Os processos de resistência e de mobilização dos trabalhadores de alguns sectores – iniciados pelos estivadores do Porto de Lisboa e pelos trabalhadores da Refinaria de Sines, passando agora pelo sector da restauração e hotelaria – são o prenúncio de um movimento de fundo na via da concretização dessa viragem.
O Governo português, em conjunto com os seus homólogos dos outros países da União Europeia, responde à situação actual com uma política que – na continuidade dos anteriores governos – é responsável pelo desastre nacional. É isso que está consubstanciado no OE para 2021, que acaba de ser aprovado na AR.
Trata-se de um Orçamento subordinado às imposições da União Europeia, que já o tinha validado antecipadamente. Senão, o que significaria a sua pressa do Governo em comunicar a Bruxelas e ao BCE que, “apesar do OE, o Estado honrará todos os seus compromissos em relação ao Novo Banco”.
O voto final do Bloco de Esquerda (BE) contra a aprovação da Proposta de OE para 2021, após uma intensa campanha mediática de apelo à unidade nacional, pode ser interpretado como um primeiro passo de ruptura com a política seguida até agora. Um passo no qual os trabalhadores poderão vir a apoiar-se, nos processos de mobilização que seguramente irão desenvolver para defender as suas condições de vida e de trabalho.
É neste sentido que os militantes do POUS continuarão a associar-se a todas as iniciativas que ajudem a desenvolver a resistência e mobilização dos trabalhadores para defender as conquistas da Revolução de Abril (nomeadamente a Escola Pública e o SNS). Elas só poderão renovar-se e reforçar-se a partir da força organizada das classes trabalhadoras, as quais estão confrontadas com uma luta crucial para impedir os despedimentos, para transformar o trabalho precário em trabalho com direitos, para reconquistar a livre contratação colectiva, pondo fim ao processo de selvajaria que se passa nas empresas (com contratos de trabalho individuais e “bancos de horas”) atingindo já hoje centenas de milhares de trabalhadores.
A candidata à Presidência da República, Marisa Matias – apoiada pelo BE – compromete-se a lutar contra esta situação. De facto, o seu Manifesto Laboral declara: É preciso defender a reposição do tratamento mais favorável, da negociação e contratação colectivas sem caducidade unilateral, da redução do horário de trabalho para as 35 horas e da segurança no emprego. Contra a informalidade, os contratos a prazo, o trabalho temporário, o falso trabalho independente, o outsourcing.”
Apoio à candidatura de Marisa Matias
E é por este motivo que os militantes do POUS – cujos interesses não se distinguem dos do conjunto dos trabalhadores portugueses e estão empenhados na campanhapela proibição efectiva dos despedimentos e pela garantia de trabalho com direitos – apoiam a candidatura à Presidência da República de Marisa Matias.
Quantos utentes do SNS, com doenças crónicas, aguardam há meses por uma consulta presencial, quantos tratamentos ficaram adiados, quantos disgnósticos, alguns deles de cancro, ficaram por fazer?
Infelizmente é esta a realidade com que nos deparamos, diariamente.
Tem sido uma constante a política de desmantelamento e desinvestimento no SNS, iniciada com os governos do tempo da Troika, incluindo o chamado governo da “geringonça” e o actual do Partido Socialista.
Ao mesmo tempo, a resistência das populações e do pessoal médico e de enfermagem em defesa desta conquista de Abril, sentida como uma das mais importantes, pela grande maioria dos portugueses, tem permitido, apesar de sucessivos golpes, que o essencial da sua estrutura se mantenha, como um Serviço de saúde público e universal para todos.
Podemos recordar as mobilizações em 2007 e 2008 – a nível local, regional e nacional – contra o plano do ministro da Saúde do governo do PS, Correia de Campos, de encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente (SAP) e dos hospitais de proximidade como o da Anadia, levando à sua demissão.
Não esquecendo as lutas contra o aumento das taxas moderadoras, por um número de médicos de família que assegure a cobertura de todos os utentes, pelo aumento das valências nos Centros de Saúde e as exigências dos médicos e enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica, pelo reconhecimento das suas carreiras profissionais.
Foram estas lutas e mobilizações, entre tantas outras, que garantiram a continuidade do SNS para, hoje, poder desempenhar o papel, que todos consideram ter sido decisivo no combate à pandemia no nosso país.
Nove meses passados, após o início da crise epidémica e apesar do empenhamento dedicado e abnegado dos profissionais de saúde do sector público, o recrudescer dos surtos ameaça fazer colapsar os Centros de Saúde e os Hospitais Públicos.
Investimento imediato e continuado em recursos humanos no SNS
A exaustão a que foram e estão a ser submetidos os médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal auxiliar, com horários de trabalho e ritmos esmagadores, para além da carga nervosa imposta pelo contacto permanente com o risco, coloca hoje como uma questão central para a sobrevivência da população portuguesa, em condições de dignidade, o investimento imediato e continuado em recursos humanos no SNS.
A intensidade e o prolongar da crise pandémica trouxeram, à luz do dia, a situação dramática de grande parte dos doentes “não covid”, nos Centros de Saúde e Hospitais Públicos, de Norte a Sul do país.
Em declarações ao jornal Público, de 25/10/2020, Noel Carrilho presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) afirmou: “Vamos sentir, durante muitos meses, possivelmente muitos anos, a falta de assistência a doentes não covid. Estas consequências vão perseguir-nos.”
E, ao mesmo jornal e no mesmo sentido, também o porta-voz do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos acrescenta: “Aquilo que está a acontecer, neste momento, é uma situação perfeitamente inadmissível. Os hospitais estão preocupados, e bem, com o covid, mas as outras patologias que já existiam estão a ficar em segundo plano. Há muitos utentes que não estão a ser tratados, muitas patologias agravam-se e alguns já faleceram por isso.”
Pelo seu lado, o Sindicato Independente dos Enfermeiros Portugueses (SINDEPOR), no comunicado anunciando o pré-aviso de greve de 9 a 13 de Novembro, exige do Governo: “Que, de uma forma célere, justa e com critérios idênticos para todos, proceda ao descongelamento das progressões da carreira de todos os Enfermeiros, independentemente do vínculo ou da tipologia do contrato de trabalho, contabilizando a totalidade do tempo congelado; vínculos de trabalho iguais para enfermeiros iguais; a equiparação, sem discriminações, dos vínculos de trabalho para quem tem Contrato Individual de Trabalho (CIT). e para quem tem Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP); retomar e concluir as negociações do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), interrompidas há mais de 1 ano; um subsídio de risco, com valor justo, aplicável a todos os enfermeiros independentemente do local de trabalho, categoria profissional ou vínculo laboral, uma vez que esse risco é inerente à profissão; pelas mesmas razões de penosidade da profissão, que as condições de acesso à aposentação voluntária dos enfermeiros e com direito à pensão completa sejam os 35 anos de serviço e 57 de idade (base inicial de negociação); que sejam admitidos mais Enfermeiros com vínculo contratual sem termo.”
E concluem afirmandoque “A carência de recursos humanos antes da pandemia era evidente, mas agora a realidade tornou-a ainda muito mais trágica. Todos os dias vemos serviços a encerrar por falta de enfermeiros e vemos muitos colegas a cair de cansaço pela sobrecarga de trabalho.”
A proposta de OE apresentada pelo Governo impede o reforço do SNS
É nesta situação de grave crise económica, social e sanitária – acelerada pela pandemia – que decorre a discussão e votação da proposta de OE para 2021, apresentada pelo Governo na Assembleia da República.
A população portuguesa vem assistindo a uma campanha dos grandes meios da Comunicação Social, de enorme intensidade e servida hora a hora, onde se procura justificar a falta de recursos nos serviços públicos de Saúde como sendo, apenas, fruto da epidemia. Campanha iniciada e articulada pelo Presidente da República, agarrada e secundada pelo Primeiro-ministro.
Ela traduz-se num apelo a uma política de unidade nacional, em torno de uma proposta de OE que – apesar dos anúncios públicos e da engenharia dos números – recusa, na realidade, inverter as políticas de desinvestimento no SNS dos anteriores governos e tomar as medidas de fundo que se impõem para permitir o seu reforço.
Um estudo de Eugénio Rosa– reputado economista da CGTP – sobre essa Proposta de OE tem esta citação elucidativa: “Se fizermos uma análise mais fina, concluímos que o aumento previsto em 2021 nas «despesas com pessoal», no sector público de Saúde, é apenas de 2,5% (entre 2020 e 2021, aumentam de 4.822,1M€ – milhões de euros – para 4942,2M€, ou seja, apenas em 120,1M€).”
É igualmente significativa a sua conclusão e o apelo deixados: “Em 2020, a despesa do SNS financiada com receitas de impostos atingirá 10.311,2M€ e, em 2021, será de 10.315,2M€, ou seja, apenas mais 4M€. É este o grande reforço do SNS, tão «badalado» pelo actual Governo. Será que a esquerda que defende o SNS ficará passiva perante tudo isto, pois é austeridade a mais e perigosa pois é na Saúde?”.
Mobilização em unidade para salvar e reforçar o SNS
A resposta que esperam e pretendem os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e auxiliares – que constituem a coluna vertebral do SNS – é que as organizações sindicais que os representam se mobilizem em unidade, para defenderem as suas carreiras profissionais com direitos, um regime de dedicação plena no SNS e um aumento de número de profissionais que responda às necessidades e permita reforçar o SNS.
É a mesma resposta que os milhões de utentes dos Centros de Saúde e dos Hospitais Públicos, de Norte a Sul do país, aguardando desesperadamente por consultas, exames e intervenções cirúrgicas, esperam das forças políticas que se reclamam do 25 de Abril e das suas conquistas, em vez da subordinação aos critérios de uma Proposta de OE que recusa reverter as políticas de desinvestimento na Saúde e responder às necessidades do país.
É neste terreno de resistência e mobilização em unidade das populações e dos profissionais de Saúde – que permitiu defender, até agora, a estrutura do SNS – que é preciso prosseguir para o salvar e reforçar como um Serviço que responda às reais necessidades dos seus utentes.
Para ajudar à mobilização em unidade, é este o caminho no qual se inserem os militantes do POUS, agrupados em torno de O Militante Socialista (MS).
A Comissão de redacção do MS
Saudação
O Militante Socialista – jornal impulsionado pelo POUS – não pode deixar de saudar a posição assumida pela Mesa Nacional do Bloco de Esquerda (BE), expressa no voto contra a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2021 apresentada pelo Governo na Assembleia da República.
Os seus militantes partilham as razões invocadas e destacadas pelos deputados do BE em reprovarem uma proposta de OE que, em nome de evitar a crise, significa na realidade mais um passo para a agravar, impedindo que a população trabalhadora possa ver garantido o direito ao trabalho e impedindo, igualmente, o investimento para reforçar e salvar o SNS, pilares essenciais neste momento que o país atravessa.
Manifestam também e desde já o seu total empenhamento em associarem-se às iniciativas de mobilização pela proibição dos despedimentos e pela defesa do SNS.
A proposta do Governo de Orçamento do Estado (OE) para 2020 foi aprovada, a 10 de Dezembro, somente com os votos a favor do Grupo parlamentar do PS e a abstenção dos deputados do PCP/Verdes, BE, PAN e a deputada do Livre.
Segundo o Governo, esta proposta corresponde à “continuidade” dos quatro Orçamentos da anterior Legislatura.
De facto, pode constatar-se que se trata da continuidade na política de baixos salários, quer no sector público quer no privado. Continuar a ler →