Uma forma de agir no terreno eleitoral

Num contexto geral em que as grandes multinacionais se esgatanham para tentar ocupar os mercados umas das outras, em sintonia com o capital financeiro, todos os sectores das classes trabalhadoras – em cada país e, em particular, no continente europeu – estão a ser fustigados, no sentido do abaixamento do custo da força-de-trabalho. Tornar cada vez mais barato o custo de produção das mercadorias, quer através do salário directo quer do indirecto (através do desmantelamento das funções sociais do Estado).

A ofensiva toma forma particulares em cada país e os processos de resistência e de mobilização expressam-se também de formas diversificadas.

As políticas de “concertação social” praticadas em cada país – para tentar fazer passar cada medida contra as classes trabalhadoras e as populações em geral, num quadro de “diálogo” e “negociação” (como se despedimentos e perda de direitos pudessem ter preço) – têm sido o grande instrumento utilizado para tentar enfraquecer e neutralizar, ou mesmo impedir, estes processos.

Mas até quando?

Há países onde aparecem, à luz do dia, formas específicas de mobilização e de organização que procuram romper o cerco e construir agrupamentos na linha da independência de classe e, ao mesmo tempo, sempre procurando a ligação com as suas organizações sindicais.

Os militantes franceses – de diferentes tendências políticas e de diversas organizações sindicais, que se agrupam em comissões de defesa e reconquista dos direitos conseguidos (como a Segurança Social, o Sistema de saúde, a Escola pública e os direitos laborais), sobretudo com a vaga revolucionária pós-2ª Guerra mundial, que varreu quase toda Europa – constituem um caso de estudo para todos os militantes que procuram encontrar novos caminhos para ajudar a nossa classe a vencer os obstáculos políticos à sua mobilização (ver pag. 11).

O mesmo poderemos dizer, embora de outra forma, sobre o exemplo dos operários metalúrgicos de Cádis que, ao apelo das suas Centrais sindicais (UGT e CCOO), iniciaram uma greve pelos seus salários e direitos, e, não parando a sua mobilização, ganharam para o seu lado toda a cidade – a começar pelas camadas mais jovens – e levaram as populações de todo o Estado Espanhol a expressarem-lhes o seu apoio dizendo “Somos todos Cádis”.

A situação no nosso país e, em particular, do movimento operário – em termos de lutas fragmentadas e isoladas – todos a conhecemos…

Bem sabemos como o Presidente da República pôde concretizar a sua ameaça de “golpe de Estado palaciano”, com base na chantagem: “Ou a esquerda se entende, para aprovar a proposta de Orçamento acordado em Bruxelas, ou dissolvo a AR”.

E pôde fazê-lo sem que um único deputado da AR ou dirigente sindical tivesse dito: “Nem dissolução da AR, nem a proposta de Bruxelas” e, sobre essa base, tivesse apelado os trabalhadores a ir à AR exigir o Orçamento do Estado necessário ao país.

A população trabalhadora está agora confrontada com uma nova eleição… para escolher deputados dos mesmos partidos.

Muitos trabalhadores questionam-se: que garantias nos dá o PS, que garantias temos de ver constituído um novo Governo que rompa com as exigências do grande capital?

Neste sentido – e conscientes que, seja qual for o resultado das eleições, não resta aos trabalhadores portugueses senão a mobilização unida e a procura de uma saída política em conjunto com os outros povos da Europa – os militantes ligados na Associação POUS, cujos interesses não são distintos dos do conjunto dos outros trabalhadores e militantes, apoiam e participam numa campanha política, sob a forma de uma “Carta aberta dirigida ao candidatos dos partidos políticos cujas raízes mergulham na luta dos trabalhadores e no 25 de Abril”.

Essa Carta termina afirmando: A maioria da população trabalhadora do nosso país tem plena consciência das suas reivindicações. Se os deputados que forem eleitos NÃO lhes responderem positivamente, mais tarde ou mais cedo essa maioria empreenderá a mobilização para consegui-las, arrastando as organizações que a representam…

É a este desafio que devem responder os candidatos à AR.”

Carmelinda Pereira

Impasse da esquerda expresso nas Presidenciais

O jornal “O Militante Socialista”, cuja responsabilidade é da Associação “Política Operária de Unidade Socialista” tomou posição sobre o modo como decorreu a campanha eleitoral das eleições para a Presidência da República.

Mais uma vez se exprimiu na campanha para as Presidenciais a situação de impasse das forças políticas que se reclamam do 25 de Abril

A situação trágica da saúde de toda a população portuguesa, perante o colapso das estruturas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com o estender descontrolado da vaga pandémica, por um lado, e por outro o agravamento de forma exponencial das condições de vida da maioria da população trabalhadora, exigiria que os candidatos à Presidência da República – que se reclamam do 25 de Abril – tivessem utilizado a sua campanha eleitoral para intervir no sentido de ajudar a construir as respostas imediatas para resolver os problemas com que nos confrontamos.

Com essa atitude eles teriam contribuído para a mobilização do povo, de modo a que este desenvolvesse as acções que impusessem a resolução dos problemas. Propostas que certamente implicariam a intervenção dos trabalhadores da Saúde – dos sectores público, privado e social – não deixando que os colegas do sector público caíssem de exaustão.

Quem duvida que esta intervenção punha na ordem do dia a requisição civil de toda a capacidade instalada de serviços de Saúde, sob a tutela do Estado, tanto ao abrigo do estado de emergência, como das leis de Bases da Saúde ou da Protecção Civil.

O empenhamento público dos candidatos para ajudar a acudir à situação de catástrofe económica e social seria um incitamento a que os trabalhadores e as populações se organizassem – em ligação com o Poder local – para garantir transportes adequados a quem tem que se deslocar e para minimizar as condições insalubres de muitas das habitações (existentes sobretudo na periferia das grandes cidades).

Candidatos à Presidência da República, empenhados em contribuir para salvar o país, estariam a ouvir e a apoiar os trabalhadores que estão a ser alvo de despedimentos, participando com eles na mobilização unida para os impedir.

Claro que ninguém pode esperar tal comportamento de Marcelo Rebelo de Sousa, de Tiago Mayer Gonçalves ou de André Ventura. Mas, quando é voz comum – entre os trabalhadores e os militantes que se reclamam da Revolução de Abril – que Marisa Matias, João Ferreira e Ana Gomes se deviam encontrar para construir uma só candidatura, o que está implícito no seu pensamento?

A aspiração comum de todos eles é a unidade para afastar do poder o actual Presidente da República, para derrotar a direita. Pois, como todos estes candidatos afirmam, Marcelo Rebelo de Sousa – que hoje procura a unidade e o consenso com o Governo assente em forças da esquerda (“porque não tem outro à mão” para pôr em prática a política do capital financeiro) – no futuro, quando a direita conseguir recompor-se à custa da política da Direcção do PS e das forças que a suportam, viabilizará um Governo constituído por toda essa direita, como aconteceu na Região Autónoma dos Açores.

Deste ponto de vista, podemos considerar que a forma como os candidatos da esquerda se têm posicionado – independentemente das ideias justas expressas nas suas declarações públicas, umas vezes coincidentes e outras vezes complementares – não acrescenta uma linha àquilo que hoje os trabalhadores da Galp e da TAP, ou os estivadores, ou o conjunto de todos quantos estão em teletrabalho necessitam que seja feito: a criação de um movimento aglutinador, emanado da sua iniciativa, bem como da iniciativa das populações e dos jovens, para retomar o caminho iniciado com a Revolução de Abril.

Só este movimento pode ter capacidade para:

– Proibir os despedimentos colectivos

– Pôr fim à caducidade da contratação colectiva

– Pôr fim às diversas formas de trabalho precário

– Garantir que os investimentos que o Governo vai fomentar ou apoiar, no quadro da União Europeia, para a “economia digital”, não irão servir para generalizar novas formas de trabalho precário e de escravatura

– Garantir que os investimentos, feitos em nome da “defesa do ambiente”, irão de facto servir para proteger os ecossistemas e propiciar uma vida saudável às populações.

Assumisse algum dos três candidatos da esquerda um Plano de acção deste teor e veríamos como isso cortaria, de facto, a relva debaixo dos pés da extrema-direita. Veríamos como, no dia seguinte às eleições, os trabalhadores e as populações poderiam ter uma ferramenta nas suas mãos, para os ajudar na luta que não terão outro remédio senão desenvolver.

Mais uma vez ficou demonstrado que a emancipação dos trabalhadores só poderá ser obra deles próprios.

Carmelinda Pereira