Libertar a iniciativa das classes trabalhadoras. Elas terão a última palavra.

Caro(a) leitor(a),

Com este primeiro número de 2022 de “O Militante Socialista” iniciamos a campanha de assinaturas neste ano do nosso jornal, em edição digital (1) ou em papel.

Os moldes para assinares ou revalidares a tua assinatura estão indicados na página 2 deste número.

Aguardando os teus comentários, críticas ou observações, recebe uma calorosa saudação e os votos de um Bom 2022, de resistência e luta.

Joaquim Pagarete
(da Comissão de Redacção do MS)

Nota 1 – Mesmo a versão digital tem custos, de montagem.


Os trabalhadores e os cidadãos – que não querem ver as suas vidas andar para trás, que aspiram à garantia da defesa das conquistas sociais, da cultura, de um caminho para a construção um futuro de paz e de desenvolvimento, de cooperação entre os povos – não podem deixar de sentir um amargo de boca, perante o desenrolar da campanha eleitoral para a Assembleia da República.

Um amargo de boca, ao verem os partidos que representam directamente o grande capital chegar-se à frente para retomar, nomeadamente, a ofensiva contra os serviços públicos e as organizações operárias.

Não escondendo ao que vêm, esses partidos exploram o descontentamento – mais que do legítimo – das populações, perante as consequências das políticas que o governo do PS assumiu, no quadro das regras definidas pelos Tratados europeus, que toda a Direita considera sagradas e inquestionáveis.

Mas os militantes dos partidos da Esquerda sabem bem que aquilo que a Direita explora não é mais do que a consequência da política posta em prática pelo governo do PS, por incapacidade da mesma Direita o poder aplicar.

Incapacidade resultante da derrota estrondosa, imposta ao PSD e ao CDS, pela mobilização das classes trabalhadoras durante a sua governação e consumada nas eleições de 2015.

Uma força imensa das classes trabalhadoras, amortecida durante o governo do PS, pela estratégia política de governação assente no “consenso” e na “geometria variável”.

Milhares de militantes têm consciência desta capacidade de acção da sua classe, quando age em unidade com as suas organizações.

Fazendo parte desses milhares, um grupo de três professores e dois trabalhadores da TAP encontrou-se com dois dirigentes do PS (ver pg. 6), para lhes entregar uma Carta assinada por cento e trinta trabalhadores, que pergunta aos candidatos a deputado dos partidos que se reclamam da defesa do 25 de Abril, qual o seu compromisso para com aqueles a quem pedem o voto, em matérias cruciais para a vida da maioria da população trabalhadora:

«- Revogar a lei da caducidade dos contratos coletivos de trabalho, para repor o direito consagrado na Constituição da República da livre negociação da contratação coletiva e de consagração da garantia do respeito pelo princípio mais favorável ao trabalhador, condição para pôr fim ao processo de degradação sistemática das condições de trabalho e de ataque às nossas organizações sindicais.

– Revogar a actual Lei dos despedimentos colectivos, que é uma espada de Dâmocles sobre todo e qualquer trabalhador, a pretexto de falências, reestruturações,…

– Garantir a viabilidade do Sistema de Segurança Social, público e universal, não à custa de aumentos dos anos de idade para atingir a reforma e de penalizações, mas sim à custa de descontos reais do grande capital e da valorização geral dos salários.

– Capitalizar, de facto, o SNS, através dos milhares de milhões de euros que são canalizados, anualmente, para sustentar o sector privado da Saúde.

– Pôr um verdadeiro travão no caminho da sociedade portuguesa para a barbárie, reforçando e protegendo os trabalhadores do sector da Educação – a começar pelos docentes – através da revogação das leis iníquas que têm vindo a destruir o seu Estatuto profissional, respondendo ao seu grito colectivo “Deixem-nos ser professores!”.»

A resposta foi inconclusiva, como afirmaram os militantes do sector da manutenção da TAP e os professores que participaram nessa delegação:

“Os representantes dos candidatos do PS não assumiram qualquer compromisso claro sobre as questões colocadas na Carta aberta. Mas isso não nos faz perder a esperança. E reafirmamos que, se os problemas levantados não tiverem solução – nem ao nível da AR, nem do Governo – não restará aos trabalhadores outra solução senão levantarem-se… e nós lá estaremos com eles.”

Por outras palavras, o conteúdo da conclusão da Carta aberta assinada pelos cento e trinta trabalhadores.

Carmelinda Pereira

Uma forma de agir no terreno eleitoral

Num contexto geral em que as grandes multinacionais se esgatanham para tentar ocupar os mercados umas das outras, em sintonia com o capital financeiro, todos os sectores das classes trabalhadoras – em cada país e, em particular, no continente europeu – estão a ser fustigados, no sentido do abaixamento do custo da força-de-trabalho. Tornar cada vez mais barato o custo de produção das mercadorias, quer através do salário directo quer do indirecto (através do desmantelamento das funções sociais do Estado).

A ofensiva toma forma particulares em cada país e os processos de resistência e de mobilização expressam-se também de formas diversificadas.

As políticas de “concertação social” praticadas em cada país – para tentar fazer passar cada medida contra as classes trabalhadoras e as populações em geral, num quadro de “diálogo” e “negociação” (como se despedimentos e perda de direitos pudessem ter preço) – têm sido o grande instrumento utilizado para tentar enfraquecer e neutralizar, ou mesmo impedir, estes processos.

Mas até quando?

Há países onde aparecem, à luz do dia, formas específicas de mobilização e de organização que procuram romper o cerco e construir agrupamentos na linha da independência de classe e, ao mesmo tempo, sempre procurando a ligação com as suas organizações sindicais.

Os militantes franceses – de diferentes tendências políticas e de diversas organizações sindicais, que se agrupam em comissões de defesa e reconquista dos direitos conseguidos (como a Segurança Social, o Sistema de saúde, a Escola pública e os direitos laborais), sobretudo com a vaga revolucionária pós-2ª Guerra mundial, que varreu quase toda Europa – constituem um caso de estudo para todos os militantes que procuram encontrar novos caminhos para ajudar a nossa classe a vencer os obstáculos políticos à sua mobilização (ver pag. 11).

O mesmo poderemos dizer, embora de outra forma, sobre o exemplo dos operários metalúrgicos de Cádis que, ao apelo das suas Centrais sindicais (UGT e CCOO), iniciaram uma greve pelos seus salários e direitos, e, não parando a sua mobilização, ganharam para o seu lado toda a cidade – a começar pelas camadas mais jovens – e levaram as populações de todo o Estado Espanhol a expressarem-lhes o seu apoio dizendo “Somos todos Cádis”.

A situação no nosso país e, em particular, do movimento operário – em termos de lutas fragmentadas e isoladas – todos a conhecemos…

Bem sabemos como o Presidente da República pôde concretizar a sua ameaça de “golpe de Estado palaciano”, com base na chantagem: “Ou a esquerda se entende, para aprovar a proposta de Orçamento acordado em Bruxelas, ou dissolvo a AR”.

E pôde fazê-lo sem que um único deputado da AR ou dirigente sindical tivesse dito: “Nem dissolução da AR, nem a proposta de Bruxelas” e, sobre essa base, tivesse apelado os trabalhadores a ir à AR exigir o Orçamento do Estado necessário ao país.

A população trabalhadora está agora confrontada com uma nova eleição… para escolher deputados dos mesmos partidos.

Muitos trabalhadores questionam-se: que garantias nos dá o PS, que garantias temos de ver constituído um novo Governo que rompa com as exigências do grande capital?

Neste sentido – e conscientes que, seja qual for o resultado das eleições, não resta aos trabalhadores portugueses senão a mobilização unida e a procura de uma saída política em conjunto com os outros povos da Europa – os militantes ligados na Associação POUS, cujos interesses não são distintos dos do conjunto dos outros trabalhadores e militantes, apoiam e participam numa campanha política, sob a forma de uma “Carta aberta dirigida ao candidatos dos partidos políticos cujas raízes mergulham na luta dos trabalhadores e no 25 de Abril”.

Essa Carta termina afirmando: A maioria da população trabalhadora do nosso país tem plena consciência das suas reivindicações. Se os deputados que forem eleitos NÃO lhes responderem positivamente, mais tarde ou mais cedo essa maioria empreenderá a mobilização para consegui-las, arrastando as organizações que a representam…

É a este desafio que devem responder os candidatos à AR.”

Carmelinda Pereira

A ruptura de uma forma de governação assente na “geometria variável” e na “paz social”

A derrota da proposta de Orçamento do Estado para 2022 (apresentada pelo governo do PS à Assembleia da República – AR) – um Orçamento destinado a pôr em prática os denominados “Fundos de recuperação”, definidos pelas instituições da União Europeia – encerra uma determinada forma de pôr em prática os compromissos e a colaboração entre os partidos tradicionais das classes trabalhadoras portuguesas (o PS e o PCP), em conjunto com o Bloco de Esquerda – BE, que estão actualmente em maioria na AR, abrindo caminho a uma situação de vazio político que poderá gerar “sucessivas crises políticas”.

Durante seis anos, o governo do PS conseguiu aplicar a política decorrente das necessidades e imposições do capital financeiro, através de uma “governação de geometria variável”. Uma governação em que os sucessivos Orçamentos do Estado foram sendo viabilizados pelo PCP e/ou pelo BE, em troca de algumas concessões às classes trabalhadoras, acordadas com estes partidos políticos, revertendo algumas medidas contidas no chamado Memorando da Troika, executadas pelo governo de coligação da burguesia PSD/CDS, no período de 2011 a 2015.

Nestas concessões contam-se, nomeadamente, o fim dos cortes nos salários e nas pensões de aposentação, bem como o travão no processo de privatização dos transportes públicos.

Mas tais medidas positivas não mudaram qualitativamente, de modo algum, as condições de vida e de trabalho da generalidade da população trabalhadora, que não pararam de se agravar com o crescimento da precariedade, dos despedimentos colectivos, da especulação imobiliária, do desmantelamento dos serviços públicos, onde o colapso de vários hospitais públicos é apresentado como iminente pelas organizações sindicais dos médicos e dos enfermeiros.

A destruição de milhares de empregos feita pelas multinacionais que controlam o sector da energia (em nome da descarbonização / “transição energética”), feita pelos bancos (em nome da “transição digital”), ou no transporte aéreo (onde a crise foi acentuada pela pandemia) deu lugar a processos de resistência e de mobilização, onde vários sectores das classes trabalhadoras procuraram apoiar-se nas suas organizações sindicais para se defender. Ao mesmo tempo, as Direcções destas organizações têm conseguido controlar estes processos, continuando a sua prática de fragmentação das lutas e de “concertação social”, cujas consequências se têm traduzido no enfraquecimento dos próprios sindicatos.

O resultado das eleições autárquicas foi o detonador de um processo de viragem nesta forma de governação – sustentada, na prática, pelo PCP, pelo BE e pelos aparelhos sindicais.

Uma forma de governação mantida durante seis anos, no quadro da “unidade nacional”, tutelado pelo Presidente da República (PR), uma “governação à esquerda” a partir da AR, inédita nos 46 anos desde a Revolução de Abril de 1974.

Na Nota que a POUS (Secção portuguesa da 4ª Internacional) publicou sobre o resultado das eleições autárquicas procurámos mostrar como a forma de votação nas autárquicas pôs a nu o descontentamento das classes trabalhadoras, traduzido na perda de votos dos partidos do chamado “arco da governação”, bem como num nível de abstenção recorde em zonas operárias e, em alguns casos, na capacidade do Partido da chamada extrema-direita (o Chega) em atrair para si camadas da população revoltadas com a situação económica e social em que vivem.

A derrota do PCP em autarquias que nunca tinham deixado de ser dirigidas por este Partido depois do 25 de Abril, as chamadas autarquias históricas, bem como a abstenção massiva, constituíram um sinal de alarme para o PCP.

A imprensa burguesa relatou o mal-estar de militantes e quadros do PCP, que exigem a ruptura com as concessões e compromissos com o Governo, bem como a ruptura com o quadro de “unidade nacional”.

Apesar do mal-estar vivido dentro do PCP, a sua Direcção tentou ir até onde lhe foi possível para manter a coesão do seu Partido e, em simultâneo, preservar a política de “unidade nacional”. Política que exige que este Partido possa controlar a luta das massas, através do aparelho sindical da CGTP, impedindo-as de poder desempenhar o papel histórico que é o seu.

Nas condições impostas pelo PCP para viabilizar a proposta de Orçamento do Governo, este colocava a necessidade de um sinal de mudança nas leis laborais, nomeadamente a revogação da caducidade da contratação colectiva. Colocava também a necessidade de um sinal de mudança na política de Saúde e nos salários e pensões de aposentação, entre outras exigências.

O Governo de António Costa, pelo seu lado, dispôs-se e fazer as concessões possíveis, para poder aplicar um Orçamento com base no Programa de Recuperação e Resiliência (PRP), assinado com a União Europeia, de acordo com os interesses do capital financeiro e das grandes multinacionais.

Mas Costa afirmou sempre: «Temos que fazer um Orçamento do Estado que preserve as contas certas» – leia-se, as condições acordadas em Bruxelas; «Não podemos fazer acordos a qualquer preço».

Mesmo quando se «atreveu» a fazer um passo na modificação de algumas leis laborais, como foi o caso do aumento da compensação monetária por cessação do contrato de trabalho e do número de horas extraordinárias anuais a serem pagas pelos patrões, os representantes das Associações patronais abandonaram de imediato as reuniões do Conselho Económico e Social (a cúpula da “concertação social”), clamando: «Alto aí, aqui não se mexe!». Costa recuou e pediu-lhes desculpa publicamente.

Pelo seu lado, o BE não podia senão tomar a mesma atitude que o PCP, no quadro da sua estratégia de defesa de um Governo que ponha em prática “políticas à esquerda”, no quadro da União Europeia.

Todo este jogo de aparelhos políticos – feito sob a chantagem ultimatista do PR: “Se esta Proposta de OE não for aprovada na generalidade, dissolvo a AR e convoco novas eleições legislativas” – foi efectuado com a preocupação de manter as classes trabalhadoras à margem da cena política e impedi-las de realizarem a frente única de classe, diante da sede da soberania do povo português, para aí imporem uma Lei orçamental capaz de responder às suas legítimas reivindicações, decorrentes dos problemas com que estão confrontadas.

Obviamente, o apelo a uma mobilização neste sentido seria um passo dos aparelhos na via da ruptura com a política do Sistema assente na propriedade privada dos meios de produção, um passo que todos vêem como um pesadelo a afastar.

Daí a pressa do PR em querer dissolver a AR.

As Direcções do PCP, do BE e da CGTP, bem como sectores minoritários do PS, criticam a chamada “precipitação do PR”, afirmando a possibilidade de ser apresentada uma nova proposta de Orçamento do Estado, mas sem jamais abrirem uma saída que as classes trabalhadoras pudessem agarrar – a mobilização conjunta e a centralização do seu movimento diante da AR.

Bem pelo contrário, os aparelhos sindicais suspenderam “sine die” as greves anunciadas, em diversos sectores, nomeadamente nos professores, nos enfermeiros e nos médicos.

CONCLUSÕES

1 – Ao contrário do que queriam o Governo e o Presidente da República, a Proposta de OE para 2022 acordada com a Comissão Europeia foi chumbada pela Assembleia da República, rompendo assim momentaneamente a “unidade nacional” que manteve, durante 6 anos, o Governo do PS.

2 – Apesar dos golpes que a Revolução já sofreu, ainda continua a haver restos de democracia parlamentar que foram impostos após o 25 de Abril de 1974.

3 – Todos os “actores” políticos (a começar pelo Presidente da República), partidários e sindicais procuram impedir que os trabalhadores e as populações utilizem esta crise para entrar em movimento em defesa das suas reivindicações, concentrando-se diante da Assembleia da República.