destrutivas do capitalismo sobre o meio ambiente.
Evidentemente, isto não significa que defendamos que não haja nada a fazer daqui até à instauração do socialismo. Mas é necessário não nos enganarmos sobre qual é o inimigo. O responsável é o capital e não o ser humano.
São muitas as fábricas que poluem. Existem meios técnicos para reduzir essa poluição, mas isso significa fazer investimentos dispendiosos, e o capital não tem nenhum interesse nisso, a fim de preservar os seus lucros. Se a legislação ambiental o aperta, prefere deslocalizar a produção. Por exemplo, ao mesmo tempo que se encerra a Central térmica de As Pontes, na Corunha, uma multinacional francesa abre uma nova Central térmica a carvão em Safi (Marrocos), com uma potência de quase 1.400 megawatts (MW), mais do que qualquer Central nuclear espanhola e praticamente igual à de As Pontes, e com um custo de produção 50% mais baixo por MW. Não admitimos quaisquer encerramentos, nenhum despedimento com base numa suposta defesa do meio ambiente. E ainda menos quando o fazem com promessas de empregos alternativos que nunca chegam, como no caso das Astúrias, Leão, Galiza ou Teruel.
A população não é responsável
Quem é o responsável pela explosão que ocorreu em 2020 na plataforma petroquímica IQOXE em Tarragona, na qual morreram três pessoas? A população de Tarragona ou os patrões que não respeitam normas mínimas de segurança?
Não foram todos os governos, desta ou daquela cor política, que desenvolveram políticas de encerramento das linhas ferroviárias, de eliminação de comboios, de destruição da RENFE (Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles), em benefício das grandes empresas de transporte rodoviário, quatro vezes mais poluentes que os comboios?
Quem é o responsável pelo facto de cada vez mais habitantes deste país, sobretudo nas zonas rurais – confrontados com a desertificação médica, o encerramento dos serviços públicos e das agências bancárias, ou a supressão de linhas ferroviárias secundárias – não tenham outra opção senão deslocarem-se no seu carro para o trabalho, para ir a uma consulta médica, ir receber o salário ou a pensão de aposentação, ou levar os filhos à escola?
Quem decidiu a deslocalização para a China e para o Sudeste Asiático, que levou ao desemprego milhares de trabalhadores em Espanha (veja-se, por exemplo, os sectores dos têxteis ou dos pequenos electro-domésticos), e que resultou na produção de quase tudo na China, e, portanto, com o transporte de todas essas mercadorias por meio de navios porta-contentores gigantes, que funcionam com um combustível de muito má qualidade, tóxico, e emitindo consideráveis resíduos poluentes? Milhares e milhares de porta-contentores gigantes sulcam os mares do planeta. Quem é responsável pela difusão do plástico na Natureza ou nos mares, senão as grandes empresas fabricantes de plástico que generalizaram o seu uso em todo o lado, inclusive para muitas coisas que não são necessárias?
Os seres humanos não têm nenhuma responsabilidade pelo facto de se verem obrigados a comprar esses produtos.
Quem é responsável pela criação dessas enormes explorações industriais com milhares de vacas ou das explorações avícolas, altamente poluentes e que privam a agricultura tradicional da maior parte do mercado, em detrimento da qualidade dos produtos? Quem é responsável pela desflorestação, especialmente na Amazónia? As populações indígenas – que vivem da caça e da colheita manual, e que cortam algumas árvores – ou os grandes trusts capitalistas que organizam a desflorestação em massa da floresta amazónica?
Consenso com o capital “em defesa do planeta”?
O que exprimimos acima explica porquê a luta pela defesa do meio ambiente exige o combate contra o capital. E é por isso que, quando se ouve Biden, Pedro Sánchez, o FMI, a União Europeia, a ONU (e o seu novo vídeo do dinossauro a falar na Assembleia-Geral) e aos grandes patrões – incluindo as empresas de energia – pronunciarem-se a favor de uma transição energética, não nos devemos deixar enganar. De facto, eles não se converteram à reivindicação do uso dos recursos naturais compatível com a sua preservação; pelo contrário, estão a utilizar esta questão com um único objectivo: reorganizar a produção de ramos inteiros, com centenas de milhares de despedimentos, com o objectivo de abrir novos mercados, como, por exemplo, o automóvel eléctrico, apesar de se saber actualmente que a produção de um carro eléctrico gera três a quatro vezes mais emissões poluentes e que não há capacidade para reciclar as baterias que eles utilizam. No total, a poluição causada pela vida de um automóvel eléctrico é semelhante à de um carro convencional.
Para conseguir estes objectivos, através de uma intensa propaganda, os governos e o capital procuram, em nome da protecção do Clima, criar um consenso que reúna governos, patronato, sindicatos, ONG, políticos, por um “capitalismo verde”, ou seja, para a defesa do Sistema capitalista repintando-o de verde.
Repitamo-lo uma vez mais: não há que apontar para o inimigo errado. A luta pela defesa do meio ambiente não pode ser separada da luta contra o capitalismo, e esta exige opor ao consenso a independência de classe e a luta de classes.
Publicado na Carta semanal do POSI (Partido Operário Socialista Internacionalista, Secção espanhola da 4ª Internacional), nº 859, de 1 de Novembro de 2021
Quando a epidemia de Covid começou a interromper as cadeias de abastecimento mundiais, os líderes das multinacionais não entraram em pânico. Os grandes patrões pensam com frieza.
Eles governam o mundo, mas da retaguarda. Como de costume, eles têm sido apoiados pelas suas empresas de consultoria para determinar a melhor estratégia. A crise é inevitável. O que deve ser feito para ganhar com ela?
Assim que o Covid apareceu, as consultoras Boston Consulting Group, KPMG, Pricewaterhouse Coopers, Bain ou McKinsey – que aconselham os líderes das multinacionais e orientam as suas decisões estratégicas (1) – apressaram-se a prescrever, mais ou menos, a mesma receita: reduzir custos; rever, nos mínimos detalhes, as cadeias de produção e a sua implantação mundial; redireccionar os investimentos para o digital; convencer os assalariados sobre as histórias fabricadas (“storytelling”) por comunicadores de serviços de recursos humanos.
A crise de Covid é vista como uma bênção por muitos “líderes” mundiais. Transferindo a responsabilidade das perturbações económicas para os próprios povos – acusados de serem os vectores do risco de infecção – a Covid tem, para alguns, virtudes milagrosas.
Aquando da publicação dos resultados financeiros de uma multinacional, os gestores explicaram-se, como de costume, perante uma plateia de analistas da Goldman Sachs, do Bank of America, da Merrill Lynch, e do Morgan Stanley… Os eminentes representantes do capital financeiro entraram em pânico quando a Administração dessa multinacional anunciou – devido ao colapso dos rendimentos ligado à crise sanitária – o cancelamento de dividendos? De modo algum. A vida real às vezes perturba certos padrões ou certas crenças. A questão dos banqueiros e analistas financeiros era: como sair mais forte da crise?
É claro que alguns grupos económicos têm enriquecido, como é o caso da Amazon, cujo rendimento líquido aumentou 84% em 2020. A empresa de consultoria Bain & Company congratulou-se, sem revelar o nome do seu cliente: “Depois de ter desenvolvido uma nova solução significativamente mais eficiente do que o melhor produto disponível, uma empresa de serviços farmacêuticos estava prestes a fazer o que as empresas fazem muito frequentemente: aplicar uma abordagem de preços convencional a um novo produto, perdendo assim uma oportunidade de ouro para obter mais lucro. Nós trabalhámos com a empresa para corrigir a situação (…). Como resultado, (ela) foi capaz de identificar oportunidades para aumentar, em 50%, a receita do lançamento da inovação, em três anos.”
Uma vez as medidas sanitárias terem sido adoptadas nas empresas, o assunto passou rapidamente para segundo plano. Em contrapartida, a propaganda continuou a ser desenvolvida até à overdose, com base principalmente na saturação (organizada) dos sistemas hospitalares e no enorme impacto económico da crise sanitária. Com que propósito? Para entender isto, temos que voltar ao essencial.
No início de Junho de 2021, terá lugar a “Cimeira Job Reset” do Fórum Económico Mundial de Davos. “Job Reset” (Reorganização do emprego): esta fórmula expressa a extensão da mudança desejada e organizada, pelas cúpulas do capital financeiro, para acelerar a “uberização” de toda a sociedade.
Os organizadores da Cimeira não escondem as suas intenções: “Do lado positivo, a pandemia tem acelerado tendências que se faziam esperar há muito tempo: a digitalização dos postos de trabalho e a economia das plataformas, a expansão do teletrabalho e o ensino virtual. Contudo, pela primeira vez nestes últimos anos, a criação de empregos começa a ficar para trás em comparação com a destruição de empregos – e este factor está prestes a afectar trabalhadores desfavorecidos com ferocidade particular.” Muito preocupados, desde o início da pandemia, “com o aumento do desemprego e da insegurança alimentar (o que) pode rapidamente transformar-se em agitação política, violência e conflitos”, eles apelam já ao reforço dos sistemas de repressão das populações.
“A FRANÇA ESTÁ SOBRE UM VULCÃO”. ELA NÃO É A ÚNICA
Para a empresa de consultoria Pricewaterhouse Coopers: “Os CEOs (Directores executivos) já estavam a fazer malabarismos face aos problemas de custos antes da epidemia de Covid-19.” Aliás, o meu patrão – dirigente de uma multinacional mundial – não mencionou o colapso da receita para justificar os milhares de cortes de empregos que veio anunciar. Ele até disse: “O plano de redução de custos não está relacionado com dificuldades económicas.” Surpreendente, não é? Tratava-se de um problema mais profundo: era necessário rever completamente a cadeia de valor e os métodos de trabalho, reorganizar as empresas subsidiárias e deslocalizar para países onde os salários são mais baratos.
Mas antes do Covid, as condições não estavam totalmente reunidas para fazê-lo. Pelo menos, à escala desejada. E por um bom motivo. Apesar das reformas realizadas nas últimas décadas, por todo o mundo, para enfraquecer os direitos sociais e sindicais, o equilíbrio de poder entre as classes não mudou substancialmente. Enquanto Elon Musk e Jeff Bezos, não sabendo mais o que fazer com a sua imensa fortuna, divertiam a galeria com projectos de viagens a Marte ou de uma colónia no espaço, ao mesmo tempo que milhões de seres humanos morrem de fome na Terra, a economia está-se a afundar na crise. Regimes políticos eram abalados por “degagismo” (rejeição dos regimes pelos povos dos respectivos países). Na Argélia, no Líbano, no Chile, em Hong-Kong,…, os povos levantaram-se, uns após outros, como que ligados por uma corrente comum, a qual não desapareceu. A classe operária e a juventude não foram esmagadas. “A França está sobre um vulcão”, e ela é não é a única.
A UTILIZAÇÃO DO COVID
O capital não inventou o Covid. Ele usou os impactos enormes do Covid na economia e nas empresas para tentar assegurar a modificação da relação de forças de que precisa desesperadamente para sobreviver e abrir novas perspectivas. Como escreve o jornal Atlantic Council, com sede em Washington: “Desde o início, a pandemia abriu caminho para o controlo do Hirak (2) pelo Regime argelino.” Até o jornal conservador alemão Die Welt não pode esconder os factos: “Durante a primeira vaga da pandemia de Coronavírus, em Março de 2020, o ministro do Interior fez um apelo – para fins políticos – a cientistas de várias instituições de investigação e universidades. Ele pediu aos investigadores do Instituto Robert-Koch e de outras instituições que estabelecessem um modelo matemático, com base no qual a administração do Ministério do Interior (…) queria justificar medidas duras contra o Covid.” O Poder amplificou ao máximo os efeitos da epidemia, com muitas campanhas na Comunicação social de uma amplitude jamais vista, para fortalecer a sua política de opressão, a começar pela restrição das liberdades e dos direitos. Surpreendentemente, militantes sinceros foram levados a acreditar que era para o seu próprio bem. Contudo, o capital e os seus representantes – a começar por Macron – não dão a mínima importância à saúde deles. Quando o meu CEO anunciou os milhares de cortes de empregos, ele concluiu o seu e-mail com estas palavras, que se tornaram famosas: “Cuidem-se!”.
FECHAR AS ESCOLAS PARA SE PROTEGER DO VÍRUS?
O Covid teve efeitos poderosos, quase transcendentais, em certas mentes que se puseram a aceitar o inaceitável. Até exigir o fecho de escolas para se proteger do risco de infecção, sem entender que o mundo de antes não existe mais e que o confinamento “sanitário” seria utilizado para acelerar o fecho permanente, parcial ou total, de sectores inteiros de escolas e universidades, bem como de empresas (3). A realidade é que a “uberização” da sociedade implica uma polarização extrema dos empregos (4), nomeadamente em relação aos baixos salários, e uma desqualificação em massa da população.
Um estudo do Cepremap (Centro para as Investigações Económicas e as suas Aplicações) recorda que: “Desde meados da década de 1990, o mercado de trabalho do sector privado francês sofreu uma forte polarização do emprego. (…) O ritmo da polarização dos empregos em França foi particularmente rápido (…) durante os anos que se seguiram à crise (de 2008), nos quais o número de empregos qualificados diminuiu consideravelmente. Não só a queda foi muito mais importante do que antes, mas aconteceu ainda mais rapidamente e num período mais curto.” E isso não teria impacto na Escola, sobre a qual os governos, desde há décadas, continuam a dizer-nos que ela se deve adaptar às necessidades das empresas?
O mundo mudou e é importante compreender isso. O capital só se protegerá a si próprio. Enquanto ele estiver no Poder, isso destruirá continuamente a Natureza. Os hospitais ficarão cada vez mais sem sangue e a Escola será reservada a uma elite. A miséria e as doenças vão atacar mais a população. São muito astutos aqueles que proclamam: “Primeiro, protegemo-nos! Confinamos e fechamos!” E se a epidemia ou epidemias estiverem apenas a começar? Ficaremos confinados para sempre?
Somente a luta de classes reduzirá o medo. Ela lançará as bases para a reconquista e a protecção das populações, a defesa de Escola e da Medicina, e de uma abordagem rigorosamente científica e fundamentada das infecções. Os mortos não são problema para o capital. Eles até se podem tornar numa vantagem e numa dádiva de Deus… se os dólares estiverem no fundo do caixão.
Como afirma a agência financeira Bloomberg: o Covid “atinge os pobres com muito mais força do que os ricos. Uma das consequências será a agitação social permanente, e até revoluções.” É aqui que começa a real preocupação do grande Patronato. E isto numa situação em que esta vontade manifesta de recusa Sistema por parte da classe operária e dos jovens não encontra, nas cúpulas dos sindicatos ou na maioria dos partidos políticos, o apoio que eles deveriam dar-lhes. E isso é o mínimo que podemos dizer.
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(1) Não apenas as multinacionais recorrem a essas consultoras, mas também as Administrações dos Estados para a gestão dos assuntos públicos.
(2) O “Hirak” é um profundo movimento nacional de rejeição do Regime militar em vigor na Argélia.
(3) A “surpresa divina” do Covid provavelmente está a chegar, para os patrões, com o teletrabalho. As economias gigantescas feitas na ocupação de escritórios continuam a surpreender e entusiasmar os CEOs.
(4) A polarização dos postos de trabalho refere-se à queda de postos de trabalho de qualificação intermédia e à sua concentração em dois extremos: num pólo, empregos pouco ou nada qualificados (com salários muito baixos); e, no outro pólo, empregos altamente qualificados e bem pagos.
Crónica de Alex Duboi publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 653, de 6 de Maio de 2021, do Partido Operário Independente de França.